O que significa nossa chamada “busca da verdade”?
autoconhecimento

O que significa nossa chamada “busca da verdade”?


Que entendemos com conflito, por contradição? Por que existe contradição em nós? Compreendem o que eu entendo por contradição? — esta luta constante para ser algo diferente do que sou. Sou isto e quero ser aquilo. Essa contradição em nós é um fato, não um dualismo metafísico, sobre o qual não há necessidade de discorrermos. A metafísica nenhum valor tem para a compreensão do que é. Podemos discutir sobre o dualismo, dizer o que ele é, se existe, etc.; mas, que valor tem ele se não sabemos se existe contradição em nós, desejos antagônicos, interesses opostos? Isto é, quero ser bom e não consigo. Essa contradição, essa oposição que existe em nós precisa ser compreendida, porque gera conflito; e no conflito, na luta, não podemos criar individualmente. Vejamos com clareza o estado em que nos encontramos. Há contradição, e por isso tem de haver luta; e a luta é sempre destruição, desperdício. Em tal estado, nada podemos produzir, senão antagonismo, luta, mais amarguras e sofrimentos. Se pudermos compreender perfeitamente esse estado e ficarmos livres da contradição, haverá paz interior, a qual nos trará a mútua compreensão.

O problema, portanto, é este: Visto que o conflito é destrutivo, inútil, por que existe contradição em cada um de nós? Para compreender isso, precisamos ir um pouco mais longe. Por que existem desejos opostos? Não sei se estamos bem conscientes disso — dessa contradição, desse querer e não querer, desse lembrar-nos de uma coisa e querermos esquecê-la, substituí-la por algo novo. Observem bem. É um fato muito simples e muito normal. Nada tem de extraordinário. A verdade é que existe contradição. Mas, como nasce a contradição? Não é importante compreendê-lo? Porque se não fosse a contradição, não haveria conflito, não haveria luta, e o que é seria compreendido sem lhe acrescentarmos um elemento oposto, gerador de conflito. A questão que temos de examinar, portanto, é: Por que existe essa contradição e, consequentemente, essa luta inútil e destrutiva? Que significa contradição? Não implica ela um estado impermanente ao qual se opõe um outro estado impermanente? Isto é, julgo que tenho um desejo permanente. Admito em mim a existência de um desejo, e logo surge outro desejo, que o contradiz; e essa contradição gera conflito, que é desperdício. Isto é, há uma constante negação de um desejo por outro desejo, um interesse que se sobrepõe a outro interesse. Mas existe de fato um desejo permanente? Sem dúvida, todo desejo é impermanente — não metafisicamente, mas de fato. Não deem a isso uma significação metafísica, pensado que assim a compreendem. Na realidade, todo desejo é impermanente. Desejo um emprego. Isto é, penso que um determinado emprego me proporcionará felicidade, e quando o obtenho vejo-me insatisfeito. Quero tornar-me gerente, depois proprietário, etc.; não somente neste mundo, mas também no mundo dito espiritual — o professor quer ser diretor, o ministro quer ser bispo, o discípulo Mestre.

Assim, esse constante “vir a ser”, esse sucessivo passar de um estado para outro, produz contradição, não é verdade? Nessas condições, por que não encarar a vida, não como um desejo permanente, mas como uma série de desejos fugitivos, em constante oposição entre si? A mente, não tem necessidade de permanecer em estado de contradição. Se considero a vida, não como um desejo permanente, mas como uma série de desejos temporários, em constante mutação, não existe contradição... Muito importa compreender que, onde há contradição há sempre conflito, e que o conflito é improdutivo, inútil, quer se trate de uma disputa entre duas pessoas, quer de uma luta interior; como a guerra, ele é totalmente destrutivo.

A contradição, surge apenas quando temos um ponto fixo de desejo, isto é, quando a mente, não considerando todo desejo como uma coisa em movimento, transitória, se apodera de um desejo, atribuindo-lhe permanência: só então, ao surgirem outros desejos, apresenta-se a contradição. Mas todos os desejos estão em constante movimento, não há fixação do desejo. Não há um ponto fixo de desejo; a mente estabelece um ponto fixo, porque se serve de todas as coisas como um meio de ganho; e há de haver contradição, conflito, enquanto houver esse empenho de chegar. Não sei se percebem isso.

É importante compreender, em primeiro lugar, que o conflito é essencialmente destrutivo, quer se trate de conflito comunal, do conflito entre nações, entre ideias, quer do conflito interno do indivíduo. Ele é sempre destrutivo; e essa luta é aproveitada, explorada pelos sacerdotes, pelos políticos. Se percebemos bem isso, se percebemos realmente que toda luta é destrutiva, cabe-nos então descobrir a maneira de colocar fim à luta, isto é, investigar a contradição; a contradição implica sempre o desejo de vir a ser, de ganhar, o desejo de chegar — é isso, afinal de contas o que significa a chamada busca da verdade. Isto é, vocês querem atingir algo, querem alcançar bom êxito, querem encontrar, no final de tudo, um Deus ou a verdade, que passará a ser a permanente satisfação de vocês. Por conseguinte, não estão em busca da verdade, não estão à procura de Deus. Procuram satisfação com uma ideia, uma palavra de som respeitável, tal como Deus, a verdade; mas de fato, cada um de vocês está é em busca de satisfação, e, pondo essa satisfação, no mais alto nível, vocês a chamam Deus: no mais baixo nível ela se chama embriaguez pela bebida. Enquanto o que a mente busca é satisfação, não há muita diferença entre Deus e a bebida... Se desejam realmente encontrar a verdade, devem ser sinceros, ao extremo, e não apenas no nível verbal, mas totalmente; precisam estar extraordinariamente lúcidos, e não podem ter lucidez se se furtam a encarar os fatos. E é isto o que estamos tentando, nestas reuniões: perceber claramente, por nós mesmos o que é. Se não desejam ver, podem ir embora; mas se desejam encontrar a verdade, precisam estar extraordinariamente lúcidos, escrupulosamente lúcidos... Enquanto a mente estiver fixa com uma ideia, com uma crença, haverá contradição na vida; e essa contradição gera antagonismo, confusão, luta, o que significa que não haverá paz.

Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando?





- Sobre O Conflito - Krishnamurti
Pergunta: Por que interiormente, pessoalmente, psicologicamente, nos achamos em tais conflitos? É necessário isso? E é possível viver uma vida inteiramente isenta de conflito, sem nos deixarmos ficar a vegetar, a dormir? (...) Tratamos de fugir a...

- Por Que é Tão Difícil A Solução De Nossos Problemas?
Krishnamurti: Vocês têm uma terrível preocupação de resolver problemas, não é verdade? Eu não a tenho.  Sinto muito. Logo de início eu lhes disse que não me interessava resolver problemas, vem seus, nem meus. Não sou protetor de vocês...

- Onde Há Dependência, Há Contradição E O Conflito
É verdadeiramente extraordinário o descobrirmos diretamente que só há pensar e não há pensador. Porque se vê, então, que se pode viver neste mundo sem contradição, já que se necessita de muito pouca coisa. Se se necessita de muita coisa —...

- Podemos Ficar Livres Do Desejo?
Pergunta: Todas as nossas tribulações parecem provir do desejo, mas podemos ficar livres do desejo? O desejo é inerente à nossa natureza ou é produto da mente? KRISHNAMURTI: Que é "desejo"? E porque separamos o desejo da mente? E quem é a entidade...

- Krishnamurti - A Fuga Do Que É Pela Ilusão Da Busca Pela Verdade
Se nos for possível compreender integralmente o problema do buscar, do procurar, talvez estejamos em condições de compreender o complexo problema da insatisfação e do descontentamento. A maioria de nós está em busca de alguma coisa, em vários...



autoconhecimento








.