O pensamento e a deterioração humana
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O pensamento e a deterioração humana


O pensamento é uma coisa do tempo. O pensamento, como dele nos servimos, para livrar-nos de alguma coisa de que não gostamos, está baseado numa ideia — e essa ideia é a continuidade do prazer; por conseguinte, o pensamento diz: “Devo colocar fim à deterioração”. Mas, quando o pensamento intervém para colocar fim à deterioração, o que ele faz é aumentar a confusão.

(...) Vejam, temos o pensamento como o único meio de darmos continuidade ou fim a alguma coisa. E o pensamento é a “reação” do passado, da experiência, na forma de memória. Assim, quando o pensamento intervém para extinguir a deterioração, o que faz é intensifica-la.

(...) Estamos acostumados com o pensamento porque o pensamento é o único instrumento de que dispomos. E percebo que, quando faço uso do pensamento, com suas manhas, suas ideias, suas atividades, sua determinação, suas esquivanças, resistências, fugas — como meio de colocar fim à deterioração, ele só cria desordem, mais deterioração. Por conseguinte, deve haver alguma maneira de deter o pensamento.

Estão me acompanhando? Estou falando muito objetivamente. O que estou dizendo não é nenhuma fantasia oriental ou mística. Não é nenhuma ideia fantástica que o orador deseja lhes impingir. Ele está se referindo a dois fatos: um é a deterioração mental e o outro a necessidade de fazê-la terminar. E está também lhes apontando que nos utilizamos do pensamento neste mesmo sentido, porque o pensamento é tudo o que possuímos. Exercemos o pensamento de muitas e sagazes maneiras, esperando que assim o faremos cessar, pelo fugir, pelo dizer “Eu sou a alma, sou Atman, o EU Superior” — e demais banalidades. Ou fugimos, servindo-nos do pensamento para colocarmos fim à deterioração. E percebo agora claramente, não por dedução lógica, mas como um fato, que, quando o pensamento interfere, de qualquer maneira que seja, o que faz é apenas aumentar a deterioração. Isso, para mim, é uma coisa tão real como aquele rio que ali corre, murmurante e contente. O pensamento, quando desafiado, tem de funcionar clara, racional, lógica, sã, equilibradamente. Mas existe o fato essencial, ou seja, a deterioração humana, em que o pensamento não pode intervir e, quando o faz, torna maior a deterioração. A mente, pois, tem de descobrir como colocar fim ao pensamento; mas isso não significa tornar-se vaga, como que “em branco”, nem mergulhar em alguma fantasia mística, absurda. O pensamento é reação do passado e se baseia numa imagem que é, essencialmente, de prazer e de fuga à dor; e se esse princípio de prazer trata de sustar a deterioração, sua ação só produz mais deterioração. Deve, pois, a mente descobrir, por si própria, como colocar fim ao pensamento, em relação à deterioração. Contudo, o indivíduo deve estar sempre “carregado” de energia, na forma de pensamento, para desempenhar as funções de seu emprego, etc. Assim, não estou a dizer-lhes que devem deter o pensamento no viver de cada dia. O que digo é que o pensamento deve terminar completamente quando se trata de enfrentar o problema fundamental.

A mente, por conseguinte, deve descobrir o que é “estar em silêncio”. Só quando o pensamento termina, há silêncio. Quando estão escutando sem resistência a correnteza daquele rio ou o barulho daqueles meninos a jogar futebol, e não existe aquele “princípio de prazer” como pensamento, estão então escutando em silêncio, não é verdade? Escutem, totalmente, aquele rio. Não resistam, a fim de ouvirem o que o orador está dizendo, que, por ora, é desinteressante. Estão escutando totalmente o rio, por conseguinte, estão atentos com todo o ser de vocês; não há forçar a mente para concentrar-se. E, se vocês se acham totalmente atentos sem resistir, sem forçar, não estão escutando em silêncio total? Para estarmos em silêncio, necessitamos de liberdade; e, para termos liberdade precisamos de espaço interior.

Há, pois, o fato que é a deterioração, e também o fato de que há inumeráveis séculos o homem vem se servindo do pensamento como meio de colocar fim à deterioração — do pensamento, que é vontade, resistência, abstenção, esquivança, fuga. Mas, acabamos de descobrir que o pensamento não extingue a deterioração e, por conseguinte, estamos a interrogar-nos: “É possível a mente tornar-se completamente quieta, totalmente silenciosa?” Porque o silêncio total significa total renovação. A mente está inteiramente tranquila, silenciosa, porém, não em virtude da determinação, do querer, do desejo de prazer e de evitar a dor. É uma serenidade total, de que está ausente o pensamento. O pensamento é produto do tempo e, por conseguinte, essa quietude não é do tempo. E estando a mente tranquila, completamente livre do pensamento, existe dentro dela um espaço imenso, sem nenhum centro criador de espaço.

(...) Para encontrar esse silêncio, a mente precisa ser sensível no mais alto grau, viva, ativa; e, quando ele existe, não há, absolutamente, deterioração.

Mas é necessário compreender que, se esse silêncio existiu alguma vez, a mente anseia pela repetição. A mente, como sabem, está acostumada ao prazer e deseja sempre mais prazer; por conseguinte, ela se domina, se controla, esperando obter assim a continuidade do prazer. A meu ver, o domínio da mente, a concentração controlada é outro fator de deterioração; mas isso não significa que cada um pode fazer o que bem entende, deitar-se no chão a fumar ou tirar os sapatos numa sala de visitas. É necessário compreender, por inteiro, a natureza do controle e por que a mente está constantemente a querer controlar a si própria ou ser controlada; por que deseja empenhar-se numa atividade que a absorva totalmente, ou ocupar-se tão completamente com alguma coisa, com a qual se esqueça de si mesma. É necessário compreendermos tudo isso, para termos a possibilidade de compreender a natureza do controle e da concentração. Se vocês experimentam um momento de silêncio, desejam que ele continue e tratam de atormentarem-se com disciplinas a fim de reavê-lo. Desejamos que toda experiência de prazer continue a intensificar-se, e na esperança de a reavermos, somos capazes de fazer qualquer coisa, como tomar uma droga ou impor a nós mesmos alguma austera, severa disciplina. Mas, esse silêncio não tem continuidade; o que tem continuidade é a atividade egocêntrica do prazer, ditada pelo pensamento.

Esse silêncio, pois, não pode ser cultivado; não pode ser alcançado por meio de nenhum sistema de meditação, de nenhum método ou fórmula. Vocês podem se sentar de pernas cruzadas, respirar de diferentes maneiras, ficar de pé apoiado sobre o dedo do pé, ou qualquer coisa que quiserem fazer, mas nunca o terão; porque esse silêncio exige profunda compreensão da vida e não fuga da vida. Exige uma sensibilidade extraordinária de todo o nosso ser — coração, espírito, corpo. Por conseguinte, a maneira de viver de vocês é de imensa importância — o que comem, tudo se tornar imensamente importante. Enquanto o individuo é escravo da sociedade, enquanto é ávido, invejoso, ambicioso, sequioso de prazer, de prestígio, de posição funcional — enquanto não está livre de tudo isso, não pode haver renovação, frescor, rejuvenescimento, silêncio, liberdade e, deste modo, não pode haver espaço para a criação.

Krishnamurti — O descobrimento do Amor






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