POR QUE NINGUÉM CHOROU A MORTE DE VITOR?
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POR QUE NINGUÉM CHOROU A MORTE DE VITOR?



Um menino de dois anos foi assassinado. Um homem afagou seu rosto. E enfiou uma lâmina no seu pescoço. 

O bebê era um índio do povo Kaingang. Seu nome era Vitor Pinto. Sua família, como outras da aldeia onde ele vivia, havia chegado à cidade para vender artesanato pouco antes do Natal. Ficariam até o Carnaval. 

Abrigavam-se na estação rodoviária de Imbituba, no litoral de Santa Catarina. Era lá que sua mãe o alimentava quando um homem perfurou sua garganta. Era meio-dia de 30 de dezembro. O ano de 2015 estava bem perto do fim.

Já faz mais de uma semana que o horror aconteceu. Traumatizante, inacreditável, devastador. 

Já faz mais de uma semana e é tão absurdo e chocante que é como se nem tivesse acontecido – parece uma lenda bizarra, de extremo mau gosto, uma história de terror doentia, inserida em lugares e épocas escuras e bárbaras. 

O pequeno Vitor de 2 anos, indefeso e frágil, foi assassinado a sangue frio, em pleno colo da mãe (imagem ilustrativa)

Já faz mais de uma semana que um menino de 2 anos, indefeso e frágil, foi assassinado a sangue frio, em pleno colo da mãe, num espaço público, à luz do dia.

E o Brasil não parou para chorar o assassinato de uma criança de dois anos. Os sinos não dobraram por Vitor.

Sua morte sequer virou destaque na imprensa nacional. 

E se fosse um menino branco?  (imagem ilustrativa)

Se fosse meu filho, ou de qualquer mulher branca de classe média, assassinado nessas circunstâncias, haveria manchetes, haveria especialistas analisando a violência, haveria choro e haveria solidariedade. E talvez houvesse até velas e flores no chão da estação rodoviária, como existiu para as vítimas de terrorismo em Paris. 

Mas Vitor era um índio. Um bebê, mas indígena. Pequeno, mas indígena. Vítima, mas indígena. Assassinado, mas indígena. Perfurado, mas indígena. Esse “mas” é o assassino oculto. Esse “mas” é serial killer.

O horror indizível que aconteceu já faz mais de uma semana não foi na Síria torturada pelo Estado Islâmico. Não foi na Nigéria martirizada pelo Boko Haram, nem no Afeganistão açoitado pelos Talibans, nem na Somália destripada pelo Al-Shabaab. O crime estarrecedor aconteceu no Ocidente democrático do século XXI.

O pequeno Vitor, com sua fome de menino de 2 anos, estava sendo amamentado nos braços da mãe, Sônia, quando um passante fez um carinho em seu rosto infantil. Mas eis que, de repente, o afago comovente daquele estranho de mochila e boné se transformou por absurdo em um terror abominável, em forma de lâmina que penetrou afiada e assassina no pescoço da criança, rasgando de modo covarde, brutal, inimaginável, a vida de um menino de 2 anos, a sangue frio, em pleno colo da mãe, num espaço público, à luz do dia.


Índios usaram lenços vermelhos no pescoço para simbolizar o inocente Vitor degolado.

Quase ninguém chorou por Vitor. Quase ninguém se chocou mais que momentaneamente com a morte absurda de Vitor. Quase ninguém foi a público, declarando-se violentado como brasileiro por causa do assassinato estrondoso de Vitor, para exigir um basta.

Vitor Pinto, afinal, era um menino indefeso de 2 anos – mas era índio.

Vitor Pinto estava sendo amamentado pela mãe quando foi selvagemente degolado em seu colo – mas era um índio.


A fotografia que ilustrou as poucas notícias sobre a morte do curumim mostra o chão de cascalho e concreto da estação rodoviária. Um par de sandálias havaianas azul, com motivos infantis. 

Uma garrafa pet, uma estrelinha de brinquedo, daquelas de fazer molde na areia, uma tampa de plástico do que parece ser um baldinho de criança, uma pequena embalagem em formato de tubo, um pano florido amontoado junto à parede, talvez um lençol. É apresentada como “local do crime” ou como “os pertences do menino”.

Os índios precisam ser falsos porque suas terras são verdadeiras – e ricas

Essa foto é um documento histórico. Tanto pelo que nela está quanto pelo que nela não está. Nela permanece o descartável, os objetos de plástico e de pet, os chinelos restados. Nela não está aquele que foi apagado da vida. A ausência é o elemento principal do retrato.

Os indígenas só podem existir no Brasil como gravura.  (imagem ilustrativa)

Os indígenas só podem existir no Brasil como gravura. Apreciados como ilustração de um passado superado, os primeiros habitantes dessa terra, com sua nudez e seus cocares, uma coisa bonita para se pendurar em algumas paredes ou estampar aqueles livros que decoram mesas de centro. Os indígenas têm lugar se estiverem empalhados, ainda que em quadros. 

No presente, sua persistência em existir é considerada inconveniente, de mau gosto. Há vários projetos tramitando no Congresso para escancarar suas terras para a exploração e o “progresso”. 

Há muitos territórios indígenas devidamente reconhecidos que o governo de Dilma Rousseff (PT) não homologa porque neles quer construir grandes obras ou porque teme ferir os interesses do agronegócio. 

Há uma Fundação Nacional do Índio (Funai) em progressivo desmonte, tão fragilizada que com frequência se revela também indecente. No passado, os índios são. No presente, não podem ser.


Indios foram às ruas em Chapecó, cidade de origem do menino Vitor, morto em Imbituba

Como diz o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, os indígenas são especialistas em fim de mundo, já que o mundo deles acabou em 1500. 

Tiveram, porém, o desplante de sobreviver ao apocalipse promovido pelos deuses europeus. Ainda que centenas de milhares tenham sido exterminados, sobreviveram à extinção total. 

E porque sobreviveram continuam sendo mortos. 

Quando não se consegue matá-los, a estratégia é convertê-los em pobres nas periferias das cidades. 


No passado, os índios são alegoria. “Olha, meu filho, como eram valentes os primeiros habitantes desta terra.” No presente, são “entraves ao desenvolvimento”. “Olha, meu filho, como são feios, sujos e preguiçosos esses índios fajutos.” Os índios precisam ser falsos porque suas terras são verdadeiras – e ricas.

Pai da vítima, Arcelino Pinto, mostra o brinquedo que era o favorito do filho

A morte dos curumins não muda nenhuma política, as fotos de sua ausência não comovem milhões

Se Vitor era um entrave, esse entrave foi removido. Por isso essa foto é um documento histórico. Se houvesse alguma honestidade, é ela que deveria estar nas paredes.

“o racismo sobre o povo indígena é histórico”, sublinha o professor Waldir Rampinelli

Parece não bastar que Vitor, um bebê de dois anos, passasse semanas no chão de uma rodoviária porque a violência contra seu povo foi tanta e por tantos séculos e ainda hoje continua que seus pais, Sônia e Arcelino, precisam deixar a aldeia para vender artesanato. 

A preços baixos, porque desvalorizados são os artesãos. É importante perceber o nível de desamparo que leva alguém a considerar rodoviária um lugar seguro e acolhedor. Terminais rodoviários são locais de passagem, e a família de Vitor, assim como a de outros indígenas, abriga-se lá porque há movimento. Rodoviária é lugar de ninguém. E por isso nela costumam caber os mendigos, os meninos de rua, os bêbados, as putas, os loucos, os párias. E os índios. Ou cabiam. E já não cabem mais.


A foto da sua ausência de Vitor não comoverá milhões pelo planeta como aconteceu com o menino sírio trazido pelas ondas do mar. A morte dos curumins não muda nenhuma política.


Sonia e Arcelino: “Vitor chorou só por alguns segundos”

Antes que me acusem de precipitação, exagero ou injustiça, é preciso dizer: os “cidadãos de bem” não querem que crianças indígenas tenham seus pescoços perfurados. De jeito nenhum. Apenas que elas fiquem longe da vista. Em outro lugar em que não contaminem, sujem ou enfeiem. 

Mas também não nas suas terras, se estas forem ricas em minérios, férteis pra soja ou boa pra gado pastar. Aí também é abuso. Desapareçam, apenas. Mas matar, não, matar é maldade.

Para parte dos moradores de cidades da região sul, os indígenas “sujam” o cartão postal.

Vitor, o bebê assassinado, vivia na aldeia Condá, no município de Chapecó, no oeste de Santa Catarina. 

Começamos 2016 como acabamos 2015: obscenos. Os fogos do Ano-Novo já fracassam no artifício.


Quem de fato assassinou Vitor talvez seja investigado, julgado, condenado e punido, o que já é uma raridade em mortes de indígenas no Brasil, marcadas pela impunidade. 


Começamos como acabamos. Nada, portanto, nem começou nem acabou. Quem continua morrendo de assassinato no Brasil, em sua maioria, são os negros, os pobres e os índios. 

Enterro de Vitor Silva: "Queremos Justiça."

E nossa imagem é horrenda. Ela suja de sangue o pequeno corpo de Vitor por quem tão poucos choraram.

Dizem que 2015 é o ano que não acaba. Ou que 2013 é que não chega ao fim.

Para os indígenas é muito mais brutal: o ano de 1500 ainda não terminou.






Fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/04/opinion/1451914981_524536.html
http://pt.aleteia.org/2016/01/07/o-lado-falso-da-historia-de-vitor-o-menino-de-2-anos-assassinado-em-pleno-colo-da-mae-que-o-amamentava/







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