autoconhecimento
Não é fácil nadar contra a maré
Aquele que desperta para o fato de que o desafio contemporâneo é um primeiro lugar individual e somente em segundo lugar um desafio social, talvez não, a princípio, capaz de encontrar um meio de afeiçoar a sua vida exterior mais de acordo com o ideal da sua vida. Mas se quiser pesar o que deseja com o que precisa sacrificar para obtê-lo, descobrirá frequentemente que incidiu no erro comum de tomar o ambiente habitual pelo ambiente indispensável. O homem comum não dá tento do quanto é presunçosa a sua concepção, assim como não sabe que a sua presunção oferece resistência à intuição mística do interior e aos ensinamentos da verdade do exterior.
Até há pouco tempo era costumeiro relegar os partidários do misticismo ao asilo da credulidade, da fraude e até da loucura. Num certo número de casos individuais, os críticos estavam perfeitamente justificados em fazê-lo, pois quando o pretenso místico perde o seu curso reto, desvia-se facilmente para uma dessas aberrações. Mas condenar por atacado todo misticismo somente por causa da lamentável situação de uma parte dele, é injusto e constitui, por si mesmo, um método desequilibrado. As pessoas que se intitulam sensatas, normais e práticas em todo o mundo, são na verdade, menos capazes de enfrentar a crise do que algumas das chamadas sonhadoras tolas, anormais e destituídas de espírito prático, e apelidadas de maníacas, fanáticas e excêntricas. E, todavia, isso não é tão estranho, afinal de contas. Quando homens como Jesus, Buda e Sócrates apareceram pela primeira vez, eles e os seus adeptos foram cognominados de maneira semelhante. Eles também foram os hereges do seu tempo, simplesmente porque se recusavam a congelar-se no materialismo autodestrutivo da sociedade convencional.
As pressões sociais podem impedir um homem de viver em conformidade com ideias que as contrariam. Se ele não quiser abandonar a comunidade, terá de abrir mão das suas ideias, modificá-las ou escondê-las. Um ajustamento compulsório dessa natureza não é bom para os seus nervos nem para o seu caráter. É um comentário irônico sobre a natureza da nossa civilização que tanta coisa que é de perene veracidade nas ideias místicas e tão conhecida dos antigos asiáticos, impressione muitos modernos como sendo tão nova, ou porque nunca tenham ouvido falar nela, ou porque, tendo ouvido falar nela, eles a ignoraram completamente.
Ideias estranhas e desconhecidas desse gênero, que colidem com as ideias há muito tempo esposadas pela sociedade ou perturbam as que foram recebidas por convenção, surgem contra a natureza humana, cuja primeira resposta instintiva é contradizê-las. Isto ainda se verifica até quando houve fatos, provas e indícios solidamente estabelecidos. Tal é o poder de um hábito de uma vida inteira e a força de uma opinião preconcebida! O reformador que procura sobrepujá-los escala uma íngreme ladeira. Só os chamados fanáticos e excêntricos se dispõem a ouvi-lo. Os demais que também o ouvem fazem-no malgrado seu, quando têm a mente desesperada ou o corpo quebrado.
Não é agradável nadar contra a corrente da sociedade em nome de um individualismo místico; na verdade, é algo heroico, algumas vezes. A ideia de modificar os hábitos rotineiros e de livrar-se de tendências adquiridas durante toda uma vida, apavora e enfada a maioria das pessoas. Estas se tornaram vítimas dos hábitos que prevaleceram à sua volta e as próprias tendências assumiram existência assim psicológica como física, convertidas em fixações profundamente arraigadas no interior da mente subconsciente. Entretanto, o sofrimento estará à espera dessas vítimas se elas insistirem em permanecer prisioneiras do seu próprio passado cediço e não se acomodarem à concepção diferente agora exigida. Por que haveriam elas de obstinar-se em conservar as condições passadas de pensamento ou os padrões ancestrais de resposta sempre que estes se revelassem incapazes de satisfazer às exigências presentes?
Todo homem se acha, até certo ponto, sob a tutela das massas. A todo momento influem nele sugestões recebidas da multidão. Ele é mais ou menos um escravo — escravo das formalidades sociais, escravo das instituições estabelecidas, escravo de códigos convencionais e escravo da opinião pública. Se bem essa escravidão fosse muito pior em outros tempos, mesmo em nossa época pouca gente pensa, sente e age plena e livremente de acordo apenas com a sua vontade individual. É mais provável que o homem pense, sinta e aja, em grande parte, de acordo com o que tiver sido sugerido por outras pessoas. Daí que ele dificilmente viva a sua própria vida independente ou obedeça ao seu próprio eu interior mas, como toda a gente, vive a vida da multidão. Ainda que alguma parte da sua atitude para com a vida seja inata, a maior parte não o é. É-lhe imposta pela instrução e pelos ensinamentos que recebeu, pelos ambientes cujas influências ele aceita e pelos padrões convencionais a que ele se conforma. Quando uma concepção de mundo é tão amplamente afeiçoada pela sugestão externa, a necessidade de pensar por si mesmo torna-se, ao mesmo tempo, uma virtude primária e um fator necessário da saúde mental.
A multidão humana está emergindo da adolescência e, aqui e ali, semiconscientemente, está-se preparando para a sua maioridade. Novas esferas de experiências estão-se abrindo para ela. Urge que ela aceite parte da responsabilidade de pensar por si mesma, que lhe advém com a aproximação da maturidade. Ela se encontra hoje numa posição intelectual que é muito diferente daquela em que se encontraram todos os seus antepassados. Já não é o simples agarrar-se da criança aos vestidos da autoridade e o acatar cegamente as determinações do seu líder. Ela, hoje, precisa começar a descobrir o seu caminho por si mesma e a compreender por que segue essa determinada direção. A História ingressou numa época em que as massas precisam começar a descobrir por si mesmas e em si mesmas a verdade que, antigamente, lhes era transmitida e, muito adequadamente, era aceita por elas, em cega confiança, de outros homens. Agora é mister que elas se preparem para abandonar esse adolescente depender de outros. O destino já não lhes permitirá que dependam indevidsamente e apenas do amparo da autoridade externa; — elas precisam aprender também a depender da sua própria e crescente inteligência. Uma criança que for sempre carregada pela mãe, desde a infância até a maturidade, nunca aprenderá a caminhar e se tornará, na realidade, fraca demais até para ficar em pé. É forçoso que ela tente e tropece, e até caia, às vezes, antes que os seus membros possam ser usados com eficiência.
Se a vida se tornar exclusivamente autoritária, se o homem da massa se sujeitar a ter todo o seu pensar, todo o seu responder e todo o seu viver levado a cabo por outros, acabará ficando demasiadamente enfraquecido ou debilitado para pensar, responder e agir por conta própria. Pois quando é incapaz de ter ter um pensamento que não tenha recebido de fora, quando não toma uma única decisão sua, mas vive recorrendo aos outros para que a tomem por ele, como poderá crescer? Todos precisam agora começar a libertar-se das sugestões raciais que lhes foram impostas, precisam começar a assumir, por esforço próprio, as suas atitudes individuais para com a vida. Já não é sem tempo que o homem revele, ainda que vagamente, alguns dos atributos da maturidade que aurorece. Precisa começar a colocar de parte a passiva aquiescência irrefletida e tornar-se mais responsável pelas suas próprias crenças e pela sua própria vida.
Uma das primeiras coisas que o estudante de Filosofia descobre como consequência dos seus estudos semânticos é a tremenda influência que a sugestão exerce na vida humana, e um dos primeiros problemas que ele enfrenta é separar os hábitos, os pensamentos e as emoções de outras pessoas dos seus hábitos, pensamentos e emoções. Isso, todavia, é difícil, porque são quase indistinguíveis dos seus — ambos funcionam juntos dentro do seu coração e sobre ele. Ideias e impulsos nascidos dentro dele têm de misturar-se com os de origem externa e até de ser submergidos por eles.
Nenhum professor é realmente indispensável, muito embora todos eles sejam sempre úteis. A Vida e as suas experiências, a Natureza e os seus silêncios, a Reflexão e as suas conclusões, a Meditação e as suas intuições, proverão ao que busca o de que ele necessita. Cumpre-lhe encontrar nas lutas e nas dificuldades da vida um ginásio em que possa exercitar a sua razão e acrescentar a sua capacidade, e não uma desculpa para buscar o conforto de segunda mão de uma sociedade sobre cujos ombros são colocados todos os fardos. Pois ele está aqui essencialmente para revelar as suas próprias faculdades de intuição e inteligência; ele está aqui essencialmente para obter uma compreensão da existência para si e por si mesmo. Além disso, ele deve compreender que as dores e os sofrimentos da vida ajudam a purgá-lo dos seus apegos e a suscitar o seu conhecimento latente de que este mundo do vir-a-ser será sempre imperfeito, de modo que ele possa voltar o o rosto para o mundo do ser que é sempre perfeito.
A evolução, ao mesmo tempo, é um fato tremendo e uma força sempre premente. Impele toda vida para a frente e para cima. Mas esse duplo movimento não pode realizar-se sem ultrapassar e negar os seus estádios anteriores. Por isso mesmo, o homem precisa libertar-se das suas antigas servidões. Precisa começar a procurar em si mesmo, em seus próprios recursos, latentes e maravilhosos, a ajuda de que precisa. Pois tudo isso é o primeiro passo para o passo final, encontrar a divindade dentro de si mesmo, o que, afinal de contas, é o supremo e grandioso objetivo das suas encarnações terrestres.
É necessário, contudo, não incidir em erro aqui. O que se quer dizer é que, enquanto o egoísmo do ego deve agora ser atenuado, a capacidade do ego de julgamento individual, ao mesmo tempo, tem de ser aumentada.
Paul Bunton
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