O que é mais importante: a vida material ou a espiritual?
autoconhecimento

O que é mais importante: a vida material ou a espiritual?


É necessário diferenciarmos entre a experiência produzida pela crença e o experimentar direto. A crença, obviamente, é prejudicial ao experimentar. É só pelo direto experimentar, e não pela crença, que se pode achar a realidade de qualquer coisa. A crença é desnecessária, ao passo que o experimentar é essencial, acima de tudo num mundo onde existem tantas contradições, tantos especialistas, cada um a preconizar a sua solução própria. Nós, a gente comum, precisamos descobrir a verdade relativa a toda esta confusão e toda esta angústia. E, por isso, faz-se necessário indagarmos se a crença é essencial e se ela nos ajuda a conhecer, a experimentar, a realidade. 

Ora bem, o mundo, como sabemos, está dividido em dois campos: o dos que creem que a vida material é de essencial importância — a existência material da sociedade, a alteração do ambiente, o recondicionamento do homem ao ambiente — e o dos que acreditam ser a vida espiritual de primordial importância. A extrema esquerda crê na modificação e transformação do ambiente; e há os que creem que a vida espiritual do homem é que tem fundamental importância. 

Pois bem: cabe-nos, a vocês e a mim, descobrir a verdade a esse respeito. De acordo com essa verdade, será correta a nossa vida. Os especialistas dizem que o ambiente tem a preferência, e há os que dizem que o espírito tem a preferência, e a vocês e a mim é imperativo descobrir a verdade a tal respeito. Não é questão de crença, uma vez que a crença não tem validade com relação à experiência. A que devemos atribuir importância, ao ambiente ou à vida espiritual? E como iremos, vocês e eu, descobrir a verdade sobre isto? Não será por meio de leituras intermináveis; não será pelo seguirmos os especialistas da esquerda ou da direita; não será pelo seguirmos aqueles que acreditam ser a vida material da sociedade de primordial importância; não será ainda pelo estudo de todos os seus livros, de toda a sua ciência especializada, nem pelo seguirmos aqueles que acreditam na primazia da vida espiritual e todos os seus escritos. A crença, simplesmente, neste ou naquele, não é, por certo, encontrar a verdade contida na questão. 

Todavia, a maioria de nós estamos envolvidos pela crença, estamos incertos. Ora pensamos de um modo, ora de outro. Nunca estamos certos; estamos tão confusos como os especialistas, na sua certeza. Não podemos aceitar nada como certo, não podemos seguir a um ou a outro, porquanto tanto um como o outro nos levam à confusão, visto que a aceitação de qualquer autoridade, em tais questões, é, evidentemente, prejudicial à sociedade. A influência dos guias é um fator de degeneração da sociedade; entretanto, tanto vocês como eu, colhidos que estamos entre os dois campos e sem saber o que fazer, precisamos descobrir qual é a verdade contida na questão, e isso sem nos ajuntarmos a especialista algum. 

E como colocaremos mãos à obra? Senhor, esta é uma das questões fundamentais da atualidade. Há os que aplicam todas as suas energias, todas as suas capacidades, toda a sua força e pensamento à alteração do ambiente, o qual esperam que por fim venha a transformar o indivíduo; e há os que preferem apelar, cada vez mais, para a crença, para a ortodoxia, para a religião organizada, e assim por diante. Esses dois grupos estão em guerra um com o outro, e a nós cabe decidir, não decidir sobre qual partido devemos tomar, já que não se trata de tomar partido, mas precisamos estar certos da verdade relativa a essas coisas. 

Igualmente, não podemos, evidentemente, ficar na dependência de nossos preconceitos, uma vez que estes não nos mostram a verdade a tal respeito. Se você foi "condicionado" num ambiente religioso, dirá que o espírito tem a preferência. Outro, educado diferentemente, dirá que a existência material da sociedade é que tem primordial importância.

Pois bem: como poderemos, vocês e eu, que somos pessoas comuns, que não contamos com acumulados conhecimentos, com teorias, demonstrações, provas históricas — como poderemos descobrir a verdade relativa a tudo isso? Não é esta uma importantíssima questão? Pois de tal descoberta depende a nossa futura responsabilidade de ação. Não é, pois, uma questão de crença; a crença é também uma forma de "condicionamento" e ela não nos ajudará a achar a verdade relativa a questão. 

Assim sendo, para encontrarmos essa verdade, não é necessário, em primeiro lugar, estarmos livres de nossa educação religiosa, bem como de nossa educação materialista? Significa isso que não podemos, meramente aceitar; precisamos estar livres do "condicionamento" que nos faz pensar que a existência material da sociedade tem importância primária, bem como do "condicionamento" que nos faz acreditar que a vida espiritual é de importância básica. Precisamos estar livres das duas coisas, a fim de acharmos a verdade a respeito de ambas. Isso é, sem dúvida, bem evidente, não acham? Para se encontrar a verdade relativa a alguma coisa, é preciso que a examinemos de maneira nova, original, sem preconceito algum. 

Está visto, pois, que, para acharmos a verdade relativa a essas coisas, é necessário que nos libertemos de nosso lastro de ideias e experiência, de nosso ambiente. Será isso possível? Isto é, vivemos somente de pão? Ou existe outro fator, que molde o exterior, o ambiente, em conformidade com nosso estado psicológico? E o encontrar-se a verdade relativa a essa questão é de principal importância para toda pessoa responsável e sincera, porquanto daí depende sua ação, a para achar a verdade, é necessário que o indivíduo estude a si próprio, e que esteja consciente de si mesmo quando em ação. O aspecto material da sociedade tem o papel principal em nossa vida? O ambiente desempenha o papel mais importante em nossa vida? Para a maioria de nós, não há dúvida que sim. É o ambiente que molda os nossos pensamentos e sentimentos? E onde é que começa a chamada vida espiritual, e onde acaba a influência do ambiente? Certamente, para verificá-lo, é necessário que o indivíduo estude as suas próprias ações, seus próprios pensamentos e sentimentos. Em outras palavras, é preciso o autoconhecimento — não o conhecimento que se encontra num livro, que se colhe em várias fontes, mas o conhecimento do viver diário de vocês, dia a dia, momento a momento, o conhecimento do "ego", em qualquer nível que seja encontrado. 

Vemos, pois, que a verdade relativa a essa questão está na compreensão de si mesmos, em relação com o ambiente, em relação com uma ideia, que se chama espírito. É isso? 

Conforme já apreciamos em nossas discussões de ontem e dos dias precedente, a vida é uma questão de relação. O viver, o existir implica relação; e é somente na vida de relação, no compreender a vida de relação, que começamos a descobrir a verdade relativa a esta questão: se a vida material é de primordial importância, ou não. Temos, portanto, de descobrir essa verdade, de entrar em contato com ela, pela compreensão da vida de relação, e não apenas apegando-nos a uma crença. E essa descoberta, essa experiência, nos dará então a realidade contida nessas duas coisas. 

Assim, pois, o autoconhecimento é de importância básica para o descobrimento da verdade, significando isto que o indivíduo precisa estar consciente de cada pensamento e de cada sentimento, e perceber de onde procedem essas reações; e só é possível estar consciente com claridade e amplitude, se não houver condenação nem justificação. Isto é, se estamos conscientes de um pensamento, de um sentimento, e o seguirmos de princípio a fim, sem condenação, poderemos então perceber se se trata de reação ao ambiente ou, simplesmente, de reação a uma exigência material, ou ainda, se o pensamento provém de uma fonte diferente. 

Assim, pelo percebimento sem condenação nem justificação começaremos a compreender a nós mesmos — que somos as várias reações a diferentes estímulos, reações ao ambiente, que significa relações. Por conseguinte, a vida de relação, ou, antes, a compreensão da vida de relação, assume grande importância — nossas relações com a propriedade, nossas relações com as pessoas, nossas relações com ideias — e esse movimento de relações não pode ser compreendido se existe qualquer tendência à condenação ou à justificação. Se desejam compreender uma coisa, é claro que não devem condená-la. Se desejam compreender um filho, cabe a vocês estudá-lo, observá-lo, estudar seus diferentes estados de ânimo, estudá-lo quando brinca, etc. De igual maneira, precisamos estudar a nós mesmos, a todos os momentos, e só podemos estudar a nós mesmos quando não há condenação; mas é extremamente difícil não condenar, porquanto a condenação ou a comparação representa uma fuga do "que é"; e para se estudar o "que é" requer-se uma extraordinária vigilância mental e essa vigilância amortece, quando se deixa prender pela comparação, pela condenação. Condenar não é compreender, estejam certos disso. É tão mais fácil condenar uma criança ou uma pessoa do que compreender tal pessoa! Para se compreender a pessoa, é necessário atenção, interesse. 

Nosso problema, portanto, é a compreensão de nós mesmos, tal como somos, visto que cada um de nós é não só o ambiente, mas algo mais. Esse "algo mais" não resulta de crença. Precisamos descobri-lo, experimenta-lo diretamente, e a crença é um empecilho à direta experiência

Precisamos, pois, considerar a nós mesmos exatamente como somos e estudar a nós mesmos tais como somos; e esse estudo só pode ser feito no estado de relação, e não no isolamento.

Jiddu Krishnamurti — O que te fará feliz? 
23 de janeiro de 1949            





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