A família como fator condicionante e divisor
autoconhecimento

A família como fator condicionante e divisor


Você não pode aprender o amor com o pensamento, nem pode cultivar o amor com o pensamento. Só pode compreender o amor e saber o que significa amar, quando morre para o ciúme, para a estreita esfera da família, quando o pensamento não dita as ações da vida. Quando você ama, pode fazer tudo o que deseja fazer, porque a vida é sem conflito. A mente que é ambiciosa, ávida, invejosa, desejosa de autoridade – essa mente não tem amor, embora fale muito de amor, como os políticos, os gurus, que estão sempre a falar em amor, com o coração vazio, e cheios de conflitos e de ardentes desejos; nunca há um momento em que, dentro deles próprios, tudo esteja morto, e sua mente esteja inteiramente vazia. Só quando a mente está completamente vazia, é possível compreender essa coisa extraordinária chamada “amor”. Quando você diz “amo meu marido, meu filho”, não ama; porque, se o marido ou a mulher lhe vira as costas, sente ciúme, sente cólera, amargor. É isso o que você chama “amor”. O amor não têm apego. E, portanto, amor não significa “amor à família”. (1)

Quase todos vós procedeis de famílias ou de escolas onde fostes educados para respeitar a posição. Vosso pai e vossa mãe têm posição, o diretor tem posição, e, por conseguinte, já vindes para aqui com medo, com esse respeito à posição. Mas, temos de criar na escola uma atmosfera de liberdade, e isso só pode acontecer quando há função sem posição e, por conseguinte, um sentimento de igualdade. O verdadeiro encargo da educação correta é encaminhar-vos para serdes um ente humano valoroso e sensível, um ente humano sem medo e sem falsa idéia do respeito devido à posição. (2) 

Deve haver segurança física para todos, e não apenas para uns poucos; mas essa "segurança física para todos" é negada quando se busca a segurança psicológica, nas nações, nas religiões, na família... O ente humano necessita de segurança física, a qual é negada quando ele busca a segurança psicológica. Isto é um fato, e não uma opinião. Quando busco a segurança em minha família, minha mulher, meus filhos, minha casa, tenho de me opor ao mundo; tenho de separar-me das outras famílias, ficar contra o resto do mundo. (3)

No momento que você protege a sua família, sua pátria, um tecido colorido chamado bandeira, uma crença, uma idéia, um dogma, um objeto de desejo ou aquilo a que já tens apego, essa própria proteção anuncia a raiva. (4) 

(...)Nós não estamos sós. Nós somos o resultado de mil influências, mil condicionamentos, heranças psicológicas, propaganda, cultura. Nós não estamos sós, e portanto somos seres humanos de segunda mão! Quando a pessoa está só, totalmente só, não pertence a nenhuma família, embora tendo uma família, não pertence a nenhuma nação, a nenhuma cultura, não tem nenhum compromisso particular, existe a sensação de ser estranho – estranho a qualquer padrão de pensamento, ação, família, nação. E somente quando a pessoa está completamente só é que é inocente. E é esta a inocência que liberta a mente do sofrimento... Quando o homem se livra da estrutura social da ganância, inveja, ambição, arrogância, acumulação, prestígio social – quando ele mesmo se livra disso, ele se encontra completamente só. Isto é totalmente diferente! Existe então grande beleza, a percepção de grande energia. (5) 

Se lançardes as vistas para o nosso sistema atual, verificareis ser ele nada mais que uma série de explorações astutas do homem pelo homem. A família torna-se o próprio centro de exploração. Peço-vos que não compreendais mal o que entendo por família. Por família entendo o centro que vos faz sentir seguros, que exige a exploração do vosso próximo. A família, que deveria ser a própria expressão do amor e não da exclusividade, torna-se um meio da auto-perpetuação egoísta. Daí desenvolvem-se classes, as superiores e as inferiores; e os meios de adquirir riqueza acumulam-se nas mãos de uns poucos. (6) 

Se você só tivesse uma hora de vida, o que você faria? Você não organizaria tudo o que é necessário, seus negócios, sua vontade e tudo o mais? Você não chamaria junto a sua família e amigos e pediria perdão por qualquer dano que você talvez tenha feito a eles, e perdoaria todo e qualquer dano eles talvez tenham feito a você? Você não morreria completamente para as coisas da mente, para os desejos e para o mundo? E se isso pode ser feito durante uma hora, então também pode ser feito durante todos os dias e anos que se seguem ... Tente e você descobrirá. (7) 

Primeiramente, senhores, não achais também necessária uma revolução radical na vida do indivíduo? Ou estais satisfeitos com as coisas tais como são, com vossas idéias de progresso e evolução, vossos desejos de realizações, vossos anseios é vossos prazeres precários? No momento em que começardes a pensar realmente, a sentir realmente, sereis empolgados desse ardente desejo de modificação profunda, revolução radical, completa reorientação do pensar. Pois bem. Se sentirdes necessária tal coisa, então, nem família, nem amigos constituirão empecilhos Porque, nesse caso, não haverá revolução externa nem revolução interna; haverá, simplesmente, revolução, modificação. Mas, se começais a estabelecer restrições, dizendo: "não devo magoar minha família, meus amigos, meu pároco, meu explorador capitalista ou meu explorador político" - não vedes então a necessidade de mudança radical e apeteceis apenas mudança de ambiente. Isso é evidente letargia, a qual criará outro ambiente falso, fazendo continuar o conflito.

Parece-me um tanto falaz o pretexto de não devermos magoar nossas famílias e amigos. Por certo, quando desejais fazer algo de capital importância, vós o fazeis, sem considerações de família nem de amigos, não é verdade? Não receais, então, prejudicá-los. Isso já não está sob vosso controle: sentis tão intensamente, pensais tão completamente, que sois transportados para fora das limitações dos círculos de família, das obrigações de qualquer classe. Mas só começais a levar em conta a família, os amigos, os ideais, as crenças, as tradições, a ordem estabelecida - só começais a tomá-los em consideração quando ainda vos apegais a uma determinada segurança, quando vos falta aquela riqueza interior de que vos falei há pouco, e, em lugar dela, existe apenas a dependência de estímulos exteriores. Assim, pois, se existe plena consciência do sofrimento, despertada pelo conflito, não estais, então, tolhidos pelos vínculos de qualquer ortodoxia, amigos ou família: quereis achar a causa do sofrimento, quereis descobrir o significado do ambiente que recria esse conflito; apagou-se a personalidade, desapareceu a ideia limitada do "eu". É somente quando vos apegais a essa ideia limitada do "eu", que sois obrigados a considerar até onde vos podeis transportar e até onde não deveis ir.

Certo, não se pode encontrar a verdade, ou essa faculdade divina da compreensão, enquanto estivermos apegados à família, à tradição, ou ao hábito. Ela só poderá encontrar-se quando estiverdes em plena nudez, despidos de vossos desejos, esperanças e cautelas. Nessa simplicidade direta está a riqueza da vida. (8) 

Todos nós estamos colhidos nas malhas do sofrimento e do conflito, mas a maioria dos indivíduos não está consciente desse conflito porque vive a procurar substituições, soluções e refúgios. Se, entretanto, deixarem de procurar refúgio e começarem a interrogar o ambiente, que é a causa do conflito, tornar-se-á, então, a mente penetrante, ativa, inteligente. Nessa intensidade a mente se torna inteligente e capaz, portanto, de discernir o exato valor e significado do ambiente, causador do conflito... se estiverdes em conflito, é claro que deveis interrogar o ambiente, mas a mente da maioria já de tal modo se desvirtuou que não percebe que está à cata de soluções e meios de fuga, com maravilhosas teorias. É perfeito o seu raciocinar, porém, baseado, embora inconsciente, no desejo de fuga... Se há, pois, conflito e desejais descobrir-lhe a causa, deixai que a mente descubra pela intensidade do pensamento e, interrogando tudo o que o ambiente põe em torno de vós – vossa família, vossos semelhantes, vossas religiões, vossas autoridades políticas; no interrogar haverá ação contra o ambiente. Tendes a família, o semelhante, o Estado, e, interrogando o significado dessas coisas, vereis como é espontânea a inteligência, que ela não é coisa que se adquire ou cultive. Lançada a semente do percebimento, nasce a flor da inteligência. (9) 

Procuramos felicidade através das coisas, pelas relações, por meio de pensamentos e idéias. Assim as coisas, as relações e idéias tornam-se todas importantes, e não a Felicidade. Quando se procura felicidade através de alguma coisa, então, a coisa torna-se de valor superior a própria felicidade. Quando apresentado desta forma o problema parece simples e é simples. Procuramos felicidade na propriedade, na família, no nome e então, a propriedade, a família, a idéia torna-se todas importantíssimas, mas sendo a felicidade procurada por um algum meio, o meio destrói o fim. A felicidade pode ser achada por algum meio qualquer, através de qualquer coisa feita pela mão ou pela mente? As coisas, as relações e idéias são claramente não-permanentes, estamos sempre insatisfeitos com elas. As coisas são impermanentes, se acabam e são perdidas; o relacionamento é um constante atrito e a morte é o fim; idéias e convicções não têm nenhuma estabilidade, não são permanentes. Procuramos felicidade nisso e ainda não percebemos sua impermanencia. Portanto, o sofrimento se torna nossa constante companheira superando nosso problema. Para descobrir o verdadeiro sentido da felicidade, temos de explorar o rioa do autoconhecimento. Autoconhecimento não é um fim em si mesmo. Existe a fonte deste rio? Cada gota de água do seu início até o fim é que faz o rio. Imaginar que acharemos felicidade na fonte é um equivoco. Ela se encontra onde você está no rio do autoconhecimento. (10) 

Um homem que tem o propósito de descobrir a verdade deve interiormente ser um completo revolucionário. Não pode pertencer a qualquer classe, nação, grupo ou ideologia, a nenhuma religião organizada, a verdade não está no templo ou na igreja, verdade não se encontra nas coisas feitas pela mão ou pela mente. A verdade surge apenas quando as coisas da mente e da mão são abandonadas, e abandonar as coisas da mente e da mão não é uma questão de tempo. A verdade vem a quem é livre do tempo, quem não usa o tempo como um meio de auto-expansão. Tempo significa memória de ontem, a memória da sua família, da sua raça, do seu caráter particular, do acúmulo de sua experiência que torna-se o “eu” e o “meu”.” (11) 

Com que facilidade destruímos a delicada sensibilidade de nosso ser. A luta e o esforço incessantes, as fugas e os medos ansiosos logo embotam a mente e o coração; e a mente astuta rapidamente encontra substitutos para a sensibilidade da vida. Divertimentos, família, política, crenças e deuses ocupam o lugar da clareza e do amor. A clareza é perdida pelo conhecimento e pela crença, e o amor pelas sensações. (12) 

Se houvesse o amor real, não o amor ideal, sabeis como seria diferente este mundo? Seriamos todos verdadeiramente felizes. E não faríamos, portanto, a nossa felicidade depender das coisas, da família, dos ideais. Seríamos felizes, e, portanto, as coisas, a família, os ideais, não dominariam as nossas vidas. Tudo isso são coisas secundárias. Mas, porque não amamos e porque não somos felizes atribuímos importância às coisas, já que nos darão a felicidade, e uma dessas coisas a que damos importância é Deus. (13) 

Fizemos da vida um campo de batalha: cada família, cada grupo, cada nação contra as demais. Percebendo bem isso, não como idéia, porém como coisa que se está realmente observando, coisa que está à nossa frente, perguntamos a nós mesmos que sentido pode ter esse estado de coisas. Porque continuarmos a viver dessa maneira, nem vivendo nem amando, cheios de medo, cercado de terrores até à morte?

Se formulardes essa pergunta, que fareis? Ela não pode ser respondida pelos que se acham bem estabilizados em seus ideais familiais, suas casas confortáveis, seu dinheirinho, vivendo como pessoas altamente respeitáveis, burguesamente. Quando fazem perguntas, tais pessoas as traduzem em conformidade com suas necessidades individuais de satisfação. Mas, sendo este um problema muito humano, muito comum, um problema que toca a cada um de nós, ricos e pobres, jovens e velhos - porque é que vivemos esta vida tão monótona e sem significação - freqüentando um escritório ou trabalhando num laboratório ou fábrica por quarenta anos seguidos, gerando filhos educando-os de maneira absurda e, no fim, morrendo? Acho que deveis fazer esta pergunta com todo o vosso ser, a fim de descobrirdes a resposta. E então se pode fazer a pergunta subseqüente: se os entes humanos podem mesmo mudar radicalmente, fundamentalmente, e, assim, olhar o mundo de maneira nova, com olhos diferentes, com um coração novo, não mais repleto de ódio, de antagonismo, de preconceitos raciais; com uma mente perfeitamente clara, dotada de tremenda energia.

Vendo-se tudo isso - as guerras, as absurdas divisões criadas pelas religiões, a separação entre o indivíduo e a comunidade, a família oposta ao resto do mundo, cada (ente humano apegado a seu peculiar ideal, separando-se como "eu" e "vós", "nós" e "eles" - vendo-se tudo isso, tanto objetiva como psicologicamente, resta uma única questão, um único problema fundamental, ou seja se a mente humana, tão fortemente condicionada que está, pode mudar não em alguma encarnação futura, não no fim da vida, porem mudar radicalmente agora mesmo, de modo que se torne nova, revigorada, juvenil, inocente, livre de todas as cargas, e saibamos, assim, o que significa amar e viver em paz. Este me parece ser o único problema. Resolvido ele, todos os outros problemas, econômicos ou sociais, todos os fatores que conduzem à guerra, terminarão e haverá uma diferente estrutura social. (14) 

Pergunta: A família é o arcabouço do nosso amor e da nossa avidez, do nosso egoísmo e da nossa divisão. Que lugar tem ela?

Krishnamurti: A vida é uma coisa viva, uma coisa dinâmica, ativa, não podeis encerrá-la num arcabouço. São os intelectuais que põem a vida num molde (…) Em primeiro lugar, temos o fato de nossas relações com os outros, uma esposa, um marido ou um filho — as relações a que chamamos família. (15) 

Pois bem, que é isso a que chamamos família? Trata-se, obviamente, de uma relação de intimidade, de comunhão. Ora, em vossa família, em vossas relações com vossa esposa, vosso marido, há comunhão? (…) Relação significa comunhão sem temor, liberdade de mútua compreensão, de comunhão direta. (16) 

Estais em comunhão com vossa esposa? Talvez estejais, fisicamente, mas isso não é relação. Vós e vossa esposa viveis dos lados opostos de uma muralha de isolamento (…) Tendes os vossos alvos e ambições próprios e ela os seus. (17) 

Ora, se existem relações reais entre duas pessoas, o que significa que existe comunhão entre elas, o que isso implica é de extraordinária significação. Porque então não há isolamento, há amor, e não responsabilidade ou dever. Um homem que ama, porém, não fala de responsabilidade — ele ama. Por isso partilha com alguém a sua alegria, a sua tristeza, o seu dinheiro. (18)

Então, senhores, não é isso que está acontecendo? Em nossas famílias o que há é isolamento, e não comunhão; logo, não há amor. Amor e sexo são duas coisas diferentes (…) Se tivésseis interesse pelo próximo, se estivésseis em real comunhão com vossa esposa, com vosso marido, o mundo não estaria nesta desgraça. (19) 

Como, então, quebrar esse isolamento? Para quebrarmos esse isolamento, precisamos estar cônscios dele (…) Tomai nota da maneira como tratais vossa esposa, vosso marido, vossos filhos; notai a insensibilidade, a brutalidade, as asserções tradicionais, a falsa educação (…) E, por não saberdes amar vossa esposa, vosso marido, não sabeis amar a Deus. (20)

A família é um processo de identificação particularista; e quando a sociedade está baseada nessa ideia da família como unidade exclusiva, em oposição a outras (…), tal sociedade (…) há de produzir violência. (21)

Usamos a família como meio de segurança para nós mesmos. (…) Essa exclusão é chamada “amor”, e, nesse chamado estado de família ou de matrimônio, existe realmente amor? (…) Não estamos considerando o ideal do que ela deveria ser, mas (…) tal como a conhecemos. (22)

Entendeis por “família”, vossa esposa e vossos filhos (…) É uma unidade (…), e nessa unidade sois vós quem tem importância — não a vossa esposa, nem os vossos filhos ou a sociedade — mas somente vós, que estais em busca de segurança, de nome, de posição, de poder, tanto na família como fora dela. (23)

Dominais a vossa esposa, e ela vos é subserviente; vós ganhais e gastais o dinheiro, ela é vossa cozinheira e a progenitora dos vossos filhos. Criais, assim, a família, que é uma unidade exclusiva (…) Por conseguinte, não pode haver reforma do coletivo enquanto vós, como indivíduo, fordes exclusivista e buscardes o auto-isolamento em cada uma de vossas ações, limitando o vosso interesse a vós mesmos. (24)

Ora, esse processo de exclusão não é, por certo, amor. O amor não é criação da mente. O amor não é pessoal (…) O amor é algo que não pode ser compreendido enquanto existir o pensamento, que é exclusivista. O pensamento, que é reação da mente, nunca pode compreender o que é amor; o pensamento é invariavelmente exclusivista, separatista. (25) 

A família, como a conhecemos, (…) é exclusivista, é um processo de engrandecimento do “eu”, que é resultado do pensamento; (…) Dizemos que amamos a verdade, (…) a esposa, o esposo, os filhos; mas essa palavra está rodeada pelo fumo do ciúme, da inveja, da opressão, da dominação. (26)

Pergunta: Você é contra a instituição da família?

Krishnamurti: Sou, se a família for o centro de exploração, se estiver baseada na exploração. (Aplauso) Por favor, o que adianta simplesmente concordarem comigo? Têm que agir para alterar isto. Este desejo de perpetuação cria a família que se torna o centro de exploração. Portanto a pergunta é na realidade, pode-se alguma vez viver sem explorar? Não se a vida familiar está certa ou errada, não se ter filhos está certo ou errado, mas se a família, as posses, o poder, não são o resultado do desejo de segurança, de auto-perpetuação. Enquanto existir este desejo, a família torna-se o centro de exploração. Podemos alguma vez viver sem exploração? Eu digo que podemos. Tem que existir exploração enquanto houver esta luta pela auto-proteção; enquanto a mente procurar segurança, conforto, através da família, da religião, da autoridade ou da tradição, tem que existir exploração. E a exploração só cessa quando a mente discernir a falsidade da segurança e já não estiver enredada pelo seu próprio poder de criar ilusões. Se experimentarem com o que digo, compreenderão então que não estou a destruir o desejo, mas que podem viver neste mundo de uma maneira rica e sensata, uma vida sem limitações, sem sofrimento. Só podem descobrir isto experimentando, não negando, não através da resignação nem simplesmente imitando. Onde funciona a inteligência – e a inteligência cessa de funcionar quando há medo e o desejo de segurança – não pode haver exploração. (27)

Sabe, de fato não temos amor – essa é uma coisa terrível de se perceber. De fato não temos amor; temos sentimento; temos emocionalismo, sensualidade, sexualidade, temos lembranças de alguma coisa que pensamos que era amor. Mas de fato, brutalmente, não temos amor. Porque ter amor significa não ter violência, nem medo, nem competição, nem ambição. Se você teve amor, nunca dirá, “Esta é minha família.” Você pode ter uma família e lhe dar o melhor que pode; mas ela não será “sua família” que está em oposição ao mundo. Se você ama, se existe amor, existe paz. Se você amasse, educaria seu filho não para ser nacionalista, não para ter apenas uma profissão técnica e tratar apenas de seus pequenos assuntos; você não teria nacionalidade. Não haveria divisões de religião, se você amasse. Mas como essas coisas de fato existem – não teoricamente, mas brutalmente – este mundo hediondo, mostra que você não tem amor. Mesmo o amor da mãe por seu filho não é amor. Se a mãe realmente amasse seu filho, você acha que o mundo seria assim? Ela cuidaria que ele tivesse o alimento correto, a educação correta, que fosse sensível, que apreciasse a beleza, que não fosse ambicioso, ganancioso, invejoso. Então a mãe, conquanto ela possa pensar que ama seu filho, não ama. Então não temos esse amor. (28)

Pergunta: — Você disse ontem que se a pessoa se pudesse libertar do círculo de que se rodeia a família, aconteceria uma coisa extraordinária. Gostaria muito de compreender isso.

Krishnamurti: — Antes de mais, cada pessoa estará consciente — não verbalmente — de que há um muro à roda de si mesma? Cada um de nós tem um muro à sua volta, um muro de resistência, de medo e ansiedade — é o "eu" construído à minha volta a fazer essa barreira; é este  "eu" na família, cada membro da qual está também rodeado pelo seu próprio muro. Depois, é toda a família, com uma parede à sua volta, e o mesmo acontece com a comunidade e a sociedade. Ora, estaremos nós conscientes disso? Não temos nós o sentimento de que, vivendo neste mundo, isso é necessário, de outro modo o  "eu" seria destruído, assim como a família? Desse modo, mantemos o muro, como a coisa mais sagrada. Ora, se tomarmos consciência disso, que acontece? Se fizermos desaparecer completamente esse muro à volta de cada um, à volta da família, será que a família acaba? Que acontece então à competição entre o  "eu",  a família, e o resto do mundo?

Sabemos muito bem o que se passa quando há um muro — há então resistência, conflito, luta e sofrimento constantes, porque qualquer movimento separativo, qualquer atividade egocêntrica, gera de fato conflito e sofrimento. Quando se tem consciência de toda a natureza e estrutura deste círculo, deste muro, e se compreende como ele surge isto é, quando há um percebimento imediato de tudo isto — que sucede então? Quando fazemos desaparecer a divisão entre o  "eu"  e o  "tu" , o  "nós"  e o  "eles" , que acontece? Só então e não antes, se pode talvez usar a palavra amor. E o amor é que é essa coisa absolutamente extraordinária que acontece quando não há  "eu", como o seu círculo com o seu muro. (29)

A família não é um grupo autônomo, em oposição à sociedade?  Ela não é o centro de irradiação de todas as atividades, não constitui uma relação que exclui e domina todas as outras formas de relação? Não é uma entidade geradora de divisão, de separação, do superior e do inferior, do poderoso e do fraco? A família, como sistema, existe para resistir ao todo; cada família está em oposição às outras famílias, aos outros grupos. A família, com suas propriedades, seus bens, não é uma das causas da guerra?... A família, como hoje existe, é uma unidade, um centro de relações limitadas, egocêntricas e "exclusivas". Muitos reformadores e desses chamados revolucionários têm procurado eliminar esse espírito "exclusivo" da família, gerador de atividades anti-sociais de toda ordem. Entretanto, ela é um centro de estabilidade, em oposição à insegurança, e a presente estrutura social, no mundo inteiro, não pode existir sem essa segurança. A família não é uma mera unidade econômica, e é bem evidente que todo o esforço para resolver o problema desse nível, está fadado a falhar. O desejo de segurança não é apenas de natureza econômica, porém muito mais profundo e complexo. Se o homem destruir a família, encontrará outras formas de segurança, dadas pelo estado, pela coletividade, pela crença, etc. etc.; e qualquer dessas coisas gera, por sua vez, os seus problemas próprios. Temos de compreender o nosso desejo de segurança interior, psicológica, e não cuidar apenas de substituir um padrão de segurança por outro.

O problema, pois, não é a família, mas o desejo de estar em segurança. O desejo de segurança, em qualquer nível que seja, não é "exclusivo"? Esse espírito de exclusão se manifesta na família, na propriedade, no Estado, na religião, etc. Esse desejo de segurança interior não constrói formas exteriores de segurança sempre "exclusivas"? O próprio desejo de estar em segurança, destrói a segurança. A "exclusão", a separação, tem de acarretar, inevitavelmente, a desintegração, o nacionalismo; o antagonismo de classe e a guerra são os seus sintomas. A família como meio de segurança interior é uma fonte de desordens e catástrofes sociais... Compreendei, por favor, a verdade a esse respeito. É só quando não buscamos segurança interior, que podemos viver em segurança, exteriormente. Enquanto a família for um centro de segurança, haverá a desintegração social; enquanto a família servir de meio para um fim autoprotetório, terá de haver conflito e sofrimentos... Enquanto eu faço uso de vós ou de outro, para a minha própria segurança interior, psicológica, tenho de ser "exclusivo"; Eu sou importantíssimo, Eu tenho a máxima significação; esta é minha família, minha propriedade. As relações utilitárias estão baseadas na violência. A família como meio de mútua segurança interior é um fator de conflito e confusão... Fazer uso do outro como meio de satisfação e segurança, não é amor. O amor nunca é segurança; o amor é um estado em que não existe desejo de estar em segurança; é um estado de vulnerabilidade é o único estado em que a "exclusão", a inimizade e o ódio são impossíveis. Nesse estado, uma família pode tornar-se existente, mas não será "exclusiva", egocêntrica.

(...) É bom estarmos cônscios dos movimentos do nosso próprio pensar. O desejo interior de segurança se expressa exteriormente pela "exclusão" e a violência, e enquanto o seu "processo" não for perfeitamente compreendido não poderá haver amor. O amor não é um refúgio diferente, na busca de segurança. O desejo de segurança tem de cessar completamente, para que o amor possa vir. O amor não é uma coisa que possamos fazer surgir mediante compulsão. Qualquer forma de compulsão, em qualquer nível, é a negação mesma do amor. Um revolucionário com uma ideologia, não é revolucionário nenhum apenas oferece um substituto, uma segurança de qualidade diferente, uma nova esperança; e esperança é morte.  Só o amor pode promover uma revolução ou uma transformação radical nas relações; e o amor não é produto da mente. O pensamento pode planear e formular as mais estupendas e promissoras estruturas, mas, o pensamento só pode levar a mais conflito, confusão e miséria. O amor existe quando a mente astuciosa, a mente egocêntrica, não mais existe. (30)

Fonte das citações:

(1) Uma Nova Maneira de Agir - Cultrix
(2) A Cultura e o Problema Humano - Ed. Cultrix
(3) O vôo da águia - ICK - Amsterdã - 3/5/1969
(4) Liberte-se do Passado
(5) O Livro da Vida
(6) Krishnamurti no Chile e no México em 1935 - ICK
(7) Krishnamurti - sem citação da fonte - material da Net
(8) A Luta do Homem - Suas causas seus efeitos seu fim - ICK - Ojaí, Califórnia, USA, 1938
(9) A Luta do Homem
(10) O Livro da Vida
(11) O Livro da Vida
(12) Krishnamurti - sem citação da fonte - material da Net
(13) Uma Nova Maneira de Viver - 23 de novembro de 1947
(14) O vôo da águia - ICK - Amsterdã - 3/5/1969
(15) Novo Acesso à Vida, p. 40-41
(16) Novo Acesso à Vida, p. 41
(17) Novo Acesso à Vida, p. 41
(18) Novo Acesso à vida, p. 42
(19) Novo Acesso à vida, p. 42-43
(20) Novo Acesso à vida, p. 43
(21) Que Estamos Buscando?, 1ª ed., p. 248
(22) Que Estamos Buscando?, 1ª ed., p. 248
(23) Que Estamos Buscando?, 1ª ed., p. 248-249
(24) Que Estamos Buscando?, 1ª ed., p. 249
(25) Que Estamos Buscando?, p. 249
(26) Que Estamos Buscando?, p. 249-250
(27) Sobre a ação correta
(28) The Collected Works, Vol. XV Varanasi 5th Public Talk 28th November 1964
(29) O Mundo Somos Nós – Horizonte Pedagógico
(30) Reflexões sobre a vida - pág.124 à 126




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