As atividades do pensamento nunca resultam em paz
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As atividades do pensamento nunca resultam em paz


Jiddu Krishnamurti: Pode a humanidade viver sem conflito?... Podemos ter paz nesta terra? As atividades do pensamento nunca resultam em paz.

David Bohm: Do que foi dito, parece claro que a atividade do pensamento não pode produzir a paz: gerar o conflito é algo que lhe é inerente.

JK: Sim, se nós realmente percebêssemos isso, toda a nossa atividade seria totalmente diferente.

DB: Mas o senhor está dizendo então que há uma atividade que não é o pensamento? Que está além do pensamento?

JK: Sim.

DB: E que não só está além do pensamento mas que também não requer a cooperação do pensamento? Que é possível que essa atividade continue quando o pensamento está ausente?

JK: Este é o ponto fundamental. Já discutimos isso muitas vezes: se há alguma coisa além do pensamento. Não alguma coisa santa, sagrada — não estamos falando disso. estamos querendo saber é, existe uma atividade que não seja influenciada pelo pensamento. E DIZEMOS QUE ELA EXISTE. E que essa atividade é a forma SUPREMA DA INTELIGÊNCIA.

DB: Sim; introduzimos agora a inteligência.

JK: Eu sei, eu a introduzi de propósito! A inteligência não é a atividade do PENSAMENTO ASTUTO.

DB: Bem, a inteligência pode utilizar o pensamento, como o senhor já disse muitas vezes. Ou seja, o pensamento pode ser a ação da inteligência — poderíamos nos expressar assim?

JK: Sem dúvida.

DB: Ou poderia ser a ação da memória?

JK: Aí é que está. Também pode ser a ação nascida da memória, e como a memória é limitada, o pensamento é limitado e tem sua própria atividade, a qual então produz o conflito...

DB: Acho que isso se relaciona com o que as pessoas estão dizendo a respeito dos computadores. Cada computador deve, em última instância, estar subordinado a alguma espécie de memória, programada, que é introduzida neles. E deve, por força, ser limitada.

JK: Naturalmente.

DB: Portanto, quando operamos a partir da memória, não somos muito diferentes de um computador; talvez seja o contrário, o computador é que não é muito diferente de nós.

JK: Eu diria que um hindu tem sido programado, durante os últimos cinco mil anos, para ser um hindu; ou, neste país, vocês têm sido programados como um inglês, como um católico ou protestante. Assim, todos somos, até certo ponto, programados.

DB: Sim, mas o senhor está introduzindo a noção de uma inteligência que está livre de programação, que é criativa, talvez...

JK: Sim. Essa inteligência não tem nada a ver com a memória, com o conhecimento.

DB: Ela pode atuar na memória e no conhecimento mas não tem nada a ver com isso...

JK: Isso mesmo. Eu quero dizer: como o senhor descobre se essa inteligência tem alguma realidade e não apenas imaginação ou uma ficção romântica? Para se chegar a isso, é necessário examinar toda a questão do sofrimento, se há um fim para o sofrimento. E enquanto o sofrimento, o medo e a busca do prazer existirem, não pode haver amor.

DB: Temos aqui muitas questões. Sofrimento, prazer, medo, raiva, violência e ganância — tudo isso são respostas da memória.

JK: Sem dúvida.

DB: Não têm nada a ver com a inteligência.

JK: Todos são parte do pensamento e da memória.

DB: E enquanto isso continuar, parece que a inteligência não pode operar no pensamento, ou através do pensamento.

JK: Isso mesmo. Precisamos, portanto, nos libertar do sofrimento.(...) O que é o sofrimento? O significado da palavra é ter dor, aflição, sentir-se completamente perdido, só.

DB: parece-me que não é apenas dor, mas uma espécie de dor muito penetrante, total...

JK: Mas o sofrimento é a perda de alguém.

DB: Ou a perda de alguma coisa importante.

JK: Sim, naturalmente. A perda da minha esposa, de meu filho, de meu irmão, ou do que quer que seja, e a desesperadora sensação de solidão.

DB: Ou simplesmente o fato de que o mundo todo está caminhando para essa situação.

JK: Naturalmente... Todas as guerras.

DB: Isso faz com que todas as coisas percam o sentido.(...) Mas algumas pessoas acham que através do sofrimento elas se tornam...

JK: ... Inteligentes?

DB: Purificadas, como se tivessem passado por um crisol.

JK: Eu sei. Que através do sofrimento você aprende. Que através do sofrimento o seu ego desaparece, se dissolve.

DB: Sim, se dissolve, aprimora-se.

JK: Não é verdade. As pessoas sofreram muito, quantas guerras, quantas lágrimas, sem falar da natureza destruidora dos governos. E o desemprego, a ignorância...

DB: ...Ignorância da doença, da dor, de tudo. Mas o que é realmente o sofrimento? Por que  ele destrói o inteligência, ou a impede? O que acontece?

JK: O sofrimento é um choque;eu sofro, tenho uma dor — eis a essência do "eu".

DB: A dificuldade em relação ao sofrimento é que o eu é que está ali, que está sofrendo.

JK: Sim.

DB: E, de algum modo, esse eu está sentindo realmente pena de si mesmo.

JK: O meu sofrimento é diferente do seu.

DB: Sim, ele se isola. Cria um tipo de ilusão.

JK: Não percebemos que o sofrimento é compartilhado por toda a humanidade.

DB: Sim, mas e se chegássemos a perceber que ele é compartilhado por toda humanidade?

JK: Então começo a questionar o que é o sofrimento. Ele não é o meu sofrimento.

DB: Isso é importante. Para compreender a natureza do sofrimento, preciso me desfazer dessa ideia de que ele é o MEU sofrimento porque, enquanto acreditar que ele é meu, terei uma noção ilusória do problema como um todo.

JK: E nunca poderei acabar com ele.

DB: Se você está lidando com uma ilusão, nada pode ser feito a respeito dela.(...)

JK: O sofrimento é comum a toda a humanidade.

DB: Mas o fato de ser comum não é suficiente para torná-lo o mesmo para todos.

JK: Ele é real.

DB: O senhor está dizendo que o sofrimento humano é único, inseparável?

JK: Sim, é o que eu venho dizendo.

DB: Assim como a consciência humana?

JK: Sim, isso mesmo.(...) A questão é a seguinte: temos sofrido desde o princípio e nunca encontramos uma solução para isso. Não acabamos com o sofrimento.

DB: Mas eu acho que o senhor disse que a razão pela qual não encontramos uma solução é porque o consideramos como algo pessoal, ou pertencente a um pequeno grupo... e isso é uma ilusão.

JK: Sim.

DB: E qualquer tentativa de se lidar com uma ilusão não pode resolver coisa alguma.

JK: O pensamento não pode resolver nada psicologicamente.

DB: Porque o senhor pode dizer que o próprio pensamento divide. O pensamento é limitado e incapaz de perceber que esse é único. Desse modo, ele o divide em meu e seu.

JK: Isso mesmo.

DB: E isso cria a ilusão, que só pode multiplicar o sofrimento. Parece-me então que a afirmação de que o sofrimento humano é único, não pode ser separado da afirmação de que a consciência humana é única.

JK: O mundo sou eu: eu sou o mundo. Mas nós o dividimos em mundo inglês, mundo francês, e todos os demais!

DB: O que o senhor quer dizer com mundo? O mundo físico ou o mundo da sociedade?

JK: O mundo da sociedade, principalmente o mundo psicológico.

DB: Dizemos então que o mundo da sociedade, dos seres humanos, é um só, e o que significa quando digo que eu sou esse mundo?

JK: Que o mundo não é diferente de mim.

DB: O mundo e eu somos um. Somos inseparáveis.

JK: Sim. E essa é a verdadeira meditação; você precisa sentir isso, não apenas como uma afirmação verbal; trata-se de uma realidade. Eu sou o guarda do meu irmão.

DB: Muitas religiões disseram isso.

JK: Trata-se apenas de uma declaração verbal; elas não a assumem, não a praticam em seus corações.

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Dois diálogos entre J. Krishnamurti/David Bohm





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