autoconhecimento
A erudição e o saber representam um empecilho à compreensão
PERGUNTA: Do que dizeis deduzo claramente que a erudição e o saber são empecilhos. Empecilhos a que?
KRISHNAMURTI: É bem claro que a erudição e o saber representam um empecilho à compreensão do que é novo, do infinito, do eterno. Positivamente, a aquisição de uma técnica perfeita, não nos faz criadores. Podeis saber pintar maravilhosamente, dominar a técnica; mas talvez não sejais um pintor criador. Podeis saber escrever poemas, com a máxima perfeição técnica, mas é possível que não sejais poeta. Ser poeta implica a capacidade de receber coisas novas, ter sensibilidade para o que é novo, original. Mas, para a maioria de nós, o saber, a erudição, se tornou devoção, e julgamos que com o saber seremos criadores. Uma mente abarrotada de fatos e saber é capaz de receber o que é novo, súbito, espontâneo? Se vossa mente está repleta do conhecido, há nela espaço para receber o que vem do desconhecido? Certo, o saber vem-nos sempre do conhecido; e com o conhecido queremos compreender o desconhecido, o imensurável.
Considerai, por exemplo, um fato muito comum, que se dá com a maioria de nós: as pessoas religiosas não importa aqui o significado que possa ter este termo — procuram imaginar Deus ou pensar a respeito do que Ele é. Leram livros incontáveis, leram tudo o que se refere às experiências dos santos, dos Mestres, dos Mahatmas, etc. e procuram imaginar ou sentir aquilo que constitui a experiência de um outro. Isto é, com o que é conhecido quereis aproximar-vos do que é desconhecido. Podeis fazê-lo? Podeis pensar em algo que não seja cognoscível? Só podeis pensar naquilo que conheceis. Mas, no mundo, atualmente, predomina este extraordinário contra-senso: Pensamos que seremos capazes de compreender se tivermos mais instrução, mais livros, mais fatos, mais matéria impressa.
Positivamente, pais o percebimento de algo que não é uma projeção do que é conhecido, é preciso que haja a eliminação, pelo entendimento, do processo do conhecido. Por que razão está a mente sempre apegada ao conhecido? Não é por andar sempre na busca de certeza, de segurança? A sua natureza mesma está fixada no conhecido, no tempo; e como pode uma mente em tais condições, cujos alicerces se assentam no passado, no tempo, ter a experiência do atemporal? Poderá ela conceber, formular, representar-se o desconhecido, mas tudo isso é absurdo. Só pode vir à existência o desconhecido quando o conhecido é compreendido, dissolvido, posto de parte. E isso é extremamente difícil, porquanto no momento em que vos vem a experiência de alguma coisa, a vossa mente a traduz nos termos do conhecido e a reduz ao passado. Não sei se já notastes que toda experiência é logo traduzida no conhecido, nomeada, classificada e registrada. Assim, pois, o movimento do conhecido, constitui o saber. E, evidentemente, um tal saber, uma tal ciência, é um obstáculo.
Suponhamos que nunca tivésseis lido um livro religioso ou psicológico e que tivésseis de achar o sentido, o significado da vida. Como o faríeis? Suponhamos que não houvesse Mestres, nem organizações religiosas, nem Buda, nem Cristo, e tivésseis de partir do começo. Como o faríeis? Primeiramente, teríeis de compreender o processo do vosso pensamento, — não é verdade? — em vez de projetardes a vós mesmos, a vossos pensamentos, no futuro, e de criardes um Deus do vosso agrado; tal seria pueril. Assim, teríeis primeiramente de compreender o processo do vosso pensamento. Esta é por certo a única maneira de se descobrir uma coisa nova, não achais?
Quando dizemos que a erudição ou o saber é um empecilho, não nos referimos ao conhecimento técnico — saber dirigir um automóvel, manejar uma máquina — ou a eficiência proporcionada por um tal conhecimento. Temos em mente coisa muito diversa: aquele sentimento de felicidade criadora que nenhuma soma de saber ou erudição nos pode dar. E ser criador, na mais exata acepção do termo, é estar livre do passado, momento por momento. Porque o passado está continuamente a ensombrar o presente. O estarmos meramente apegados à instrução, às experiências de outros, ao que disse outra pessoa, por maior que seja, e procurarmos ajustar as nossas ações a essas coisas — isso é saber, não é verdade? Mas, para descobrirdes algo novo, precisais alcançá-lo com os vossos próprios recursos; deveis iniciar a viagem completamente desnudos, principalmente de saber. É muito fácil termos experiências, por meio do saber e da crença; mas tais experiências são meros produtos da auto-projeção, e portanto inteiramente falsas e irreais. E se desejais descobrir por vós mesmos aquilo que é novo, é inútil levardes a carga do que é velho, principalmente o saber, o saber de outro, por maior que seja esse outro.
Ora, vós vos servis do saber como meio de autoproteção, de segurança, e desejais garantir-vos a possibilidade de ter experiências iguais às do Buda, do Cristo, ou de X. Mas, o homem que vive a proteger-se com o saber, não está, é claro, à procura da Verdade.
Para o descobrimento da verdade não há caminho algum. Tendes de entrar no mar desconhecido; mas isso não é desanimador, nem exige ousadia. Por certo, quando desejais descobrir uma coisa nova, quando estais experimentando alguma coisa, a vossa mente tem de estar muito quieta. Mas, se tendes a mente atulhada, repleta de fatos, de saber, essas coisas atuam como empecilhos ao que é novo; e a dificuldade consiste para a maioria de nós, em que a mente se tornou tão importante, de tão predominante significação, que intervém constantemente em tudo o que possa ser novo, tudo o que venha a existir simultaneamente com o conhecido. Assim, pois, o saber e a erudição são empecilhos para aqueles que desejam procurar, que desejam compreender aquilo que não é do tempo.
Krishnamurti - Solução para os nossos conflitos
(Conferências, com perguntas e respostas, realizadas em Ojai, Califórnia,
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