A mente religiosa
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A mente religiosa



A mente religiosa é aquela que não está ligada a nada; só ela pode descobrir o que é verdadeiro e o que é falso. Só ela pode descobrir se há, ou não, uma Realidade, Deus, uma coisa Atemporal — mas não a mente ligada a alguma coisa, a mente que crê ou não crê. Por certo, não tem mente religiosa o homem que vai à igreja, que pratica puja e toda espécie de artifícios. A mente religiosa vê a falsidade de tudo isso,totalmente, completamente; assim sendo, porque é livre e não está firmada numa posição, numa base, da qual parte para investigar, ela inicia sua investigação livremente. Essa mente, por conseguinte, é desapaixonada, sã, racional, capaz de raciocinar — e tal é, afinal de contas, a característica da mente cientifica. Mas a mente cientifica não é uma mente religiosa. A mente científica está interessada em examinar uma certa parte da existência, um segmento da vida; a mente científica, portanto, não pode compreender a totalidade que a mente religiosa compreende.

Para se ter essa mente religiosa, necessita-se de uma revolução, não econômica ou social, porém psicológica — uma revolução na psique, no próprio processo de nosso pensar. Ora, como fazer despontar essa mente? Vemos a necessidade dessa mente — da mente nova, sem fronteiras; da mente nova, não ligada a nenhum grupo, raça, família, cultura ou civilização; da mente nova que não resulta da moralidade social. A moralidade social não é moralidade nenhuma, pois só lhe interessa a moral sexual; cada um pode ser ambicioso, cruel, vão e invejoso, à vontade. E a moral social é a inimiga da mente religiosa.

Assim, como nascerá a mente religiosa, a mente nova? Como trataríeis de obtê-la? Esta não é uma pergunta retórica. A todos nós se apresenta este problema; como ter uma mente fresca, jovem, nova — pois a mente velha não resolveu coisa alguma e multiplicou os seus problemas. Como trataríeis disso, que empreenderíeis para suscitar essa mente? Precisais de algum sistema, algum método? Vede, por favor, a importância desta pergunta que estou fazendo, vede o seu significado. Necessitamos de uma mente nova, que é de essencial importância; mas como alcançá-la? Por meio de algum método — que é sistema, prática, ação que se repete dia por dia? Um método pode produzir a mente nova? Averiguai, investigai isso junto comigo; não vos limiteis a ouvir-me e depois tornar a pensar que necessitais de uma prática, um método, para adquirirdes a mente nova.

Sem dúvida, todo método implica prática continuada, dirigida por um certo caminho, para a obtenção de determinado resultado — e isso, afinal, significa adquirir um hábito mecânico, e, por meio desse hábito mecânico, suscitar uma mente que não é mecânica. É isso, essencialmente, o que o método implica. Dizeis “Disciplina”, mas toda disciplina se baseia num método ajustado a um certo padrão; e o padrão vos promete um resultado, predeterminado pela mente que já tem uma dada crença, que já adotou uma certa posição. Assim, pode um método, no sentido mais amplo ou mais restrito da palavra, produzir aquela mente nova? Se não pode, então o método, como hábito, deve desaparecer completamente, porque falso. Não importa se foi Sankara, Buda ou o santo mais moderno que vos preconizou o método, ele é completamente falso, porque todo método só serve para condicionar a mente de acordo com o resultado desejado. Mas, sabeis o que é a mente nova — a mente fresca, jovem, “inocente”? Como podeis sabê-lo? Não podeis sabê-lo; tendes de descobri-la. Por conseguinte, deveis abolir todo o processo mecânico da mente. Escutai, apenas; não importa se fazeis ou deixais de fazer alguma coisa: isso depende de vós. Segui as minhas palavras. A mente deve livrar-se de todo o processo mecânico do pensamento. Não é, pois, verdadeira a idéia de que um método, sistema, disciplina, hábito, produzirá essa mente. Portanto, tudo isso tem de ser abolido completamente, por serem coisas mecânicas. A mente mecânica é uma mente tradicional, não está apta a enfrentar a vida, que não é mecânica; o método, conseqüentemente, tem de ser posto de parte. Dessarte, que se deve fazer para alcançar a mente nova?

O conhecimento — que é experiência — vos dará a mente nova? Experiência é a reação a um desafio, e o desafio, por certo, é de acordo com vossa memória, de acordo com vosso condicionamento. O conhecimento, pois — que é experiência — vos ajudará a alcançar a mente nova? Não deve a mente nova achar-se num estado de “não experiência”? Se me permitis, vou estender-me um pouco sobre este tópico; e, talvez, depois, possamos compreender melhor por meio de perguntas. Há desafio e “resposta” (reação). Vivemos dessa maneira. A cada instante a vida nos desafia, e nós “respondemos”. Respondemos segundo o nosso condicionamento hinduísta, muçulmano, etc. Se rejeitais o desafio externo — e mui poucos o fazem — criais vosso próprio desafio interno, psicológico — as incertezas interiores e vossas reações a elas. E tudo isso, tanto a reação externa como a interna, baseia-se na experiência. E essa experiência sempre se acumula como conhecimento, como tempo. Notai, por favor, não ser difícil o que estou dizendo. Basta vos observardes para verdes que estamos tratando apenas de fatos, e não de teorias. Sendo o tempo experiência, na forma de conhecimento, ele produzirá a mente nova? Claro que não, porque a própria expressão “mente nova” sugere algo novo, totalmente novo, que não pode ser produzido pela experiência. A experiência é sempre o passado — isto é, tempo. Percebe-se assim — se se acompanhou o que estive dizendo que nem o hábito, nem a experiência como conhecimento, produzirão a mente nova, e tampouco a alcançaremos por meio do tempo.

Se negardes tudo isso — como não podeis deixar de fazer, se tiverdes penetrado em vós mesmos e vos examinado — vereis então que a total negação de tudo o que sabeis, de toda experiência, toda tradição, todo movimento nascido do tempo, é o começo da mente nova. Para negar totalmente, necessita-se de energia. Em geral recebemos energia da resistência — há necessidade de explicar isso? Recebemos energia da fuga; recebemos energia da inveja, da ambição, da avidez, da brutalidade, do desejo de amor. Mas essa energia cria a correspondente contradição, e esta dissipa a energia. A maioria de nós não tem energia para negar e permanecer nesse estado de negação, que constitui a mais elevada forma de pensar. Mas essa negação gera energia, porque nela não há contradição.

Assim, a mente religiosa, ou mente nova, é a mente revolucionária. Porque, então, a mente já não é ambiciosa, invejosa; percebeu o significado da inveja, da ambição, da autoridade e, por conseguinte, livrou-se delas — não no fim, porém no presente, imediatamente. E essa negação é própria da meditação. Meditação não é essa coisa simplória consistente em repetir palavras, sentado à frente de uma imagem, procurando ter visões e todas as correspondentes sensações; meditação é, sim, o percebimento constante que nos faz ver o falso e negá-lo totalmente. Essa negação provê energia — não a energia que nasce do conflito, não a energia recomendada pela chamada gente religiosa, que nos manda ser celibatários toda a vida, etc. etc.; tudo isso são formas de resistência e, por conseguinte, contradição.

Pode-se ver realmente a totalidade desse processo, compreendê-lo completamente, quando não nos colocamos num “ponto alto” para, daí, o examinarmos. Só a mente religiosa pode ir muito longe, só a mente religiosa pode descobrir o que transcende as medidas da mente.

Krishnamurti - 14 de janeiro de 1962
Do livro: A Mutação Interior – Ed. Cultrix – Páginas 86 à 89




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