autoconhecimento
Como pode uma mente condicionada descondicionar-se?
Pergunta: Estou inteiramente de acordo convosco sobre a necessidade de descondicionar a mente. Mas como pode uma mente condicionada descondicionar-se?
Krishnamurti: O interrogante declara concordar comigo. Antes de entrarmos na questão do descondicionamento da mente, verifiquemos o que se entende por “estar de acordo”. Vós podeis concordar com uma opinião, uma ideia, mas não se pode concordar com um fato. Vós e eu podemos estar de acordo, no sentido de que temos uma opinião comum a respeito de determinado fato; mas uma opinião sustentada por muito não “faz” a verdade. Para compreender, necessita-se de vivo e vigoroso ceticismo, e não de concordância ou discordância. Se meramente concordais comigo, estais concordando com uma opinião que pensais que eu tenho. Eu não tenho opiniões, portanto, não estamos “de acordo”. Se nós dois vemos uma serpente venenosa, não há questão de concordar: ambos guardaremos distância dela. Ao dizer que concordamos, estamos intelectualmente de acordo sobre uma certa ideia; mas a investigação de como libertar a mente do condicionamento não requer concordância intelectual. Enquanto a mente está condicionada como hinduísta, comunista ou o que quer que seja, é incapaz de penar de maneira nova. Isto não é nenhuma questão de opinião. É um fato. Não tendes a necessidade de concordar.
A questão, pois, é: estando condicionada, como pode a mente descondicionar-se? Percebeis que vossa mente está condicionada como hinduísta, com as diversas crenças do hinduísmo, ou como comunista, ou cristão, ou muçulmana etc. Vossa mente, é óbvio, está condicionada. Credes em alguma coisa, no sobrenatural, em Deus, enquanto outro que foi educado num diferente meio social e psicológico diz que tal coisa não existe, que tudo isso são baboseiras. Ambos estais condicionados, e o vosso Deus não é mais real do que o “não-Deus” em que o outro crê.
Assim, quer vos agrade, quer não, vossa mente está condicionada, não parcialmente, porém de ponta a ponta. Não digais que o Atman não é condicionado. Disseram-nos que o Atman existe e, afora isso, nada sabeis a respeito dele; e quando pensais acerca do Atman, vosso pensamento está condicionando o Atman. Isso também é evidente. É o mesmo caso do homem que crê nos Mestres. Disseram-lhe que os Mestres existem e, em virtude de seu próprio desejo de segurança, ele anseia encontra-los; e, assim, tem visões, as quais psicologicamente, são muito simples e infantis.
Ora, a questão é esta: Eu sei que a minha mente está condicionada; e como poderei libertá-la do condicionamento se a entidade que procura libertá-la se acha condicionada? Compreendeis o problema? Quando uma mente condicionada compreende que está condicionada e deseja descondicionar-se, esse próprio desejo é também condicionado; assim, que pode a mente fazer?
Estais seguindo? Por favor, senhores, não vos limiteis a escutar minhas palavras, mas observai vossa própria mente em funcionamento. Este é um problema bem difícil de apreciar com um grupo tão numeroso, e, a menos que presteis real atenção, não encontrareis a solução. Eu não vou vos dar a solução e, portanto, tendes de observar vossa própria mente com toda atenção.
Sei que minha mente está condicionada como hinduísta, budista, ou o que quer que seja, e vejo que qualquer movimento mental para descondicionar-se é sempre condicionado. Ao procurar a mente descondicionar-se, a entidade que faz esse esforço está também condicionada, não é verdade? Espero que me esteja explicando bem.
Vossa mente está condicionada; não há uma só parte dela que não esteja condicionada. Isto é um fato, quer vos agrade, quer não. Podeis dizer que há uma parte de vós — o observador, a “superalma”, o Atman — que não é condicionada; mas, visto que pensais nessa coisa, ela está contida na esfera do pensamento e, portanto, condicionada. A tal respeito podem-se inventar dúzias de teorias, mas o fato é que vossa mente está condicionada, de ponta a ponta, tanto consciente como a inconsciente, e todo esforço que faça para libertar-se é por igual condicionada. Assim, que pode a mente fazer? Ou, melhor, qual é o estado da mente quando sabe que estar condicionada e reconhece que qualquer esforço que faça para descondicionar-se é também condicionado? Estou-me expressando claramente?
Agora, quando dizeis: “Sei que estou condicionado” — o sabeis realmente ou trata-se de uma mera declaração verbal? Vós o sabeis com a mesma intensidade com que vedes uma naja? Se vedes uma serpente e sabeis que é uma naja, há ação imediata, não premeditada; e quando dizeis “Sei que estou condicionado”, tem isso a mesma significação vital que tem a vossa percepção da naja? Ou trata-se apenas de um superficial reconhecimento do fato, e não da percepção real do fato? Quando percebo o fato de que estou condicionado, há ação imediata. Não preciso fazer nenhum esforço para me descondicionar. O próprio fato de estar condicionado, e a real percepção desse fato, produz imediato esclarecimento. A dificuldade está em que não percebeis realmente que estais condicionado — “não o percebeis”, no sentido de que não compreendeis todas as suas implicações, não vedes que todo pensamento, por mais sutil, por mais requintado, por mais filosófico que seja, é condicionado.
Todo pensar baseia-se evidentemente na memória — consciente ou inconsciente —, e quando o pensador diz: “Devo libertar-me do condicionamento”, este próprio pensador, sendo um resultado do pensamento, é condicionado, porque a entidade que forceja está também condicionada; por conseguinte, seu esforço produzirá mais condicionamento, apenas um padrão diferente. Percebendo isso por inteiro, a mente se acha num estado não-condicionado, porquanto percebeu a totalidade do condicionamento, sua verdade ou falsidade. Senhores, isso é como ver algo verdadeiro. O próprio percebimento do que é verdadeiro é o fator libertador. Mas esse percebimento requer completa atenção — não uma atenção forçada, não uma atenção calculista, lucrativa, ditada pelo medo ou desejo de ganho. Quando se percebe a verdade de que tudo o que faça a mente condicionada está também condicionado, cessam todos os esforços dessa ordem; e o percebimento do verdadeiro é que é o fator libertador.
Krishnamurti – O homem sem medo – pág. 63 à 66 — 31 de outubro de 1956
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