A fé que nasce do direto experimentar, por nós mesmos
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A fé que nasce do direto experimentar, por nós mesmos


Vemos que existem, ao redor de nós, no mundo, inúmeros problemas, criados pela sociedade, pelos indivíduos; e, parece, a solução de um determinado problema nos apresenta sempre um outro maior, faz criarem-se novos problemas. Assim que resolvemos um determinado problema, como o da fome ou outro qualquer — econômico, social, espiritual — despertamos, não é verdade? — para outros problemas, inumeráveis. Visto que com a solução de um problema nascem sempre novos problemas, vê-se a mente cada vez mais emaranhada em problemas. Nunca há solução definitiva para um problema e sim, sempre, multiplicação dos problemas. Não sei se já tendes notado isso na vossa vida de cada dia. Pensais ter resolvido alguma coisa, e eis que dessa própria solução, nasce meia dúzia de novos problemas. Pra, é possível resolver completamente um problema, sem o aumentar e sem se criarem novos problemas? Essa é uma das nossas maiores preocupações na vida, visto que há tantos problemas no mundo — problemas econômicos, sociais, religiosos: as guerras devastadoras, as relações entre povos, as ideias, se há Deus, se não há Deus, etc.

Temos problemas incontáveis; o dia inteiro é cheio de problemas — que espécie de ação empreender, que profissão adotar, o desejo de preenchimento e (por falta de compreensão dele) a cadeia sem fim de frustração. A fim de resolver este problemas, apelamos em geral para alguém, para um livro, um sistema, um líder, um guru, ou para a nossa experiência pessoal. Entretanto, se observarmos atentamente, o nosso desejo de achar uma solução por intermédio de alguém, de um guru, de um livro, de uma panaceia política, de um guia, veremos que ele só nos leva à frustração. Não é isso o que acontece, na vida de quase todos nós? Politicamente, tendes seguido uma ideia, já estivestes na prisão, já vos deixastes arrebatar de entusiasmo pela liberdade, pelo nacionalismo, etc.; e no fim de tudo, o que tendes? Tendes a palavra "liberdade"; esta palavra, porém, não é a liberdade.

Tendes livros religiosos, tendes guias e filósofos, observais numerosos ritos e, todavia, acompanha-vos sempre o temor, a frustração, a desesperança, a amargura, a ansiedade. Tal é o fado de todos nós!

E, à medida que vamos envelhecendo, com uma carga cada vez maior de experiências e de desenganos, vemos, não é exato? — vemos que estamos perdendo a coisa mais essencial da nossa vida: a . Entendo por "", não a mesma coisa que estais acostumados a entender — a fé no líder, a fé no guru, e na experiência pessoal. Podeis não crer em coisa alguma, e fazeis muito bem; porque, se não crerdes em nada, tendes uma possibilidade de descobrimento. Entretanto, o viver sem fé leva ao cinismo, ao ceticismo, a uma vida de gozos superficiais, e superficial benevolência. Se não nos tornamos cínicos, tornamo-nos pessoas muito ativas e prestativas; mas aquela chama tão essencial ao pensar criador, é negada, sufocada. Creio ser essa coisa, essa chama, que nos cumpre encontrar, e não a solução para um problema qualquer, pois as soluções dos problemas são relativamente fáceis.

Se sois inteligente, se tendes capacidade e energia, é-vos então relativamente simples estudar o problema. O estudo perfeito do problema representa, justamente, a sua solução, porquanto a solução não se acha fora do problema. Para estudar-se, porém, o problema, descobrir a verdade que ele encerra, para isso, necessita-se de energia, vitalidade; e essa vitalidade, essa energia, são destruídas quando seguis alguém, quando obedeceis o vosso guru, o vosso guia político, ou a um sistema econômico. Toda a vossa energia criadora se dissipou no seguirdes alguma coisa, no disciplinardes a vossa mente de acordo com um determinado padrão de ação. Se falha ou se morre o vosso guia, vos vedes sozinhos.

Ora, é possível termos aquela fé criadora — se posso usar tal expressão — sem a identificarmos com um determinado padrão de pensamento? Não me refiro aqui a fé num guru, num livro, na experiência pessoal, mas aquela fé, aquela confiança que nasce do direto experimentar, por nós mesmos — prescindindo de tradições e mentores, compreendendo o problema diretamente, aplicando-nos a ele com energia, com aquela extraordinária confiança, aquela capacidade de descobrir-lhe a verdade intrínseca. Essa fé, sem dúvida é a verdadeira solução. Porque, sem ela, não somos entes humanos criadores. O que se faz necessário no mundo, hoje em dia, não são os líderes, nem sistemas, nem gurus, mas sim, a capacidade, por parte de cada indivíduo, para descobrir por si mesmo o que é a Verdade.

A Verdade não é coisa vossa ou minha. A Verdade não é pessoal. É algo que surge quando a mente se acha muito lúcida, simples, direta, silenciosa. Só então surge a Verdade. Não podemos perseguir a Verdade. Tentamos persegui-la, quando estamos dominados pela ânsia de solução para determinado problema.

O que se necessita, pois, é a confiança, a fé imprescindível para o descobrimento da Verdade. Não podemos descobrir o que é a Verdade, se nossas mentes estão condicionadas. Infelizmente, a janela pela qual observamos a vida, está condicionada.

Estamos condicionados, como hinduístas, muçulmanos, cristãos ou budistas — isto é, estamos condicionados para pensar de uma determinada maneira. A conduta, o padrão de ação, é-nos inculcado desde a infância. E, por conseguinte, quando crescemos e começamos a experimentar, fazemo-lo através dessa cortina de condicionamento; esta é uma óbvia consequência psicológica, quer nos agrade, quer não.

Nunca somos livres para descobrir. Até agora abrigamos uma determinada forma de condicionamento — capitalista ou socialista. Dizemos agora: "esta forma é insensata; tornemo-nos comunistas". Tornar-se comunista também é condicionamento. Por meio de um condicionamento, pode-se resolver algum problema? Pelo contrário, só se pode resolver um problema quando somos livres para meditá-lo a fundo e experimentá-lo diretamente. E visto que estamos tão condicionados — religiosa, econômica, climaticamente, enfim, de todos os modos — não somos livres para olhar, observar, descobrir. Estamos agrilhoados, principalmente neste país; somos incapazes de pensar independentemente, livremente, por nós mesmos, sem a ajuda de guias, dos livros, dos líderes. Tende a bondade de refletir sobre isso, porque o problema é este. Porque somos adoradores de imagens, temos tantos modelos e tantos heróis. Tão inutilizadas estão as nossas mentes pela imitação, que somos incapazes de abandonar todos os livros e todos os guias, para refletirmos por nós mesmos sobre cada problema e descobrirmos a Verdade.

No descobrir da Verdade inerente a qualquer coisa, há o sentimento de "pensar juntos". Compreendeis o que isso significa? Até agora temos seguido alguém e por esse motivo, justamente, criado divisões. De nada serve dizermos que estamos unidos em torno do líder, porquanto, basicamente, estamos separados e, por conseguinte, nunca há um sentimento criador de "edificar juntos", de que esta é a nossa Terra, de que não podeis viver sem mim, nem eu sem vós. Esse é o sentimento de que temos de construir juntos, sem que nenhum líder político ou religioso, nenhuma personalidade dinâmica estabeleça planos; o sentimento de que esta é a nossa Terra; o sentimento de que esta civilização arruinada pode ser reerguida, reconstruída; o sentimento de que vós e eu estamos construindo juntos a nossa civilização.

Não pode nascer esse sentimento de "nós juntos", se não formos livres para descobrir a Verdade — a Verdade que não é vossa nem minha. Só no descobrimento do que é a Verdade existe a possibilidade do sentimento de estarmos criando juntos, e juntos a viver e embelezar a Terra. Refleti, por favor, sobre o que digo. Não o rejeiteis como coisa inútil, como uma dessas falas que acostumamos ouvir de tempos em tempos. Não façais pouco caso disso, pois estamos tratando da necessidade mais vital da hora presente.

Achamo-nos numa crise tremenda, quer reconheçamos, quer não. E, no meio desta crise, não podemos continuar a seguir um livro anacrônico ou um guia qualquer; temos de descobrir a Verdade no nosso próprio coração, e só a encontraremos se nossa mente estiver "descondicionada". Enquanto houver o condicionamento que nos faz buscar, seguir, ou criar ideologias e adorar ídolos; enquanto houver condicionamento da nossa mente, fazendo-nos proceder como hinduístas, comunistas, socialistas, capitalistas, ou o que quer que seja, não encontraremos a Verdade contida em problema algum. Só quando vós e eu descobrirmos a Verdade, que não é pessoal, individual, haverá a possibilidade de promover-se uma revolução que não seja uma revolução de ideias, mas a revolução da Verdade. Dela necessitamos nos tempos atuais.

Importa igualmente descobrir qual é a vossa relação para com a Realidade Criadora, ou como quiserdes chamá-la — pois os nomes não tem importância. Essa Realidade Criadora nunca será encontrada, enquanto a vossa mente estiver cristalizada, atulhada de ideias e palavras sem nenhuma significação. Não a encontrareis, não a descobrireis, se vossa mente não é capaz de libertar-se do pensamento tradicional.

A Verdade não é uma estrutura mental. A mente não pode perceber a Verdade. A Verdade não é produto da mente; pelo contrário, enquanto a mente estiver em atividade, tentando imaginá-la, descobri-la, desenterra-la, jamais a encontrará. Encontrá-la-a, apenas, quando houver a compreensão que liberta a mente e lhe dá a única possibilidade de profundo silêncio. É essencial uma mente silenciosa, uma mente tranquila, de uma tranquilidade não produzida por disciplina, por coerção ou persuasão. Uma mente disciplinada não é uma mente livre; uma mente estreita, condicionada, é incapaz de compreender o que é a Verdade. A mente, porém, que compreende, que penetra, capaz de "experimentar" diretamente, na ação, nas relações, no viver de cada dia — essa mente é também capaz de descobrir a Verdade; e essa Verdade é que nos liberta de nossos problemas.

Krishnamurti — Autoconhecimento — A Base da Sabedoria





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