autoconhecimento
Como pode haver união baseada na falsidade?
Pergunta: Você diz que pela identificação causamos a separação, a divisão. Para alguns de nós, seu modo de vida parece "separativo", isolante, e parece também ter trazido a desunião de muitos que antes estavam unidos. Com o que você se identificou?
Krishnamurti: Procuremos, em primeiro lugar, averiguar a asserção de que a identificação divide, separa. Tenho afirmado isso muitas vezes. É ou não um fato?
Que entendemos por identificação? Não devem simplesmente ceder à identificação num nível verbal, mas, sim, encará-la diretamente. Se identificam com a nação de vocês, não é verdade? Quando o fazem, o que acontece? Imediatamente, por causa dessa identificação com um determinado grupo, vocês se fecham. Isso é um fato, não acham? Quando se dizem hinduístas, vocês se identificaram com determinadas crenças, tradições, esperanças, ideais; e justamente essa identificação os isola. Isso é um fato, não? Se perceberem essa verdade, deixarão de se identificar, e por isso não serão mais budista, nem cristão, política ou religiosamente. A identificação, pois, é fator de separação, fator de deterioração, em nossa vida. Eis o fato; eis a verdade sobre a identificação, quer lhes agrade, quer não.
Pergunta, a seguir, o interrogante se eu, com minha ação, causei separação no seio daqueles que antes estavam unidos. Exatamente. Quando percebemos uma verdade, não temos o dever de proclamá-la? Como pode haver união baseada na falsidade? Vocês se identificam com uma ideia, uma crença; e quando alguém impugna essa crença, essa ideia, vocês o repelem — não o atraem, e, sim, o repelem. Vocês o isolaram; o homem que diz que o que vocês fazem está errado, não os isolou. Assim, é a reação de vocês que é isolante e não a ação dele, a ação da pessoa que aponta onde está a verdade. Vocês não querem encarar o fato de que a identificação é um fator de separação.
A identificação com uma família, com uma ideia, uma crença, com uma organização qualquer, tem força separativa. Se alguém acaba com ela diretamente ou lhes chama a atenção para ela, lhes apresentando um desafio, então vocês, que desejam a identificação, que desejam ser separativos, que desejam repelir tal pessoa, dizem que esse home é um fator de isolamento.
O modo da existência e o modo de vida de vocês, é separativo; por conseguinte, são responsáveis pela separação. Eu, não. Vocês me expulsaram; não fui eu que saí. Naturalmente, começam a sentir que eu estou fomentando o isolamento, estou causando divisão, que minhas ideias e minhas expressões estão destruindo, são destrutivas. Elas tem de ser destrutivas, tem de ser revolucionárias. Do contrário, que valor tem uma coisa nova?
Com efeito, Senhores, se faz necessária uma revolução, não de acordo com qualquer ideologia ou padrão. Se for de acordo com qualquer ideologia ou padrão, não é revolução, mas, sim, mera continuação do passado; é identificação com uma nova ideia, emprestando, portanto, continuidade a uma determinada convenção; e isso, naturalmente, não é revolução de espécie alguma. A revolução se realiza, quando, interiormente, cessa toda e qualquer identificação; e isso só se consegue quando vocês são capazes de olhar diretamente o fato, sem enganarem a si mesmos, e sem dar ao intérprete nenhuma oportunidade de lhes dizer o que pensa a respeito dele.
Se percebo a verdade sobre a identificação, então, evidentemente, não estou identificado com coisa alguma. Senhor, quando percebo a verdade de que uma coisa é nociva, não existe problema. Cesso de me identificar com ela, onde quer que seja. Compreendam que todo processo de identificação é destrutivo, separativo; quer ele funcione em relação a crenças religiosas, quer em relação à concepção dialética, ele é exclusivamente separativo. Quando reconhecerem esse fato, quando estiverem plenamente conscientes do mesmo, estarão, então, sem dúvida nenhuma, libertos; por essa razão, não haverá identificação com coisa alguma. Não estar identificado significa estar só, mas não como uma entidade superior, perante o mundo. Isso nada tem a ver com a união. Vocês, no entanto, temem a desunião.
Diz o interrogante que eu trouxe a desunião. Eu? Duvido muito! Descobrirão por si mesmos, a verdade a respeito. Se vocês se deixam persuadir por mim e, consequentemente, se identificam comigo, não fizeram então uma coisa nova, apenas trocaram um mal por outro mal. Senhores, vocês precisam romper com tudo, para descobrirem. A verdadeira revolução é a revolução interior; é uma revolução que vê as coisas em toda a claridade; e essa é a revolução do amor. Nesse estado não temos identificação com coisa alguma.
Krishnamurti em, Quando o pensamento cessa.
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