Só é livre o espírito que se mantém inteiramente só
autoconhecimento

Só é livre o espírito que se mantém inteiramente só


Não posso resolver meus problemas econômicos separadamente dos problemas psicológicos sem criar mais problemas ainda. Os problemas, pois, têm de ser resolvidos totalmente e não fragmentariamente. Não posso resolvê-los num determinado setor e passar em seguida a outro setor. Eles demandam solução completa. Como é possível isso? Entendem?

Existe o problema da velhice, da doença, da morte, o problema do sofrimento, do isolamento; temos nossas aflições, torturas, nossos desesperos. Que fazer em face de tudo isso? Se não sabem o que fazer para se livrarem dessas coisas imediatamente, ficaram na dependência do tempo para operar a mudança; quer dizer, continuaram torturados até morrer. Aí está uma pergunta cuja resposta ninguém pode dar-lhes; nenhum livro, nenhum filósofo, nenhum mestre, nenhuma igreja poderá mostrar-lhes o que devem fazer. Se alguém lhes diz e ficam a segui-lo, se perderam, se verão de novo em agitação e conflito. Já que não existe ninguém para dar-lhes a resposta, que ireis fazer?

Numa situação desta natureza, vocês não detêm todas as atividades da mente? Já olharam para todos os lados, já tentaram resolver este problema fundamental, de dez maneiras diferentes, e no entanto continuam em presença dele. Que farão? Por certo, só há agora um único estado mental possível. Visto que não sabem a resposta, visto que não sabem o que fazer, a mente suspende todas as suas atividades. Não sabem o que fazer, mas precisam de achar uma solução. Os livros e todas as demais inutilidades foram lançados fora. Estão em presença desse problema; como vão tratar dele? Sabem que não podem retornar às velhas maneiras. Estão em presença de uma questão positiva, e toda maneira positiva de atuar em relação a ela depende do tempo; por conseguinte, a mente de vocês deve tornar-se de todo negativa. Sabem o que entendo por “maneira positiva” e “maneira negativa”? A maneira positiva é o processo de análise, exame, indagação, de esmiuçar, seguir, destruir; tudo isso já fizeram. Já frequentaram esta ou aquela igreja, seguiram este ou aquele guru, sacerdote, filósofo, já leram certos livros, praticaram determinado sistema; e agora abandonaram inteiramente essa atividade positiva. Por conseguinte, a mente de vocês, em presença desta questão fundamental, se acha num estado de negação, não é verdade? Negação, no sentido de que não está à espera de nenhuma resposta, nem a procurar nenhuma solução.

Tenham a bondade de seguir isto. Se o puderem compreender, se tornarão capazes de resolver todos os seus problemas de um só golpe.

Após investigar, analisar, dar muitas voltas, tentar todas as maneiras positivas, seguir os diferentes caminhos, sem achar resposta, a mente se encontra, toda, num estado de negação. Não está à espera de nenhuma resposta, nem a contar que alguém a dê. Não é exato isso? Pelo amor de Deus, não digam que estão de acordo! Ora, quando a mente se acha num estado de completa negação, vocês podem se abeirar de todos os seus problemas de maneira nova, e ver que podem ser resolvidos total e completamente; porque foi a própria mente que esteve criando o problema. Esteve tratando de cada problema separadamente, fragmentariamente, esperando resolvê-lo dessa maneira. Mas, quando a mente está toda quieta, negativamente vigilante, não tem problemas de espécie alguma. Não pensem que não aparecerão problemas, pois isso é inevitável; mas, tão logo surjam, a mente será capaz de resolvê-los prontamente. Compreendem?

Afinal, que é um problema? Quando há uma crise, um desafio que a mente é incapaz de enfrentar totalmente, é então que se apresenta um problema, não? Há uma inadequada reação ao desafio, a qual faz nascer o problema.

Peço-lhes para que sigam isto, que é muito interessante. Quase todos nós necessitamos de desafios, pois, do contrário, adormeceríamos. Há o Mercado Comum, que De Gaulle está tentando dissolver; isso é um desafio. Os acontecimentos que se estão verificando na Argélia, no Vietnã, etc. são outros tantos desafios, e temos de encontrar a “resposta” adequada. Se não houver uma resposta adequada, então a resposta inadequada criará um problema, precisamente porque é inadequada. Desafios nos são lançados a todas as horas, consciente ou inconscientemente, e, se não fossem eles, quase todos nós estaríamos a dormir. Ou, vemos-nos tão cansados, tão gastos, que não desejamos desafios e deles fugimos, para vivermos num certo mundo mítico por nós mesmos concebido.

Ora, se percebem esse “processo” de desafio e resposta, e percebem a necessidade de manter a mente desperta, verão, então, que a mente pode conservar-se desperta, sem necessidade de nenhum desafio externo. Isso requer intensidade num alto grau; e se conseguirem despertar essa intensidade, não mais necessitarão do desafio procedente de De Gaulle, da Ar­gélia, do Vietnã, da tirania comunista, do que quer que seja; não dependem de nenhum desafio exterior para manterem alertada a mente de vocês, porque veem claramente toda essa questão de “desafio e resposta”, e percebem que a resposta inadequada é que cria o problema. Então a mente, tendo rejeitado o desafio exterior, e achando-se agora infinitamente mais desperta do que jamais esteve, cria seu próprio desafio. Percebem? Esse desafio interior é muito mais importante do que qualquer desafio exterior, porque a mente está sendo agora interpelada por suas próprias dúvidas, sua própria investigação; sua própria energia a está impelindo a interrogar, a olhar. E se a mente conheceu ambos esses tipos de desafio e soube responder ade­quadamente, está então habilitada a manter-se desperta, sem necessidade de desafio algum. Para a mente que é clara e luminosa, não há desafio: ela é o que é. Mas, se meramente dizem: "Alcancei esse estado e ele se tornou parte de minha natureza" — então, parece-me que teremos de voltar ao começo.
A mente que se acha num estado de total negação por ter compreendido todo o "processo” do seguir, do rejeitar, do aceitar, o "processo” da investigação positiva, das asserções positivas — é só essa a mente cuja ação é liberdade, e ela, por conseguinte, nenhum problema tem.

Vejo com surpresa que vocês parecem aceitar tudo o que digo. Talvez não seja bem isso, isto é, não estejam aceitando ou rejeitando, porém — como nunca refletiram nisso — estejam a se perguntar: "Que diabo ele estará dizendo? Como posso viver, agir, existir, sem uma fórmula, sem um conceito, sem um futuro? Como posso atuar sem nenhuma ideia?” Não é isso que estão perguntando? Porque, presentemente, ação de vocês se baseia numa fórmula do que deveriam ser. A ação de vocês se baseia numa técnica ou em experiências várias, que acumularam na forma de lembranças e que se convertem em ação. Pois bem. Este orador lhes diz que, enquanto as ações de vocês resultarem de uma ideia, encontraram contradições e, por conseguinte, sofrimentos e aflições. Entretanto, vocês se limitam a ouvir e aceitar o que digo! Não me dizem: "Mas, espere aí, que devo fazer?” Conheço minha maneira de agir, minha maneira de viver. Estou cônscio de que desejo ser famoso. Se escrevo um livro, sinto-me frustrado se ele não é bem acolhido pelo público. Se você me insulta, fico agarrado a todas as lembranças dessa experiência; e como posso livrar-me delas? De modo idêntico, se você me causa deleite, lisonjeando-me, como resultado disso fico com certas ideias a seu respeito e a atuar em conformidade com elas.

Ora, pode a mente libertar-se da ideia, e, assim, achar-se sempre num estado de ação? Vocês estão percebendo? Em vez de haver primeiro a ideia e depois a ação, pode a mente manter-se num estado de ação completa? Decerto a mente não pode conservar-se num estado de ação completa, a não ser que se encontre num estado de negação.

Afinal, todos desejam viver com sensibilidade e inteligência, o que é a mesma coisa: ser completamente sensível é ser de todo inteligente. E pode uma pessoa ser tão inteligente, na vida, que viva sem conflitos, sem aflições, sem esforço? Sem dúvida, para podermos ser extraordinariamente inteligentes e sensíveis, não deve haver intervalo entre a ideia e a ação. Se há intervalo entre a ideia e a ação, então, nesse intervalo, que é tempo, há conflito e, em consequência, deterioração da energia. Se efetivamente, compreenderem isso, verão que a mente de vocês se achará num estado de completa ação a todas as horas. Sua inação constitui ação total. A mente pode estar ativa e também cônscia de sua inação; mas essa inatividade não é desatenção. A mente só é capaz de viver, de trabalhar, de agir, sem que haja nenhum intervalo entre a ideia e a ação quando compreendeu todo esse processo de criação de problemas por meio da experiência, da inadequada resposta aos desafios, etc., etc. A mente se acha então completamente só — o que nenhuma relação tem, absolutamente, com o isolamento. E apenas é livre o espírito que se mantém inteiramente só.  

Krishnamurti — O descobrimento do amor





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