O pensamento é a origem do medo
autoconhecimento

O pensamento é a origem do medo


Desejo falar sobre o medo, porque o medo perverte todos os nossos sentimentos, pensamentos e relações. É o temor que impele a maioria de nós a tornar-nos isso que se chama "espiritual"; e ele que nos impulsiona para as soluções intelectuais que tantos oferecem; é ainda o temor que nos leva a praticar ações estranhas e peculiares. E não sei se já experimentamos em sua realidade, não o sentimento que ocorre antes ou após um certo fato! O medo existe por si só? Ou só há medo em consequência do pensamento no amanhã ou no ontem, no que aconteceu ou poderá acontecer? Existe medo no pre­sente vivo, ativo? Quando vos vedes em presença da coisa que dizeis temer, nesse instante mesmo existe medo?

Para mim, é importantíssima esta questão do medo. Porque, se a mente não estiver total, completa e absolutamente livre do medo em qualquer forma — medo da morte, da opinião pública, da separação, de não ser amado — sabeis quantas variedades existem de medo — se a consciência total não estiver livre do medo, é impossível ir-se muito longe. Uma pessoa pode agitar-se ansiosamente, em todos os sentidos, dentro das clausuras de seu próprio intelecto; mas para se penetrar muito profundamente em si mesmo e ver o que existe lá e além, não deve haver temor de espécie alguma, nem temor da morte, nem da pobreza, nem de não alcançar alguma coisa.

O medo, em virtude de sua própria natureza, inevitavelmente impede a investigação. E, a menos que a mente, que todo o nosso ser esteja livre do medo, não só dos temores conscientes mas também dos profundos, secretos, ocultos temores, de que mal temos consciên­cia — não haverá possibilidade de se descobrir o que existe realmente, o que é verdadeiro, positivo, e se de fato existe aquele senso do subli­me, do imenso, de que o homem vem falando há séculos e séculos.

Creio ser possível estar totalmente livre do medo, não durante um certo período, não ocasionalmente, porém verdadeiramente livre dele, de maneira completa. A experiência desse estado total isento de medo, eis o que desejo examinar junto convosco.

Desejo tornar claro que não estou falando de memória. Não pen­sei de antemão na questão do medo e, portanto, não vim aqui repetir coisa ensaiada; isso seria horrivelmente enfadonho para mim e para vós. Eu também estou investigando. Deve tratar-se sempre de coisa nova, todas as vezes. E espero estejais empreendendo junto comigo a jornada da investigação e não apenas preocupados com vosso medo especial — medo do escuro, do médico, do inferno, da doença, de Deus, do que digam vossos pais, do que diga vossa esposa ou marido, ou uma qualquer das numerosas formas de medo. Estamos investi­gando a natureza do medo e não uma determinada manifestação do medo.

Ora, se examinardes, vereis que só há medo quando o pensa­mento se fixa no dia de ontem ou de hoje, no passado ou no futuro. No verbo ativo não há temor, mas no passado e no futuro do verbo ele sempre existe. Não há medo no presente real; e esta é uma coisa extraordinária para a própria pessoa descobrir. Não existe medo de espécie alguma em face do momento real e vivo, do presente ativo. O pensamento, portanto, é a origem do medo, o pensamento no ama­nhã ou no ontem. A atenção está no presente ativo. O pensamento no que ontem aconteceu, ou poderá acontecer amanhã, é desatenção, e a desatenção gera temor. Não é verdade isso? Quando posso aplicar toda a minha atenção a um dado problema, sem nenhuma reserva, sem rejeitar, sem julgar, avaliar — nesse estado de atenção não há medo. Mas, se há desatenção, isto é, se digo: "Que acontecerá amanhã?", ou se estou todo ocupado com o que ontem aconteceu, aí, sem dúvida, gera-se medo. A atenção é o presente ativo. O medo é o pensamento enredado no tempo. Na presença de algo real, concreto, em presença do perigo, neste momento não existe pensamento, porém ação. E essa ação pode ser positiva ou negativa.

Assim, o pensamento é tempo — não o tempo marcado pelo relógio, mas o tempo psicológico do pensamento. O tempo, por conseguinte, produz medo: tempo como distância daqui até , como processo de "vir a ser algo"; tempo representado pelas coisas que eu disse e fiz ontem, as coisas ocultas que não desejo que ninguém saiba; tempo representado pelo que acontecerá amanhã, pelo que será de mim quando eu morrer.

O pensamento, pois, é tempo. E existe, no presente ativo, tempo e pensamento? Pode-se ver que o medo só existe quando o pensa­mento se "projeta" para diante ou para trás, e que o pensamento resulta do tempo — tempo representado pelo "vir a ser" ou "não vir a ser" algo, tempo como preenchimento ou frustração. Não estamos falando do tempo cronológico; seria evidente desatino dispensá-lo. Estamos falando do tempo como pensamento. Se está claro isto, pas­semos a investigar o que é pensamento e o que é pensar. E espero não estejais apenas ouvindo minhas palavras, mas também prestando atenção ao desafio que elas vos apresentam e reagindo individual­mente. Estou perguntando: "Que é pensar?" Se não conheceis o mecanismo do pensar e não o investigastes muito profundamente, não podeis responder, vossa reação será inadequada. E se é inadequada a reação, haverá conflito, e tentar livrar-se do conflito é fuga ao fato — o fato que desconheceis. No momento em que reconheceis que não podeis responder, que não sabeis, apresenta-se o medo. Não sei se me estais seguindo.

Assim, que é pensar? Evidentemente, pensar é a reação que ocorre entre o "desafio" e a "resposta", não é verdade? Pergunto-vos uma coisa e há um intervalo de tempo antes de responderdes; neste intervalo o pensamento está em ação, procurando a resposta. É bas­tante simples ouvir esta explicação; mas o real experimentar, pela própria pessoa, do processo do pensar, o investigar como o intelecto reage a um "desafio" e qual é o processo de fabricação da resposta, isso requer atenção ativa, pois não? Observai qual é vossa reação à pergunta: "Que é pensar?" Que está ocorrendo? Não sabeis respon­der; nunca investigastes isso; estais aguardando uma resposta de vossa memória. E nessa "demora", no intervalo entre a pergunta e a res­posta, está em ação o processo do pensamento; não é assim? Se vos faço uma pergunta com que estais familiarizado, por exemplo: "Como é vosso nome?", respondeis instantaneamente porque, pela repetição constante, tendes a resposta na ponta da língua. Se a pergunta é um pouco mais séria, ocorre um intervalo de tempo de vários segundos — não é verdade? — durante o qual o intelecto é posto em movimento para procurar na memória a resposta. Se vos fazem uma pergunta mais complexa, maior é o intervalo de tempo, mas o processo é o mesmo — consultar a memória, procurar as palavras apropriadas, achá-las e em seguida responder. Segui isso com vagar, pois é real­mente muito divertido e interessante observar o funcionamento desse processo. Tudo isso faz parte do autoconhecimento.

Pode-se também perguntar, por exemplo, "Quantas milhas há daqui a Nova Iorque?" — pergunta à qual, após consultar a memória, sois obrigado a responder: "Não sei, mas posso verificar". Isso leva mais tempo. E pode-se também fazer uma pergunta que vos obrigue a dizer: "Não sei a resposta"; porém, ao mesmo tempo ficais espe­rando uma resposta, esperando que vo-la digam. Assim, temos a per­gunta familiar e a resposta imediata; a pergunta menos familiar, que exige algum tempo; a coisa de que não tendes certeza, mas que podeis verificar e para isso precisais de tempo; e, por fim, a coisa que não sabeis mas achais que, se esperardes, tereis a resposta.

Agora, se alguém pergunta: "Existe ou não existe Deus?" — que acontece? Nenhuma resposta pode ser encontrada na memória, pode? Embora vos agrade crer, embora vos tenham ensinado a crer, deveis varrer esses disparates. Investigar na memória não dá resul­tado; esperar que vos deem a resposta é inútil, porque ninguém pode dá-la; e o intervalo de tempo para nada serve. Há só o fato no presente ativo, a certeza absoluta de que não sabeis. Esse estado de "não saber" é atenção completa, não? E qualquer outra forma de saber ou de não saber procede do tempo e do pensamento, e é desatenção.

Estais seguindo tudo isso e aprendendo? Aprender, por certo, supõe "não saber". Aprender não é adicionar, acumular. No pro­cesso de acumular, o que se faz é apenas aumentar o conhecimento, que é estático. O aprender é constante variação, mudança, viver.

Sendo assim, que acontece quando estais aprendendo a respeito do medo? Estais investigando o medo, não é verdade? Estais "ata­cando" o medo, não é o medo que vos está atacando. E descobris então que não existe esta coisa: "vós e o medo". Esta divisão não existe. A atenção, pois, é o presente ativo, no qual a mente, o inte­lecto, diz: "Não sei, absolutamente". E nesse estado não existe medo. Mas existe medo quando dizeis: "Não sei, mas espero saber". Eis um ponto essencial que importa compreender. Consideremo-lo de diferente maneira.

Sem dúvida, o medo surge quando buscamos a segurança, exte­rior ou interiormente; quando se aspira a um estado permanente, dura­douro, nas relações, nas coisas mundanas, na confiança, que o saber proporciona, na experiência emocional. E, finalmente, dizemos que existe Deus, absoluta e eternamente permanente, em cujo seio encon­traremos imperturbável paz e segurança para todo o sempre. Cada um está a buscar segurança nesta ou naquela forma, e sabemos como cada um atua — buscando a segurança no amor, na propriedade, na virtude, jurando a si mesmo ser bom, casto. Todos conhecemos os horrores inerentes à busca, secreta ou aberta, da segurança. E isso é medo, porquanto nunca averiguastes se existe segurança. Não o sabeis. Emprego estas palavras para denotar que se trata de um fato que desconheceis absoluta e completamente. Vós não sabeis se Deus existe ou não existe. Não sabeis se haverá ou não outra guerra. Não sabeis o que irá acontecer amanhã. Não sabeis se existe, interior­mente, alguma coisa permanente. Ignorais o que irá suceder em vos­sas relações, com vossa esposa, vosso marido, vossos filhos. Não sa­beis; mas deveis verificar isso, não achais? Deveis descobrir por vós mesmo que ignorais. E esse estado de não saber, esse estado de completa incerteza, não é medo; é a atenção plena, na qual podeis descobrir.

Vê-se, pois, que a totalidade da consciência — a qual inclui o superficial, o consciente, o oculto, e as extremas profundezas dos resí­duos raciais, os "motivos", tudo o que constitui pensamento — vê-se que a totalidade da consciência é, essencialmente, medo. A consciên­cia é tempo, resultado de muitos dias, meses, anos e séculos. Vossa consciência de serdes francês se formou, historicamente, através de muitas gerações de propaganda. O fato de serdes cristão, católico, o que quer que seja, representa dois mil anos de propaganda durante os quais fostes obrigado a crer, a pensar, a funcionar e atuar segundo um certo padrão chamado "cristão". E não ter crença alguma, ser o mesmo que nada parece coisa temível. Assim, a totalidade da consciên­cia é medo. Isto é um fato, e não há concordar ou discordar sobre um fato.

Agora, que acontece quando vos vedes em presença de um fato? Ou tendes opiniões a respeito do fato, ou simplesmente o observais. Se tendes opiniões, juízos, avaliações do fato, então não o estais vendo. E não o vedes porque entra em cena o tempo, pois vossa opinião é produto do tempo, do ontem, de vossos conhecimentos anteriores. O ver realmente está no presente ativo, e nesse ver não existe medo. Isso é um fato real. O experimentar de um fato real é que liberta do medo a consciência total. Espero que não estejais muito cansados e possais experimentar isto, pois não podeis levá-lo para casa para lá refletir a seu respeito. Porque então não tem valor. O que tem valor é enfrentar o fato diretamente, e penetrá-lo. Vereis então que o todo de nosso mecanismo pensante, com seus conhecimentos, suas sutilezas, suas defesas e renúncias — que esse todo constitui o pensamento e é a causa real do temor. E vemos também que, quando há atenção total, não há pensamento; há, só, percepção, o ato de ver.

Havendo atenção, há completa tranquilidade; porque nessa aten­ção não há exclusão. Quando o intelecto pode estar completamente sereno — não adormecido, porém ativo, sensível, vivo, — nesse estado de atenta serenidade não existe medo. Há então uma qualidade de movimento que não é pensamento, absolutamente, que não é senti­mento, emoção ou sentimento. Não é uma visão, nem uma ilusão; é um movimento de qualidade toda diferente, que conduz ao Indenominável, ao Imensurável, à Verdade.

Mas, infelizmente, não estais escutando, experimentando deveras, pois não examinastes isto realmente, não investigastes até este ponto. Por conseguinte, o medo não tardará a precipitar-se novamente sobre vós, qual uma vaga, submergindo-vos. Tendes, portanto, de examinar isto; e no examiná-lo está a solução. Esta é a base; e uma vez lançada a base, nunca mais buscareis, porque toda busca da Realidade se baseia no medo. Libertada do medo a mente, o intelecto, então podereis descobrir.

Krishnamurti — O Passo Decisivo — Cultrix — Pág. 234 à 239





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