Diálogo sobre o que está além do vazio e do silêncio
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Diálogo sobre o que está além do vazio e do silêncio


Krishnamurti:... O vazio é energia, e o vazio existe no silêncio, ou ao contrário, não importa — certo? Oh, sim, existe alguma coisa além disso tudo. Provavelmente nunca poderá ser colocada em palavras; mas ela tem de ser colocada em palavras. Você está acompanhando? 

DB: Você está dizendo que o absoluto deve ser colocado em palavras, mas sentimos que isso não é possível? Qualquer tentativa de colocá-lo em palavras torna-o relativo.

K: Sim. Não sei como colocar tudo isso. 

DB: Creio que temos uma longa história de perigo com o absoluto. As pessoas o colocaram em palavras, e ele se tomou muito opressivo. 

K: Abandonemos tudo isso. Veja bem, ignorarmos o que outras pessoas disseram, Aristóteles, Buda, e outros, tem uma vantagem. Entende o que quero dizer? Uma vantagem no sentido de que a mente não está influenciada pelas idéias de outras pessoas, e nem presa às afirmações de outras pessoas. Tudo isso faz parte do nosso condicionamento. Vamos agora além de tudo isso! O que estamos tentando fazer? 

DB: Acho que estamos tentando nos comunicar com relação a esse absoluto, esse além. 

K: Eu retirei imediatamente essa palavra "absoluto". 

DB: Então seja lá o que for; o que está além do vazio e do silêncio. 

K: Além disso tudo. Existe o além disso tudo. Tudo isso é alguma coisa, parte de uma imensidão. 

DB: Sim, mesmo o vazio e o silêncio são uma imensidão, não são? A energia em si é uma imensidão. 

K: Sim, eu compreendo isso. Porém existe uma coisa muito mais imensa do que isso. O vazio, o silêncio e a energia são imensos, realmente imensuráveis. Mas existe uma coisa — estou usando a palavra "maior" do que isso. 

DB: Estou apenas ponderando. Estou observando. Podemos ver que não importa o que digamos sobre o vazio, ou sobre qualquer outra coisa, existe algo além. 

K: Não, como um cientista, por que você aceita — aceita não, perdoe-me por usar essa palavra — por que você acompanha isso? 

DB: Porque nós chegamos aqui passo a passo, percebendo a necessidade de cada passo. 

K: Você percebe que tudo isso é muito lógico, razoável, sensato. 

DB: Além disso, podemos perceber que está tão certo. 

K: Sim. Assim, se eu disser que existe uma coisa maior do que todo esse silêncio, essa energia — você aceitaria isso? Aceitaria no sentido de que até agora temos sido lógicos. 

DB: Digamos que certamente há algo além de qualquer coisa a que você se refira. Silêncio, energia, seja o que for, então sempre há, logicamente, espaço para alguma coisa além. Porém o ponto é o seguinte: mesmo que você diga que há algo além disso, logicamente ainda deixa espaço para irmos novamente além disso. 

K: Não. 

DB: Bem, por que é assim? Veja, qualquer coisa que você diga, sempre existe lugar para algo além. 

K: Não há nada além. 

DB: Bem, esse ponto não está claro, percebe? 

K: Não existe nada além. Eu me mantenho fiel a isso. Não de forma dogmática ou obstinada. Sinto que isso é o começo e o final de tudo. O fim e o início são a mesma coisa — certo? 

DB: Em que sentido? No sentido de que você está usando o início de tudo como o final?

K: Sim. Certo? Você diria isso? 

DB: Sim. Se tomarmos a base de onde isso vem, deve ser a base aonde isso cai. 

K: Está correto. Essa é a base sobre a qual tudo existe, espaço .. . 

DB: ... energia .. . 

K: . . . energia, vazio, silêncio, tudo que é. Tudo isso. Não a base, você compreende? 

DB: Não, isso é apenas uma metáfora. 

K: Não há nada além disso. Nenhuma causa. Se tivermos uma causa então teremos uma base. 

DB: Temos outra base. 

K: Não. Isso é o começo e o fim. 

DB: Está se tornando mais claro. 

K: É verdade. Isso transmite alguma coisa a você? 

DB: Sim, acho que sim. 

K: Alguma coisa. Você diria ainda que não há começo e nem fim? 

DB: Sim. Ele vem da base, vai para a base, mas não começa nem termina. 

K: Sim. Não existe início nem fim. As implicações são enormes. Isso, a morte — morte não no sentido de eu vou morrer, mas o término completo de tudo? 

DB: Veja bem, primeiro você disse que o vazio é o final de tudo, então em que sentido é esse mais, agora? O vazio é o fim das coisas, não é?

K: Sim, sim. É essa morte, esse vazio? A morte de tudo que a mente cultivou. Esse vazio não é o produto da mente, da mente específica. 

DB: Não, da mente universal. 

K: Esse vazio é isso. 

DB: Sim. 

K: Esse vazio só pode existir quando há morte — a morte total — do particular. 

DB: Sim. 

K: Não sei se estou conseguindo transmitir isso. 

DB: Sim, isso é o vazio. Mas quando você diz isso, nessa base a morte vai mais adiante? 

K: Oh, sim. 

DB: Então estamos dizendo que o final do particular, a morte do específico, é o vazio, que é universal. Você vai dizer agora que o universal também morre? 

K: Sim, é isso que estou tentando dizer. 

DB: Na base. 

K: Isso transmite alguma coisa? 

DB: Possivelmente, sim. 

K: Espere um minuto. Vejamos. Creio que isso transmite algo, não é verdade? 

DB: Sim. Ora, se o particular e o universal morrem, então isso é a morte? 

K: Sim. Afinal de contas, um astrônomo diz que tudo no universo está morrendo, explodindo, morrendo.

DB: Mas, naturalmente, poderíamos supor que havia algo além. 

K: Sim, é exatamente isso. 

DB: Acho que estamos avançando. 0 universal e o particular. Primeiro o particular morre no vazio, e depois vem o universal. 

K: E isso morre também. 

DB: Na base, certo? 

K: Sim. 

DB: Então poderíamos dizer que a base não nasce e nem morre. 

K: Está correto. 

DB: Bem, acho que dizermos que o universal partiu torna-se quase inexprimível, porque a expressão é o universal. 

K: Veja — estou apenas explicando: tudo está morrendo, a não ser aquilo. Isso transmite alguma coisa? 

DB: Sim. Bem, é a partir daquilo que tudo surge, e naquilo que tudo morre. 

K: Então aquilo não tem começo nem fim. 

DB: O que significaria falar sobre o término do universal? O que significaria termos o fim do universal? 

K: Nada. Por que isso deveria ter um significado se está acontecendo? Qual é a relação disso com o homem? Você está acompanhando o que quero dizer? O homem está passando por uma época terrível. Qual é a relação disso com o homem? 

DB: Digamos que o homem sente que ele tem de ter algum contato com a base suprema da sua vida, caso contrário não há significado. 

K: Mas ele não tem. A base não possui qualquer relacionamento com o homem. Ele está se matando, ele está fazendo tudo em oposição à base. 

DB: Sim, é por isso que a vida não tem qualquer significado para o homem. 

K: Sou um homem comum; eu digo, está bem, você falou maravilhosamente a respeito do pôr-do-sol, mas o que tem isso a ver comigo? Isso ou o que você está falando vai me ajudar a superar minha feiúra? Minhas brigas com minha mulher ou seja lá o que for? 

DB: Creio que deveríamos voltar, e dizer que entramos nisso começando logicamente com o sofrimento da humanidade, mostrando que ele se origina de um passo errado, que conduz inevitavelmente .. . 

K: Sim, mas o homem pede: ajude-me a superar o passo errado. Coloque-me de volta no caminho certo; e a isso respondemos: por favor não se transforme em nada. 

DB: Certo. Qual é o problema então? 

K: Ele nem escutará. 

DB: Parece-me, então, que a pessoa que percebe isso precisa descobrir qual é a barreira que impede o homem de escutar. 

K: Obviamente você pode ver qual é a barreira. 

DB: Qual é a barreira? 

K: O "eu". 

DB: Sim, mas eu quero dizer mais profundamente. 

K: Mais profundamente, todos os nossos pensamentos, apegos profundos — tudo que está no nosso caminho. Se não pudermos abandonar essas coisas, então não teremos qualquer relação com aquilo. O homem, porém, não deseja abandoná-las. 

DB: Sim, eu entendo. O que ele quer é o resultado da maneira como ele está pensando. 

K: O que ele quer é um modo confortável, fácil, de viver sem qualquer problema, e ele não pode ter isso.

DB: Não. Somente se abandonar tudo isso. 

K. Tem de haver uma ligação. Deve existir alguma relação com a base e com isso, alguma conexão com o homem comum; caso contrário, qual é o significado de vivermos? 

DB: É isso que eu estava tentando dizer antes. Sem essa relação ... 

K: ... não há significado. 

DB: E então as pessoas inventam o significado. 

K: Naturalmente. 

DB: Mesmo se voltarmos atrás, veremos que as antigas religiões disseram coisas parecidas, que Deus é a base, e, portanto, elas procuram Deus. 

K: Ah, não, isso não é Deus. 

DB: Não, não é Deus, mas está dizendo a mesma coisa. Poderíamos dizer que "deus" é uma tentativa de colocar essa noção de um modo um tanto pessoal demais, talvez. 

K: Sim. Dê-lhes esperança, dê-lhes fé, entende? Torne a vida um pouco mais confortável de ser vivida. 

DB: Bem, você está querendo saber neste ponto: como isso poderá ser transmitido ao homem comum? É essa a sua pergunta? 

K: Mais ou menos; e também é importante que ele escute isso. Você é um cientista. É bom o bastante para escutar porque somos amigos. Quem escutará, porém, entre os outros cientistas? Sinto que se nos dedicarmos a isso, teremos um mundo maravilhosamente bem organizado. 

DB: Sim. E o que faremos nesse mundo? 

K: Viveremos. 

DB: Mas, quero dizer, falamos alguma coisa a respeito da criatividade ... 

K: Sim; e então, se não temos conflito, se não há nenhum "eu", há alguma outra coisa que está atuando. 

DB: Sim, é importante dizer isso, porque a idéia cristã de perfeição parece ser bastante maçante, porque não há nada a fazer! 

K: Devemos continuar esse assunto em alguma outra ocasião, porque isso é algo que tem que ser colocado em órbita. 

DB: Parece impossível. 

K: Fomos bastante longe. 

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2 de abril de 1980, Ojai, Califórnia 55




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