Como é o seu relacionamento com o outro?
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Como é o seu relacionamento com o outro?


Por que sua mente se amolda? Vocês já se fizeram essa pergunta? Vocês acaso se dão conta de que se amoldam a um padrão? Pouco importa qual seja o padrão, se vocês mesmos o estabeleceram para si ou ele foi estabelecido para vocês. Por que estamos sempre nos amoldando? Onde há o amoldar-se não pode haver liberdade, e isto é óbvio. No entanto, a mente está sempre em busca de liberdade — quanto mais inteligente, quanto mais alerta, quanto mais consciente ela é, tanto maior sua exigência de liberdade. A mente se amolda, imita, porque há mais segurança em agir assim, em seguir um padrão. Esse fato é evidente. Vocês sabem tudo o que fazem, socialmente, porque é melhor amoldar-se. Vocês podem ser educados no exterior, ser grandes cientistas, ou políticos, mas têm um temor secreto de que, se não forem ao templo ou não fizerem as coisas usuais que lhes foram ensinadas, algo de ruim possa sobrevir; por isso, vocês se amoldam. O que acontece à mente que se amolda? Queiram por gentileza, examinar essa interrogação. O que acontece com a sua mente quando vocês se amoldam? Antes de tudo, há uma total negação da liberdade, uma total negação do exame independente. Quando vocês se amoldam, há medo. Certo? Desde a infância a mente é treinada para imitar, para amoldar-se ao padrão que a sociedade estabeleceu — ser aprovado em exames, formar-se, se tiver sorte conseguir um emprego, casar-se, e ponto final. Vocês aceitam esse padrão e tremem de medo de não segui-lo. 

Em consequência, vocês negam interiormente a liberdade, vivem interiormente temerosos, têm a sensação interior de não ser livres para descobrir, indagar, pesquisar, questionar. E isso produz desordem nos nossos relacionamentos. Vocês e eu estamos tentando mergulhar profundamente nessa questão, ter dela uma real introvisão, perceber-lhe a verdade. E é a percepção da verdade que liberta a mente; não alguma prática, nem a atividade da indagação, mas a efetiva percepção daquilo "que é". 

Causamos a desordem nos relacionamentos, tanto interior como exteriormente, mediante o medo, o amoldar-se, a avaliação, que é comparação. O nosso relacionamento se acha em desordem, não apenas o relacionamento uns com os outros, por mais íntimo que seja, como também o relacionamento exterior. Se vemos essa desordem com clareza, não lá fora mas aqui dentro, no mais profundo do nosso ser, se vemos todas as implicações disso, a partir dessa percepção vem a ordem. Então não teremos de viver segundo uma ordem imposta. A ordem não tem padrão, ela não é um esquema dado; ela vem da compreensão do que é a desordem. Quanto mais vocês entendem a desordem no relacionamento, tanto maior é a ordem. Logo, temos de descobrir o que é o nosso relacionamento uns com os outros. 

Como é o seu relacionamento com o outro? Você tem algum relacionamento ou seu relacionamento é com o passado? O passado, com suas imagens, sua experiência, seu conhecimento, dá origem ao que vocês denominam relacionamento. Mas o conhecimento no relacionamento gera desordem. Estou em relação com vocês. Sou o seu filho, o seu pai, a sua mulher, o seu marido. Temos vivido juntos; vocês têm me magoado e eu a vocês. Vocês têm me perseguido, têm me importunado, têm me tiranizado, têm dito coisas duras pelas minhas costas e na minha frente. Eu tenho vivido com vocês há dez anos ou há dois dias, e essas lembranças permanecem, lembranças das ofensas, das irritações, do prazer sexual, dos aborrecimentos, das palavras brutais e assim por diante. Tudo isso está registrado nas células do cérebro que contêm a memória. Assim, meu relacionamento com vocês se baseia no passado. O passado é a minha vida. Se atentarem para isso, vocês hão de perceber como a mente, a vida, a atividade de vocês está arraigada no passado. O relacionamento arraigado no passado inevitavelmente gera desordem. Quer dizer, o conhecimento no relacionamento traz desordem. Se vocês me magoaram, eu me lembro disso; vocês me magoaram ontem ou há uma semana e isso permanece na minha mente; é o conhecimento que tenho de vocês. Esse conhecimento impede o relacionamento; esse conhecimento gera desordem. Portanto, a questão é: quando vocês me magoam, me lisonjeiam, quando me escandalizam, pode a mente varrer isso de si no mesmo momento sem registrá-lo? Vocês tentam fazer isso?

(...) Digamos que ontem alguém tenha me tratado com aspereza, fazendo-me acusações inverídicas. Aquilo que foi dito fica registrado, e a mente identifica a pessoa com esse registro, agindo de acordo com ele. Quando a mente está agindo no relacionamento com o conhecimento desses insultos, das palavras ríspidas, das falsas acusações, esse conhecimento no relacionamento traz a desordem. Ficou claro? Ora, como a mente faz para não registrar no momento do insulto, no momento da bajulação? Porque, para mim, o que há de mais importante na vida é o relacionamento. Sem relacionamento, só pode haver desordem. A mente que vive em ordem, numa ordem total, que é a forma mais elevada de ordem matemática, não pode permitir nem por um momento que a sombra da desordem desça sobre ela. E essa desordem vem à existência quando a mente age com base em seu prévio conhecimento no relacionamento. Portanto, como procede a mente para não registrar o insulto, mas saber que o insulto, bem como a bajulação, ocorreram? Pode ela saber que eles ocorreram e ainda assim não registrá-los, de maneira a ser sempre límpida, saudável, íntegra no relacionamento? 

Esse assunto lhes interessa? Veja bem, se isso de fato lhes interessa, trata-se do maior problema da vida: como levar uma vida em relacionamento na qual a mente jamais tenha sido magoada, jamais tenha sido distorcida. Ora, será isso possível? Fizemos uma pergunta impossível. Trata-se de uma pergunta impossível, e temos de descobrira resposta impossível. Porque o possível é medíocre, já está pronto; mas se faz uma pergunta impossível, a mente tem de encontrar a resposta. A mente têm condições de fazê-lo? Isso é amor. A mente que não registra insultos nem bajulações sabe o que é o amor. 

Pode a mente nunca, jamais, absolutamente nunca registrar o insulto ou a bajulação? Isso é possível? Se a mente puder encontrar a resposta para essa pergunta, teremos resolvido o problema do relacionamento. Vivemos em relacionamento. O relacionamento não é uma abstração, mas um fato diário, cotidiano. Quer você vá para o escritório, volte e durma com sua mulher, quer brigue com ela, você está sempre em relacionamento. E se não há ordem nesse relacionamento entre você e outra pessoa, ou entre você e muitas pessoas ou uma única pessoa, você cria uma cultura que vai gerar, em última análise, desordem, como se faz hoje. Portanto, a ordem é absolutamente essencial. Para descobri-lo, pode a mente, embora tenha sido insultada, magoada, pisada, embora tenha ouvido palavras brutais dirigidas a si, nunca, nem mesmo por um segundo, reter essas coisas? Porque assim que essas coisas são retidas, já há o registro, e elas já deixaram uma marca nas células cerebrais. Percebam a dificuldade da questão. Pode a mente fazer isso, de modo a permanecer inteiramente inocente? A mente inocente é a mente que não pode ser magoada. Como não pode ser magoada, ela não vai magoar a outra. Ou, isso é possível? Toda forma de influência, toda forma de incidente, toda forma de dano, de desconfiança, é lançada sobre a mente. Pode a mente nunca registrar e, assim, manter-se muito inocente, muito límpida? Vamos descobri-lo juntos. 

Chegaremos a isso perguntando o que é o amor. Será o amor produto do pensamento? O amor se acha no campo do tempo? O amor é prazer? O amor é algo que se pode ser cultivado, praticado, construído pelo pensamento? Ao averiguar isso, temos de nos aprofundar na pergunta: o amor é prazer — sexual ou de alguma outra espécie? A nossa mente procura o prazer o tempo inteiro: ontem fiz uma boa refeição, o prazer da refeição é registrado e desejo mais, uma refeição ainda melhor ou o mesmo tipo de refeição amanhã. Encantei-me muito com o pôr-do-sol, com a observação da lua por entre as folhas ou com a visão de uma onda lá longe no mar. Essa beleza gera um enorme deleite, e isso é um prazer imenso. A mente o registra e deseja vê-lo repetir-se. O pensamento pensa sobre o sexo, pensa, detém-se longamente nele, deseja vê-lo repetir-se; e a isso vocês dão o nome de amor. Estou certo? Não se embaracem quando falamos de sexo; ele é parte de sua vida. Vocês o tornaram repulsivo porque negaram todos os tipos de liberdade exceto esta.

Então o amor é prazer? Será o amor produto do pensamento, assim como ocorre com o prazer? O amor é inveja? Pode amar aquele que é invejoso, ganancioso, ambicioso, violento, amoldável, submisso, totalmente em desordem? Então, o que é o amor? Ele não é, evidentemente, nada disso. Ele não é prazer. Entendam, por favor, a importância do prazer. O prazer é mantido pelo pensamento; em consequência, o pensamento não é amor. O pensamento não pode cultivar o amor. Ele pode cultivar, e cultiva, a busca do prazer, assim como cultiva o medo, mas não pode criar amor, nem fabricá-lo. Vejam a  verdade. vejam-na e vocês haverão de expulsar de si mesmos, de uma vez por todas, a ambição e a cobiça. Portanto, mediante a negação, vocês chegam à coisa sobremodo extraordinária chamada amor, que é coisa positiva. 

A desordem no relacionamento significa que não há amor, e essa desordem existe quando há o amoldar-se. Assim, a mente que se amolda a um padrão de prazer ou ao que pensa ser o amor jamais pode saber o que é o amor. A mente que compreendeu todo o processo de amadurecimento da desordem alcança uma nova ordem que é virtude e que é, por conseguinte, amor. É a vida de vocês, e não a minha. Se não viverem dessa maneira, você serão muito infelizes, ver-se-ão tomados pela desordem social e levados sempre de roldão por essa correnteza. Só o homem que escapa dessa correnteza sabe o que é o amor, o que é ordem.

Jiddu Krishnamurti — Madras 16/12/1972

 
           




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