autoconhecimento
A importância de compreender o "processo" total do "eu"
ESTOU bem certo de que a maioria de nós sente a necessidade de uma revolução fundamental, num mundo em que se vê tanto caos, tanta miséria e fome, e perene ameaça de guerra. Sentimos necessária uma certa mudança das coisas, e cada grupo tem sua especial panaceia ou método, para pôr fim às misérias do mundo. Os comunistas têm o seu padrão, os capitalistas o seu, e os indivíduos chamados religiosos têm também o seu. Tão interessados, que estamos, em produzir esta transformação, obviamente necessária, ingressamos num ou noutro desses diferentes grupos e, por isso, acho importante descobrirmos o que se entende por transformação — não a mudança resultante da mera ação exterior, legislativa, porém uma transformação muito mais profunda, mais radical. É fácil ver que toda mudança promovida de acordo com um plano preconcebido, torna necessária uma entidade administrativa, para levar a efeito o plano, e que a autoridade de que deve revestir-se uma tal entidade se torna invariavelmente tirânica; isto é o que, de fato, está acontecendo no mundo. Existe a tirania da autoridade bem organizada, nas mãos de uns poucos, ou a tirania de determinada religião, ou tirania da autoridade conferida a uma certa seção da sociedade. Em vista de tudo isso, vós e eu, as pessoas comuns, desejamos produzir uma mudança para melhor, de modo que a humanidade possa ter, em todas as partes, alimentação adequada, roupas, moradia, educação mais completa, etc.
Ora, como disse, é importante averiguar o que entendemos por "transformação". Para a maioria de nós, transformação significa "continuidade modificada" do que já existia, não é verdade? Embora os chamados revolucionários desejem promover uma transformação radical na sociedade, a sua atitude, os seus valores, os seus conceitos e fórmulas, tudo está baseado no passado, na reação do "conhecido". E toda mudança nascida dessa fonte, é mera continuidade do que já existia, um tanto ou quanto modificada. Eles poderão não começar dessa maneira, mas no fim o que resulta é isso, e isso, para mim, não é transformação, absolutamente. A transformação significa algo completamente diferente e eu gostaria, se me permitis, de examinar bem esta questão.
Reconhecemos necessária uma transformação fundamental em nossa maneira de pensar, uma radical transformação da mente e do coração do homem. Mas esta extraordinária transformação não está realizada se fazemos continuar o que já existia, sob forma modificada. Tampouco pode essa radical revolução da mente operar-se por meio da educação, como hoje a conhecemos. Porque, isto que atualmente chamamos "educação", consiste apenas em aprender uma determinada técnica, para cada um poder ganhar o próprio sustento e ajustar-se ao padrão imposto pela sociedade.
Em vista disto, por onde devemos começar? Onde começar, para realizar esta transformação fundamental da ordem social, que se torna tão obviamente necessária? Por certo, o problema individual é o problema mundial. A sociedade é tal como nós mesmos a fizemos. Há os que têm e os que não têm; os que sabem e os ignorantes; os que preenchem suas ambições e os que se vêm frustrados. Existem as várias religiões com suas cerimônias e crenças dogmáticas, e a batalha interminável no seio da sociedade, a perene competição entre todos, para ganhar, "vir a ser" alguma coisa. Tudo isso fomos vós e eu que criamos. Reformas sociais podem ser introduzidas por meio da legislação ou por meio da tirania; mas se não houver uma radical transformação do indivíduo, este superará sempre o novo padrão, adaptando-o às próprias exigências psicológicas.
Assim sendo, parece-me de grande importância compreender o "processo" total da individualidade. Porque, só quando o indivíduo se transforma radicalmente, pode haver uma revolução fundamental na sociedade. É sempre o indivíduo e nunca a coletividade, que pode produzir uma mudança radical no mundo — e isto é um fato histórico.
Ora bem, pode o indivíduo — vós e eu — transformar-se radicalmente? Esta transformação do indivíduo — mas não operada de acordo com um padrão — é o que nos interessa e é, para mim, a mais elevada forma de educação. É a transformação do indivíduo que constitui a verdadeira religião, e não a mera aceitação de um dogma, uma crença, pois isto não é religião nenhuma. A mente que está condicionada segundo um certo padrão a que chama religião — hinduísta, cristã, budista, ou outra — não é uma mente religiosa, por mais que pratique todos os chamados ideais religiosos.
Assim sendo, podemos nós — vos e eu — promover uma radical transformação em nós mesmos, sem compulsão, e sem "motivo" algum? Toda forma de compulsão é atividade egocêntrica, que perverte a mente, e o "motivo" está sempre baseado no processo do "eu", do "ego". E é possível realizar uma transformação radical em cada um de nós, sem "motivo" e sem compulsão? Penso que esta é uma questão que exige muita reflexão, investigação, e não podemos "despachá-la" tão facilmente, dizendo que tal transformação é possível ou impossível. Todo homem verdadeiramente sério deve investigar profundamente este problema de sua própria transformação interior. Esta transformação interior, por certo, não pode ser feita de acordo com nenhum padrão, nenhum conceito religioso, sendo possível unicamente por meio do autoconhecimento. Isto é, se não conheço a totalidade de minha consciência, a totalidade de meu ser, qualquer ideal, fórmula, conceito ou crença que eu tenha, não passa de mero desejo, mera ideia, sem base alguma e portanto sem realidade. Se não há autoconhecimento, isto é, se não começo por conhecer a mim mesmo, completamente, toda e qualquer atividade que eu empreenda, há de ser destrutiva e causadora de maiores danos. Assim, pois, o homem que é verdadeiramente sério, que se preocupa realmente a respeito do caos e das misérias do mundo, não deve reconhecer de vital importância a compreensão do processo total de si mesmo?
Ora, que é autoconhecimento? O autoconhecimento não se realiza de acordo com um livro, não se adquire seguindo-se a autoridade de quem quer que seja. As operações de meu pensamento têm de ser descobertas e só posso descobri-las nas relações; porque as relações são um espelho em que posso ver a mim mesmo, não teoricamente, porém exatamente como sou. Não há dúvida que é nas relações com minha mulher, meus filhos, meu vizinho, meus criados, meu patrão, com a sociedade em geral, que descubro a mim mesmo, tal como sou. Porque, nesse espelho das relações, posso enxergar as minhas superstições, meus juízos, meus hábitos de pensamento, as tradições que estou seguindo, os valores comparativos que atribuo às experiências e às coisas.
O que em geral acontece é que aquilo que vemos no espelho das relações, nos agrada ou desagrada e, por isso, ou o aceitamos ou o condenamos. Mas só é possível descobrir as operações do pensamento, os "motivos" e desejos ocultos, as reações de uma mente condicionada por determinada sociedade, quando nos contemplamos nesse espelho sem espírito de condenação ou comparação, sem julgamento. Só então a mente — tanto consciente como inconsciente — está libertada de sua escravidão e, assim, talvez, capacitada para ultrapassar as suas próprias limitações. Isto, em verdade, é meditação.
A verdadeira religião é a da mente que compreende os seus próprios processos — ambição, inveja, avidez, ódio — porque a própria compreensão dessas coisas põe-lhes fim, sem necessidade de compulsão e a mente, portanto, fica livre para explorar. Tem-se então a possibilidade de encontrar a Realidade, Deus ou o nome que preferirdes. Mas, sem autoconhecimento, o mero afirmar ou negar que Deus ou a Realidade existe, nenhuma significação tem.
Vê-se que uma parte da humanidade está condicionada para aceitar a ideia de Deus, ao passo que outra parte está sendo condicionada para não crer em Deus, porém crer no Estado e por ele se sacrificar. E é possível a mente libertar-se de todos os condicionamentos? Não há dúvida de que só a mente que procura descondicionar-se e se torna, portanto, capaz de agir, só essa mente pode realizar a revolução radical. Essa a razão por que muito importa que tanto vós como eu nos libertemos, individualmente, do "coletivo"; porque se o indivíduo não é livre não tem possibilidade de investigar e descobrir o que é verdadeiro.
Assim, cabe evidentemente aos que são sérios investigar profundamente esta questão, em vez de ajustarem-se, meramente, a um padrão de pensamento. Só o indivíduo religioso, no verdadeiro sentido da palavra, pode dar nascimento a um novo estado, uma nova maneira de considerar a vida. E o indivíduo verdadeiramente religioso é aquele que se está libertando do condicionamento de uma dada sociedade, sendo, assim, um verdadeiro revolucionário .
Krishnamurti — Da solidão à plenitude humana
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