O que sois, o governo é
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O que sois, o governo é


            PERGUNTA: Que devemos fazer para termos um governo deveras bom, e não simplesmente o governo “do povo pelo povo”?

            KRISHNAMURTI: Senhores, para terdes um bom governo, deveis em primeiro lugar compreender o que significa “governo”. Não façamos uso de palavras sem “referente”, palavras sem significação, sem algo em que se apóiem. A palavra relógio tem “referente”, mas a expressão “bom governo” não o tem. Para acharmos o seu “referente”, precisamos examinar o que significa “governo” e o que significa “bom”. Mas dizer, simplesmente, o que é um “bom governo” não tem sentido algum.
            Vejamos, pois, em primeiro lugar o que se entende por “bom”. Não estou esmiuçando, não estou procedendo como um estudante discutindo numa união; porque é muito importante descobrirmos o que estamos falando, em vez de fazermos, simplesmente, emprego de palavras que pouca significação têm. Bem sei que nos nutrimos de palavras. Produz impressão dizermos que temos um governo “do povo pelo povo”, e agitarmos a nossa bandeira — bem sabeis como é isso, como ficamos fascinados por palavras, quando os nossos corações e nossas mentes estão vazios. Verifiquemos, pois, o que significa “bom governo”.
            Que significa “bom”? “Bom” tem naturalmente um “referente”, baseado no prazer ou na dor. “Bom” é o que dá prazer, “mau” o que causa dor, quer exterior, quer interiormente (física ou psicologicamente). Isso é um fato. Estamos apreciando o fato, e não o que gostaríeis que ele fosse. Visto que buscais o prazer sob várias formas: segurança, conforto, poder, dinheiro — o fato é que o prazer é o que chamamos “bom”; e qualquer coisa que perturbe o estado de prazer, dizemos que “não é boa”. Não estou discutindo filosoficamente, mas com base na realidade. O prazer é o que desejais. Assim, evidentemente, chamais bom àquilo que vos dá segurança, conforto, posição, poder, garantia. Estais compreendendo? Isto é, um bom governo é aquele órgão que pode dar-vos o que desejais; e se o governo não vos dá o que quereis, tratais de derrubá-lo — se não for um governo totalitário. Mas até mesmo um governo totalitário pode ser destruído, se o povo disser: “Não o queremos”. Entretanto, nos dias de hoje é quase impossível a revolução física, porque os aviões e outras máquinas de guerra sem as quais não é possível, modernamente, uma revolução, estão nas mãos do governo. Assim, “bom” é aquilo que desejais, não é verdade? Senhores, não nos iludamos com palavras sobre o “bem” abstrato e o “mal” abstrato. O fato é que, em vossa vida diária, chamais “bons”, “nobres”, “eficientes”, etc., aqueles que vos dão o que desejais. O que desejais é satisfação, sob diferentes formas, e àquilo que vô-la pode dar, chamais benéfico.
            O governo, portanto, é o órgão que criais com o vosso desejo, não é verdade? Isto é, o governo sois vós mesmos. O que sois, o governo é, — o que é um fato bem evidente no mundo. Detestais um de terminado país e elegeis um governo que apóie o vosso ódio. Tendes inclinações comunalistas, e criais um governo com o vosso ponto de vista comunalista, — o que, mais uma vez, representa um fato bem óbvio, sobre o qual não há necessidade de nos estendermos. Visto que o que sois o governo é, como podeis ter um “bom governo”? Só podeis ter um bom governo quando houverdes transformado a vós mesmos. Do contrário, o governo não passa de mera máquina administrativa, um grupo de pessoas que elegestes para vos darem aquilo que desejais. Dizeis que não desejais a guerra, mas nutris todas as causas geradoras da guerra, como o nacionalismo, o comunalismo, etc. Sendo esta a vossa condição, criais um governo, uma sociedade à vossa imagem e semelhança. E tendo criado esse governo, o governo, por sua vez vos explora. Temos, pois, um círculo vicioso. Só pode haver um governo “bom” — não quero chamá-lo “bom” — só pode haver um governo são, quando fordes sãos. Senhores, não estejais a sorrir. Isso é um fato; não somos sãos, não somos criaturas humanas racionais, puras. Estamos desequilibrados, e por isso os nossos governos são desequilibrados. Será que julgais, senhores, que, vendo o mundo inteiro avassalado pela aterradora catástrofe da guerra e a produção de máquinas de guerra, será que julgais que um homem são não deseja pôr termo a isso? Um homem são procura averiguar quais são as causas a guerra, em vez de dizer: “esta é minha pátria, e eu tenho de defendê-la” — o que é infantil e estúpido.
            Pois bem: uma das causas da guerra é a avidez — a avidez por serdes algo maior do que vós — a qual vos leva a identificar-vos com a nação. Dizeis “sou hinduísta”, sou “budista”, sou “cristão”, sou “russo”, isto ou aquilo. Esta é uma das causas da guerra. E um homem equilibrado diz: “Quero livrar-me dessa insana limitação, que leva sempre à destruição final”. Precisamos primeiro criar sanidade, e não um plano de um governo novo, ou disso que chamais “governo bom”, e para serdes sãos precisais saber o que sois, precisais tomar conhecimento de vós mesmos. Mas isso não vos interessa. O que vos interessa é agitar bandeiras, ouvir discursos ocos, ser estimulados. Tudo isso são sintomas de insanidade, e como podeis esperar um governo são, quando os cidadãos não estão inteiramente despertos, quando só estão semi-vigilantes e desequilibrados?
            Senhores, se estais confusos, vós criareis o chefe confuso e ouvireis a voz desse homem confuso. Se não estais confusos, se estais lúcidos, não esperais que o governo vos diga o que deveis fazer. Porque desejais um governo? Porque, não sabendo amar racionalmente, humanamente, precisais de alguém que vos diga o que deveis fazer; por essa razão multiplicam-se as leis — temos leis e mais leis, determinando o que devemos e o que não devemos fazer. A culpa, portanto, é vossa. Vós sois responsáveis pelo governo que tendes ou ides ter. Porque, a menos que vos transformeis radicalmente, o que sois o vosso governo é. Se tendes uma mentalidade comunalista, criareis um governo igual a vós. E que significa isso? Mais desordem, mais destruição.
            Nessas condições, só haverá uma sociedade sadia, um mundo sadio, quando vós, como parte da sociedade, do mundo, vos libertardes, isto é, vos tornardes sadios. E só haverá sanidade, se abandonardes a autoridade, se vos livrardes do espírito nacionalista, do espírito patriótico, se tratardes os entes humanos como entes humanos, e não como brâmanes ou como indivíduos pertencentes a qualquer outra casta ou nação. E é impossível tratar os entes humanos como entes humanos se lhes dais rótulos, se os designais por um termo, se lhes dais um nome, como “hindú”, “russo”, isso ou aquilo? É muito mais fácil pôr etiquetas nos outros, porque então podemos passar por eles e dar-lhes pontapés, ou lançar bombas sobre a Índia ou o Japão. Mas se não tendes rótulos, e ides ao encontro das pessoas simplesmente como seres humanos, que acontece então? Deveis estar muito despertos, ser muito sensatos, nas vossas relações com outro. Mas como não desejamos fazer isso, criamos um governo acomodado às nossas conveniências.

Krishnamurti – 15 de agosto de 1948 – Novo Avesso à Vida




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