Como posso experimentar Deus em mim?
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Como posso experimentar Deus em mim?



Krishnamurti: Que entendemos por experiência? Que é o processo de experimentar? Quando é que dizemos: “tive uma experiência”? Dizemo-lo apenas quando reconhecemos a experiência, isto é, quando existe um experimentador separado da experiência. Isso significa que o nosso experimentar é um processo de reconhecimento e acumulação. Estou-me explicando bem?

Só posso experimentar quando há o reconhecimento da experiência, e reconhecimento é recordação, memória; e a memória é, obviamente, o centro do “eu”. Isto é, todo processo de reconhecimento e de acumulação de experiência é o “eu”, e o “eu” diz, então, “tive uma experiência”. O que é reconhecido e acumulado como experiência é a reação ao estímulo, a resposta ao desafio. Se não reconheço a resposta a um desafio, nenhuma experiência tenho. Certo, se vós me desafiais e eu não reconheço o sentido, o significado de vosso desafio, nem reconheço a minha resposta ao mesmo, como posso ter uma experiência? Só há experiência quando eu respondo a um desafio e reconheço a resposta.

Ora, o interrogante indaga: “Como posso experimentar Deus em mim?” Deus, a realidade, ou o quer que seja, é coisa susceptível de experimentar-se, de reconhecer-se, de modo que se possa dizer: “Tive um experiência de Deus”? Evidentemente, Deus é o desconhecido; Deus não pode ser conhecido. No momento em que o conheceis, já não é Deus: é algo autoprojetado, reconhecido, isto é, memória. É por isso que o crente nunca poderá conhecer Deus; e visto que a maioria de vós crê em Deus, jamais conhecereis a Deus, porque vossa própria crença vo-lo impede. Mas a descrença em Deus, que é outra forma de crença, impede também o descobrimento do desconhecido; porque toda crença é, obviamente, um processo da mente. A crença é o resultado do conhecido. Podeis crer no desconhecido, mas tal crença nasceu do conhecido, é parte do conhecido, que é memória. A memória diz: “Não conheço Deus, Ele algo desconhecido”. Por essa maneira a memória cria o desconhecido, e passa a crer nele como um meio de experimentar o desconhecido.

Deus pode ser objeto de crença? Os sacerdotes, os pregadores, os organizadores de religiões, os bispos, os cardeais, o carniceiro, o aviador que lança bombas — todos dizem “Deus está comigo”. O homem que ganha dinheiro, o homem que explora outros, o homem que acumula riquezas e edifica templos ou igrejas, diz que Deus é seu companheiro. Todas essas pessoas crêem em Deus; e sem dúvida sua crença é simples forma de auto-expansão, é um conceito próprio. É claro que tais pessoas, aquelas que acreditam nos dogmas organizados, que têm condicionado a mente de acordo com um determinado padrão chamado religião, nunca podem conhecer a realidade final.

Para que o desconhecido venha à existência, a mente precisa estar completamente vazia; não pode haver o experimentar da realidade, porque o experimentador é o “eu”, com todas as suas lembranças acumuladas, tanto conscientes como inconscientes. O “eu”, que é o resíduo de tudo isso, diz: “Estou experimentando”; mas aquilo que ele pôde experimentar é apenas a sua própria projeção. O “eu” não pode experimentar o desconhecido; só lhe é possível experimentar o conhecido, o que foi projetado de si mesmo, a coisa em que crê ou que espera, e que é criação do pensamento como reação do passado. Uma mente em tais condições, decerto, é incapaz de ficar de todo vazia e, por conseguinte, nunca pode ser livre. Só uma mente livre pode conhecer “o que é” — essa coisa indescritível, que não pode ser expressa em palavras para ser reconhecida por vós ou por mim. Descrevê-la significa cultivo da memória; significa verbalizá-la, situá-la no tempo, e o que é do tempo nunca pode ser o atemporal.

O que importa, pois, não é o que credes ou o que descredes, nem quais sejam as vossas atividades, mas, sim, o compreender processo integral, o conteúdo total de vós mesmo; e significa isso estar cônscio momento por momento, sem senso de acumulação. Quando a mente está de todo tranqüila, quieta, sem senso de aceitação ou rejeição, para a aquisição ou a acumulação, quando existe esse estado de tranqüilidade, no qual o experimentador não existe — só então sentimos aquilo a que podemos chamar Deus, — a palavra não tem importância. E há, nesse momento, um estado de criação, que não é expressão do “eu”.

Krishnamurti - 11 de junho de 1950 – Do livro: Porque não te satisfaz a Vida?




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