Desejo agora apreciar a meditação, porquanto a meditação é necessária, e estamos aqui lançando as suas bases. Para a meditação, necessita-se de uma mente capaz de permanecer em silêncio — não uma mente posta em silêncio por meio de artifícios, de disciplina, de persuasão, de repressão, porém uma mente completamente tranquila. Isso é absolutamente essencial à mente que se acha num estado de meditação. Por conseguinte, a mente deve estar liberada de todos os símbolos e palavras. Ela é escrava das palavras, não? Os ingleses são escravos da palavra "rainha", os indivíduos religiosos escravos da palavra "Deus", etc. A mente atravancada de símbolos, de palavras, de ideias, é incapaz de estar em silêncio, quieta. E a emaranhada em seus pensamentos é incapaz de estar tranquila. Essa tranquilidade não é estagnação, um estado "em branco", um estado de hipnose; mas ela pode ser alcançada "no escuro", inesperadamente, sem volição e sem desejo, quando compreendemos o processo do pensamento.
O pensamento, afinal de contas, é reação da memória; é a memória é o resíduo da experiência; e o resíduo da experiência é o centro, o "eu". Assim se forma o centro, o "eu", que é essencialmente acumulação de experiência, passada e presente, em relação tanto à coletividade como ao indivíduo. Desse centro, o resíduo da memória, emana o pensamento; e esse processo precisa ser compreendido completamente — e isso é autoconhecimento. Assim, sem autoconhecimento, consciente e inconsciente, a mente nunca estará tranquila. Só poderá hipnotizar-se para tornar-se tranquila, mas isso é infantil, sem madureza.
O autoconhecimento, portanto, é imediato, é necessário e urgente, porquanto a mente que conhece a si própria e a todos os seus artifícios, imaginações e atividades, pode chegar sem esforço, sem exigência, sem premeditação, ao estado de completa quietude. Conhecer a si mesmo é conhecer a totalidade do pensamento e saber como este divide a si próprio em "eu superior" e "eu inferior". É o percebimento da totalidade desse movimento de experiência, memória, pensamento, e também do centro — pois o centro se torna pensamento, memória e experiência; e a experiência, por sua vez, se torna memória mediante o ulterior condicionamento da experiência.
Espero me estejais seguindo, pois, se vos observardes atentamente, podeis perceber isso. O centro nunca é estático. O que era "centro" se torna experiência, e a experiência se torna "centro", e "o centro" se torna experiência, e a experiência se torna "centro", e "o centro" se transforma em memória. É tal como causa e efeito. O que era causa se torna efeito, e o efeito se torna causa. E esse processo não é só consciente, mas também inconsciente. O inconsciente é o resíduo da raça, do homem, oriental ou ocidental; essas tradições herdadas, no encontro com o presente, se transformam noutra tradição. Para se perceberem as múltiplas camadas do inconsciente e o seu movimento, necessita-se de uma mente bem penetrante e viva, que nunca esteja, por um momento sequer, a buscar segurança, conforto. Porque, no momento em que busca segurança, conforto, está tudo acabado, vemo-nos atolados, aprisionados. A mente ancorada na segurança, no conforto, na crença, num padrão, num hábito, não pode ser ágil.
Eis pois, o que é autoconhecimento; e conhecer a si mesmo significa descobrir o fato e seguir o fato sem nenhum interesse em modificá-lo. E isso requer atenção. Atenção é uma coisa, concentração outra muito diferente. A maioria dos que desejam meditar espera adquirir o poder de concentração. Todo colegial sabe o que é concentração. Ele deseja olhar pela janela, e o mestre diz: "Olha para o teu livro"; e trava-se uma batalha entre o desejo de olhar para fora e a compulsão do medo, da competição, que o força olhar para o livro. Concentração, pois, é uma forma de exclusão, não achais? E embora em tal "processo" possais tornar-vos perspicazes, vossa mente está sendo limitada. Tende a bondade de ir seguindo isso, sem aceitar, nem rejeitar, porém, simplesmente, observando.
A mente que se limita a concentrar-se conhece a distração; mas a que está atenta, não tolhida pela concentração, não conhece distração. Tudo, então, é movimento vivo. Compenetrai-vos bem disso e vereis como lançareis fora toda a carga de mandamentos religiosos que vos foi imposta e olhareis a vida de diferente maneira. Torna-se a vida então algo maravilhoso, extraordinariamente significativo — o verdadeiro viver, que não é fugir. que se verifica dentro e fora
Quando se dá a uma criança um brinquedo, cessa completamente o seu desassossego e ela se torna quieta, toda absorvida no brinquedo. E o mesmo acontece conosco; temos também nossos brinquedos: Mestres, salvadores, obras e arte; e, neles se absorvendo, a mente se torna quieta. Mas, essa absorção é morte para a mente.
Pois bem, a atenção não é o oposto da concentração; não está em relação com a concentração, e, por conseguinte, não é reação à concentração. Atenção é estar a vossa mente cônscia de cada movimento que se verifica dentro e fora dela própria. Significa, não apenas ouvir os barulhos dos tráfegos, mas também o que se está dizendo, e estar cônscios da reação ao que se está dizendo, cônscio sem escolha, para que não haja limitações à mente. Quando a mente está atenta dessa maneira, a concentração tem, então, significado completamente diferente; pode, então, a mente concentrar-se, mas tal concentração não é esforço, não é exclusão, porém parte do percebimento. Não sei se estais compreendendo bem.
Essa atenção é bondade; essa atenção é virtude; e nessa atenção encontra-se o amor e, portanto, aconteça o que acontecer, lá não pode existir o mal. O mal só se torna existente quando há conflito. A mente atenta, completamente cônscia de si mesma e de todas as coisas que se passam nela própria, é capaz de transcender a si própria.
A meditação, pois, não é um "processo" de "saber meditar", de ser ensinado a meditar; isso é completamente infantil, pois daí provém hábito, e todo hábito torna a mente embotada. Aprisionada em seu próprio condicionamento poderá a mente ter visões do Cristo ou dos deuses indianos, ou do que quer que seja, mas, sem embargo, está condicionada. O cristão só pode ter visões do Cristo, e o hindu só pode ter visões dos seus deuses prediletos. A mente meditativa não é imaginativa; portanto, não tem visões.
Assim, quando a mente, depois de agitar-se inutilmente na esfera de seus próprios movimentos, começa a seguir a atividade de seus pensamentos, a amar o seu centro, seu movimento, suas experiências, só então é capaz de compreensão, só então está quieta.
Agora, um momento. Este orador pode comunicar-vos verbalmente o que então sucede, mas isso é sem muita importância, porque vós é que tendes de descobri-lo. Deveis chegar àquele estado, abrindo vós mesmo a porta. Se outro vos abre a porta, ou procura abri-la, então esse outro se torna vossa autoridade, e vós o seu seguidor. Por conseguinte, isso significa morte para a verdade; morte para a pessoa que diz que "sabe", e morte para aquele que pede "dizei-me". A ânsia de saber gera a autoridade; dessa forma, tanto o guia como o seguidor se acham presos na mesma rede.
Ora bem. Este que vos fala está-vos expondo isto tudo, não com o intuito de convencer-vos, ou estimular-vos, ou demonstra-vos algo, ou coisa parecida, mas, sim, porque, quando compreenderdes, vereis a relação existente entre o tempo e o espaço.
Quando a mente está completamente livre de barreiras, de limitações, acha-se então num estado de plenitude: e, nesta plenitude, está vazia: e nesse vazio pode conter o tempo — tempo como espaço e distância; tempo como ontem, hoje e amanhã. Mas, não havendo aquele vazio, não há tempo, nem espaço, nem distância. Por causa daquele vazio, existe o tempo e, portanto, distância e espaço. E quando a mente descobre isso, experimenta-o, não verbalmente, porém, realmente, não como coisa lembrada— ela sabe, então, o que é criação — criação e não coisa criada. E vereis então que, ao dobrardes uma esquina, ao passeardes na floresta ou por uma rua imunda, ou onde quer que seja, sempre vos encontrareis com o Eterno.
A mente, pois, jornadeou pelo seu próprio interior, pela últimas profundezas de si própria. esta não é jornada semelhante à viagem à Lua num foguete, que é relativamente fácil, mecânica; e a jornada interior, a visão interior não é mera reação ao exterior. É um só movimento: interior e exterior. E quando há essa visão profunda, interior, essa atenção interior, esse movimento interior, a mente, então, já não está separada do Sublime. Por conseguinte, toda busca, toda ânsia, tudo terminou.
Por favor, não vos deixeis hipnotizar, influenciar por minhas palavras. Se estais influenciados, não podeis saber por vós mesmos o que é amor. A meditação é o descobrimento dessa coisa extraordinária que se chama Amor.
Krishnamurti — 23 de maio de 1961