Alcançando o verdadeiro estado religioso
autoconhecimento

Alcançando o verdadeiro estado religioso


Conhecendo todo o conteúdo da mente — suas negações, suas resistências, suas atividades disciplinares, seus vários esforços por segurança, tudo o que condiciona e limita seu pensar — pode a mente, como um processo integrado, estar totalmente livre para descobrir o que é eterno? Porque, sem esse descobrimento, sem essa experiência dessa realidade, todos os nossos problemas com suas soluções só conduzirão a mais desastres e misérias. Isso é óbvio, vocês podem constatá-lo na vida cotidiana. Individualmente, politicamente, internacionalmente, em cada atividade, estamos criando mais e mais problemas, que são inevitáveis enquanto não tenhamos alcançado esse estado religioso que só é atingível quando a mente se encontra totalmente livre.

Após ouvirem isto, vocês podem, mesmo que por um só momento, conhecer essa liberdade? Não podem, pelo simples fato de que eu a estou sugerindo, o que então seria apenas uma ideia, uma opinião sem qualquer sentido. Mas se vocês me acompanharam seriamente, estão começando a se conscientizar do processo de seus próprios pensamentos, de suas tendências, de seus propósitos, de seus motivos e, estando conscientes, estão sujeitos a chegar a um estado no qual a mente não estará mais buscando, escolhendo, lutando por alcançar. Tendo percebido seu próprio processo total, a mente se torna extraordinariamente quieta, sem qualquer tendência, sem qualquer volição, sem qualquer ato de vontade. Vontade é ainda desejo, não é? O homem que é ambicioso, na acepção mundana, tem um forte desejo de vencer, de ser bem-sucedido, de ficar famoso e exercita a vontade para sua própria auto-importância. Da mesma forma, nós exercitamos a vontade para desenvolver a virtude, para alcançar o assim chamado estado espiritual. Mas eu estou falando de uma coisa completamente diferente, destituída totalmente de qualquer desejo, de qualquer ação voltada a uma fuga, de qualquer compulsão a ser isto ou aquilo.

Ao analisar o que estou dizendo, vocês estão exercitando a razão, não estão? Mas a razão só pode levar até aí e não além. Precisamos, obviamente, exercitar a razão, a capacidade de refletir completamente a respeito das coisas e não parar pela metade. Mas quando a razão tiver atingido os seus limites e não puder ir além, então a mente deixará de ser um instrumento da razão, da astúcia, de cálculo, de ataque e defesa porque o próprio centro de onde emana todos os nossos pensamentos, todos os nossos conflitos, terá chegado ao fim.

Desse modo, agora que vocês escutaram o que eu disse, sem dúvida estão começando a estar conscientes de si mesmos, a cada momento, durante o dia, em suas várias atividades. A mente está começando a conhecer a si mesma, com todos os seus desvios, suas resistências, suas crenças, suas buscas, suas ambições, seus temores, suas ânsias de realização. Estando consciente de tudo isso, não é possível á mente, mesmo que por um só instante, estar absolutamente quieta, conhecer um silêncio no qual existe liberdade? E quando existe essa liberdade do silêncio, não é a mente, em si, eterna?

Para experimentar o não-conhecido, a própria mente precisa ser o não-conhecido. A mente, até agora, é o resultado do conhecido. Que é você senão o acúmulo do conhecido, de todos os seus problemas, de suas vaidades, de suas ambições, de suas dores, de suas realizações e de suas frustrações? Tudo isso é o conhecido, o conhecido no tempo e no espaço, e enquanto a mente estiver trabalhando dentro do âmbito do tempo, do conhecido nunca poderá ser o não conhecido, só poderá continuar experimentando aquilo que conheceu. Por favor, isso não é algo complicado ou misterioso. Estou descrevendo fatos óbvios de nossa existência diária. Sob o peso do conhecido, a mente anseia descobrir o não-conhecido. Como pode ela? Todos falamos de Deus — em toda religião, em todos os templos e igrejas essa palavra é usada para, mas sempre dentro da imagem do conhecido. Somente poucos, os muito poucos que abandonam todas as igrejas, templos e livros, vão além e descobrem.

No momento, a mente é o resultado do tempo, do conhecido, e quando essa mente se decide a descobrir, só pode descobrir o que já experimentou, o que é o conhecido. Para descobrir o desconhecido, a mente tem que libertar-se completamente do conhecido, do passado, não através de uma análise lenta, não exumando pouco a pouco o passado, interpretando cada sonho, estudando cada reação, mas vendo a verdade de tudo isso completamente, instantaneamente, enquanto vocês estão aí sentados. Enquanto a mente for resultado do tempo, do conhecido, nunca poderá descobrir o não-conhecido, que é Deus, realidade, ou o nome que vocês lhe deem. Ver a verdade disso liberta a mente do passado. Não traduzam imediatamente libertação do passado por não saberem o caminho de casa. Isso é amnésia. Não reduzam as coisas a um pensamento infantil. Mas a mente se torna livre a partir do momento que reconhece a verdade de que ela não pode descobrir o real — esse extraordinário estado do não-conhecido — quando está arcada sobre o peso do conhecido. Conhecimento, experiência são o “eu”, o ego, a personalidade que acumulou, que reuniu; portanto, todo conhecimento precisa ser sustado, toda experiência posta de lado. E quando existe o silêncio da liberdade, não é a própria mente o eterno? Está ela, então, experimentando algo totalmente novo, que é o real; mas para experimentar o real, a mente precisa ser o real. Por favor não digam que a mente é a realidade. Não é. A mente só pode experimentar a realidade quando estiver totalmente livre do tempo.

Todo esse processo de descoberta é religião. Certamente que religião não é aquilo que vocês acreditam ser. Não tem nada a ver com o fato de vocês serem cristãos ou budistas, maometanos ou hindus. Essas coisas não têm importância; elas constituem um obstáculo e a mente que vai descobrir precisa estar completamente despida de tudo isso. Para ser nova, a mente precisa estar sozinha. Para que a eterna criação se concretize, a própria mente precisa estar nesse estado para recebe-la. Mas, enquanto ela estiver cheia de trabalhos e de lutas, enquanto estiver sobrecarregada de conhecimentos e complicada por meio de bloqueios psicológicos, a mente nunca estará livre para receber, entender, descobrir.

A pessoa verdadeiramente religiosa não é a que está mergulhada em crenças, dogmas, rituais. Ela não tem crenças; está vivendo de momento a momento, nunca acumulando nenhuma experiência e, portanto, é ele o único ser revolucionário. A verdade não é uma continuidade do tempo; ela precisa ser descoberta de novo, a cada momento. A mente que reúne, que amealha, que valoriza qualquer experiência não tem condições de viver cada momento descobrindo o que é novo.

Aqueles que estão realmente interessados, que não são amadores, que não estão apenas se divertindo com tudo isso, têm uma extraordinária importância na vida porque se tornarão uma luz para si mesmos e, talvez, para os outros. Falar de Deus sem experimentação, sem possuir a mente totalmente livre e, através disso, aberta para o não-conhecido, tem muito pouco valor. É como pessoas adultas que se divertem com brinquedos; e quando estamos nos divertindo com brinquedos; e quando estamos nos divertindo com brinquedos, chamando isso de “religião”, geramos maior confusão, mais miséria.

Somente quando entendemos nosso processo de pensar, quando não estamos mais perturbados em nossos próprios pensamentos é que é possível à mente estar quieta. E só então o eterno se concretiza.


Jiddu Krishnamurti — Ojai, 5 de julho de 1953





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