autoconhecimento
Sobre o estado de consciência do homem plenamente desenvolvido
Um homem plenamente desenvolvido, o que chamo de 'homem no sentido pleno da palavra', deve possuir quatro estados de consciência. O homem comum, isto é, o homem número um, número dois e número três, vive apenas em dois estados de consciência. Ele sabe, ou pelo menos pode saber, da existência do quarto estado de consciência. Todos esses 'estados místicos' e assim por diante são definições inexatas mas, quando se tratam de simulações ou imitações, tornam-se vislumbres do que chamamos de um estado objetivo da consciência.
Mas o home não tem conhecimento do terceiro estado de consciência ou nem mesmo suspeita de sua existência. E nem poderia suspeitar porque se você lhe explicasse o que é o terceiro estado de consciência, ou seja, em que consiste, ele diria que se trata de seu estado habitual. Ele se considera um ser consciente que governa sua própria vida. Os fatos que contradizem isso são, em sua opinião, acidentais ou temporários e mudarão por si mesmos. Ao julgar que possui, por assim dizer, naturalmente a autoconsciência, um homem não tentará, é claro, aproximar-se dela ou obtê-la. E, no entanto, sem a autoconsciência, ou terceiro estado vírgula, o quarto estado, é impossível, salvo em raros vislumbres. O conhecimento, contudo, o conhecimento real objetivo, pelo qual o homem, como ele afirma, tem-se esforçado, só é possível no quarto estado de consciência, ou seja, tem como requisito a plena posse do quarto estado de consciência. O conhecimento que se adquire no estado comum de consciência encontra-se mesclado de sonhos. Temos assim um quadro completo do ser do homem número um, dois e três.
'Consciência' é um termo que, uma vez mais precisa de explicação.
Na vida comum, o conceito de 'consciência' é adotado de um modo bastante simples. Como se tivéssemos uma consciência. Na verdade, o conceito 'consciência', na esfera das emoções, é equivalente ao conceito 'consciência', na esfera do intelecto. E, como não temos a segunda, não temos a primeira.
A consciência, no sentido intelectual, é o estado no qual o homem conhece de repente tudo aquilo que, em geral, ele conhece e no qual pode perceber como ele conhece tão pouco e quantas contradições existem em seu conhecimento.
A consciência, no sentido emocional, é um estado no qual um homem sente de repente tudo aquilo que, em geral, ele sente, ou pode sentir. E como cada indivíduo tem dentro de si milhares de sentimentos contraditórios, que podem variar desde uma compreensão profundamente oculta de sua própria insignificância e medos de todos os tipos até a mais estúpida variedade de presunção, autoconfiança, vaidade e autoelogio, sentir tudo isso simultaneamente seria não só doloroso, mas, literalmente, insuportável.
Se um homem, cujo mundo interior, em sua totalidade, fosse constituído de contradições, sentisse, de súbito e simultaneamente, todas essas contradições dentro de si, se sentisse de repente que ama tudo aquilo que ele odeia e odeia tudo aquilo que ele ama; que mente quando diz a verdade e que diz a verdade quando mente; e se pudesse sentir a vergonha e o horror disso tudo, teríamos então o estado que é chamado de 'consciência'. O homem não pode viver nesse estado; ele precisa ou destruir as contradições ou destruir a consciência. Ele não pode destruir a consciência mas, se não pode destruí-la, pode pô-la a dormir, isto é, pode separar, através de barreiras intransponíveis, um sentimento do eu de um outro sentimento do eu, nunca vê-los juntos, nunca sentir sua incompatibilidade, a absurdidade da existência de um ao lado do outro.
Felizmente, porém, para o homem, isto é, para sua paz e para seu sono, esse estado de consciência é muito raro. Desde a primeira infância, os 'amortecedores' começam a crescer e a tornar-se resistentes dentro dele, tirando-lhe a possibilidade de ver suas contradições internas e, por conseguinte, ele não corre nenhum perigo de um despertar repentino. O despertar só é possível para aqueles que o buscam e o desejam, para aqueles que estão dispostos a lutar consigo mesmos e a trabalhar consigo mesmos durante longo tempo e com muita persistência a fim de alcançá-lo. Para tanto, é necessário destruir os 'amortecedores', ou seja, sair ao encontro de todos aqueles sofrimentos interiores que estão relacionados com as sensações das contradições. Além disso, a própria destruição dos 'amortecedores' requer um trabalho muito longo e o homem tem de estar de acordo com esse trabalho, compreendendo que o resultado de seus trabalho será cada desconforto e sofrimento possíveis do despertar de sua consciência.
A consciência, porém, é o único fogo que pode fundir todos os pós na retorta de vidro que mencionamos anteriormente e criar a unidade que homem necessita naquele estado em que começa a estudar a si mesmo.
O conceito 'consciência' não tem nada em comum com o conceito 'moralidade'.
A consciência é um fenômeno geral e permanente. A consciência é a mesma para todos os homens e a consciência só é possível na ausência dos 'amortecedores'. Do ponto de vista da compreensão das diferentes categorias do homem, podemos dizer que existe a consciência de um homem no qual não há contradições. Essa consciência não é sofrimento; ao contrário, é alegria de um caráter totalmente novo, o qual somos incapazes de compreender. Mas mesmo um despertar momentâneo da consciência em um homem que possui milhares de eus diferentes há de acarretar sofrimento. E se esses momentos de consciência tornaram-se mais longos e se o homem não tiver medo deles mas, ao contrário, cooperar com eles e tentar conservá-los e prolongá-los, um elemento de alegria muito sutil, um antegozo da 'consciência límpida' futura gradualmente se infiltrará nesses momentos.
Gurdjieff em, In Search of the Miraculous, de P.D. Ouspensky
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