Existe, além do símbolo, além da palavra, algo real, verdadeiro, sagrado?
autoconhecimento

Existe, além do símbolo, além da palavra, algo real, verdadeiro, sagrado?


Talvez valesse a pena perder um pouco de tempo tentando descobrir se a vida tem algum sentido. Não a vida que levamos, pois a vida moderna tem muito pouco significado. Conferimos à vida um sentido intelectual, um significado teórico, cerebral, teológico ou (se nos for permitido usar esse termo) místico; tentamos — como fazem alguns escritores em meio ao desespero de sua existência amargurada — extrair-lhe um significado profundo, inventando uma razão séria, relevante, lógica. E, a mim me parece, que valeria muito a pena, se pudéssemos descobrir por nós mesmos, não racional ou emocionalmente, mas realmente, efetivamente, se existe na vida algo verdadeiramente sagrado. Não as elucubrações mentais que imprimiram um senso de santidade à vida, mas se tal coisa, em verdade, existe. Porque, segundo observamos tanto nas páginas da história como no dia-a-dia, nessa busca, nessa vida que levamos — de negócios, competição, desespero, solidão, ansiedade, destruição, derivado de guerras, de ódios — a vida em si tem muito pouco sentido. Podemos viver setenta anos, despendendo quarenta ou cincoenta dentro de um escritório, às volta com a rotina, o tédio e a solidão, disso tudo que tem muito pouco sentido. Compreendendo isso, tanto no Oriente como aqui, no Ocidente, passamos a dar significado e valor a um símbolo, a uma idéia, a um Deus — que constituem, obviamente, invenções da mente. Propagaram no Oriente que a vida é uma só: não mate; que Deus está presente em todo ser humano: não destrua. Mas, no instante seguinte destroem-se mutuamente por meio de palavras, de atos, de negociatas, de forma que essa idéia de que a vida é única, essa idéia de sacralidade da vida, significa muito pouco.

Também no Ocidente, vendo-se a vida como ela realmente é — a brutalidade, a agressividade, a impiedosa competição da vida cotidiana — passou-se a dar significado a um símbolo. Esses símbolos, sobre os quais se alicerçam todas as religiões, são considerados muito sagrados. Isto é, teólogos, padres, santos que tiveram suas próprias experiências, deram significados à vida e nós nos aferramos a esses significados devido ao nosso desespero, a nossa solidão, a nossa rotina diária, de tão pouco sentido. E se pudéssemos pôr de lado todos os símbolos, todas as imagens, idéias e crenças que construímos ao longo dos séculos e os quais conferimos um senso de sacralidade, se pudéssemos, realmente, nos descondicionar de todas essas estranhas invenções, então teríamos, talvez, condições de perguntar-nos, efetivamente, se existe algo verdadeiro, santificado ou sagrado. Porque é isso que o homem tem procurado no meio de todo esse torvelinho, desespero, senso de culpa e morte. O homem, sob as mais variadas formas, sempre perseguiu essa sensação de que deve existir algo além do transitório, além do fluxo do tempo. Poderíamos dedicar algum tempo a essa probabilidade, tentando descobrir por nós mesmos se tal coisa existe? Não, porém, aquilo que você deseja — Deus, uma idéia ou um símbolo. Podemos, realmente, nos livrar de tudo isso e depois descobrir?

A palavra é apenas um meio de comunicação; a palavra não é a coisa real. A palavra, o símbolo, não é realidade e, quando caímos nas malhas da palavra, fica muito difícil desembaraçar-nos dos símbolos, dos verbetes, das idéias que na verdade impedem a percepção. Embora precisamos servir-nos da palavra, a palavra não é o fato. De forma que, se estivermos conscientes, prevenidos, de que a palavra não é o fato, teremos condições de começar a penetrar, em profundidade, nessa questão. Isto é, o homem, devido a sua solidão e ao seu desespero, sacralizou uma idéia, uma imagem moldada pela mão ou pela mente. Essa imagem veio a tornar-se extraordinariamente importante para cristãos, hindus, budistas, além de outros, que imprimiram a essa imagem o senso de sacralidade. Podemos pô-la de lado — não verbalmente, não teoricamente, mas afastá-la realmente — ver completamente a futilidade de tal procedimento? Estamos, então, em condições de começar a indagar. Mas não há ninguém para responder, porque qualquer pergunta fundamental que façamos a nós mesmos não pode, realmente, ser respondida por ninguém e muito menos por nós mesmos. O que podemos fazer é colocar a questão e deixá-la cozinhar em fogo brando, ferver — e entrar em ebulição. E precisamos ter a capacidade de persegui-la até o fim. O que indagamos é isto: se existe, além do símbolo, além da palavra, algo real, verdadeiro, absolutamente sagrado em si mesmo.

Krishnamurti - Londres, 30 de setembro de 1967





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