autoconhecimento
A solidão de visão mareja os olhos do coração
A solidão é outro componente intrínseco da emergência espiritual. Pode variar desde uma vaga percepção de separação das outras pessoas e do mundo até um mergulho profundo e abrangente na alienação existencial. Alguns sentimentos de alienação interior têm relação com o fato de que as pessoas em emergência espiritual têm de encarar os estados incomuns de consciência que nunca ouviram ninguém descrever e que são diferentes das experiências diárias de seus amigos e de sua família. Porém, a solidão existencial parece ter muito pouco a ver com as influências pessoais ou exteriores.
Muitas pessoas em processo de transformação se sentem isoladas pela natureza das experiências que estão tendo. Como o mundo interior se torna mais ativo, pode-se experimentar a necessidade de afastar-se temporariamente das atividades diárias e preocupar-se com pensamentos profundos, com sentimentos e processos internos. O relacionamento com os outros pode ir perdendo a importância e a pessoa chega a se sentir desligada do que realmente é. Quando isso está acontecendo, a pessoa pode ter uma grande sensação de separação de si mesma, dos outros e do mundo que a cerca. Para as pessoas nesse estado, até o calor humano e a segurança familiar são inacessíveis.
Um jovem professor fala sobre a solidão que viveu durante a emergência espiritual: "Eu costumava me deitar na cama, ao lado de minha esposa, à noite, e me sentia completa e inegavelmente sozinho. Ela foi uma grande ajuda e um grande conforto para mim durante a minha crise. Mas, durante esse período, nada que ela fizesse poderia me ajudar — nenhum carinho, nenhum grau de encorajamento".
Sempre ouvimos pessoas em emergência espiritual dizerem: "Ninguém nunca passou por isso antes. Sou o único que já se sentiu desse jeito!" Essas pessoas não só sentem que o processo é único para elas, mas também estão convencidas de que ninguém na história jamais passou pelo que estão passando. Talvez porque se sintam tão especiais, acreditem também que determinado terapeuta ou professor confiável seja o único que possa conseguir compartilhar de seus sentimentos e ajudá-las. Suas fortes emoções e percepções estranhas as estão levando para tão longe de suas vivências anteriores que facilmente assumem o fato de serem anormais. Sentem que há algo de muito errado com elas e que ninguém seria capaz de compreendê-las. Se têm terapeutas que também sofrem de mistificação, suas sensações de total isolamento aumentam.
Mesmo que as pessoas nesse estado estejam conscientes da variedade de planos teóricos e sistemas espirituais que descrevem estados semelhantes, encontrarão diferença entre estudá-los e estar no meio deles.
(...) Durante a crise existencial, a pessoa se sente separada do seu eu mais profundo, do mais alto poder ou de Deus — o que quer que seja de que ele dependa além de recursos pessoais para ter força se inspiração. O resultado é o mais devastador tipo de solidão, uma total e completa alienação existencial que penetra todo o ser.
(...) Essa profunda sensação de isolamento parece ser acessível a muitos seres humanos, independentemente de sua história e é, quase sempre, um ingrediente fundamental na transformação espiritual. Irina Tweedy, uma mulher russa que estudou com um mestre sufi na Índia, escreveu:
A grande separação está aqui... uma sensação especial e estranha de solidão absoluta... não pode ser comparada a nenhum sentimento de solidão pelo qual todos tenhamos passado alguma vez na vida. Tudo parece escuro e inanimado. Não há nenhum propósito em lugar algum ou em coisa alguma. Nenhum Deus para quem rezar, nenhuma esperança. Nada, de modo algum.
Essa sensação de extremo isolamento é refletida na desolada prece de Jesus na cruz: "Meu Deus, meu Deus. Por que me abandonaste?" As pessoas que estão assim perdidas frequentemente citam o exemplo do momento mais sombrio de não encontrar nenhuma ligação com o Divino; ao contrário, têm uma sensação permanente e angustiosa de que foram abandonadas por Deus. Mesmo quando a pessoa é cercada de amor e apoio, pode imbuir-se de uma solidão profunda e dolorosa. Quando desce ao abismo da alienação existencial, nenhum calor humano pode mudar isso.
As pessoas às voltas com uma crise existencial não se sentem apenas isoladas, mas também insignificantes, como pontinhos inúteis na vastidão do cosmos. O universo parece ser absurdo e sem sentido, e nenhuma atividade humana aparenta ter importância. Essas pessoas podem ver a humanidade como que sendo envolvida por estilo de vida em que "um quer engolir o outro", sem um objetivo que valha a pena. Por esse ângulo, não podem entender nenhum tipo de ordem cósmica e não têm contato com a força espiritual. Chegam a tornar-se extremamente depressivas, desesperadas e até suicidas. Frequentemente, percebem que mesmo o suicídio não é a solução; parece que não há nenhuma saída para seu sofrimento.
Christina Grof — A Tempestuosa Busca do Ser
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