autoconhecimento
Contato imediato com a Realidade
[...] Vocês desejam encontrar a felicidade, a serenidade, a liberdade; é isto em geral o que estão buscando, tateando no escuro. Vendo-se descontentes, insatisfeitos com as coisas, as relações, as ideias, estão em busca de algo transcendental, e procuram um mestre, um guru, ou X, que julgam possuir as qualidades que estão buscando. Desejam aprender como alcançar essa extraordinária integração da totalidade da consciência humana e, assim, vieram até aqui com a mesma intenção com que se aproximam de qualquer instrutor religioso, ou seja a intenção de aprender.
[...] Ora, pode-se lhes ensinar a ter percebimento direto? Pode-se realizar essa totalidade de integração, essa claridade de percebimento, mediante o saber, a instrução, ou por meio de algum método? O aprender uma técnica ou a observância de um dado sistema pode levar a esse resultado? Para a maioria de nós, aprender é adquirir uma nova técnica, substituir o velho pelo novo.
[...] Existem vários métodos, que vocês bem conhecem, e um ou outro dos quais estão praticando, na esperança de perceberem diretamente algo que se possa chamar a Realidade, o estado onde não existe "vir a ser", porém apenas Ser. Por essa mesma razão vieram até aqui: com o propósito de aprender, não é verdade? Desejam saber qual é o método que este orador lhes oferecerá para a revelação daquele estado extraordinário. Desejam saber como atingir esse estado, passo por passo, pela prática de certas formas de meditação, pelo cultivo da virtude, da autodisciplina, etc. Mas eu acho que nenhum método pode produzir o claro percebimento; ao contrário.
Todo método implica tempo, não é exato? Quando praticam um método, precisam do tempo, como ponte sobre o intervalo entre o que é e o que deveria ser. O tempo é necessário, para se percorrer a distância criada pela mente entre o fato e a dissolução do fato, ou seja, o fim que se quer alcançar. Toda ideologia se baseia nessa ideia de consecução de um fim, através do tempo; e, assim, começamos a adquirir, a aprender e, por conseguinte, nos amparamos no Mestre, no guru, no instrutor, porque ele vai nos ajudar a chegar lá.
Pois bem. O percebimento ou experiência direta daquela realidade depende do tempo? Existe um intervalo que é necessário transpor, pelo processo do conhecimento? Se existe, neste caso o conhecimento assume extraordinária importância. Então, quanto mais a pessoa souber, quanto mais se exercitar, quanto mais se disciplinar, etc., tanto maior será a sua capacidade de construir a ponte para a realidade. Admitimos que o tempo é necessário. Isto é, se sou violento, digo que é necessário tempo para eu chegar a um estado de não-violência; preciso de tempo para praticar a "não-violência", para controlar, para disciplinar a mente. Aceitamos esta ideia; porém ela pode ser uma ilusão, pode ser totalmente falsa. O percebimento pode ser imediato, independente do tempo. Eu penso que, em absoluto, ele não depende do tempo — se posso empregar a expressão "penso", sem o intuito de transmitir uma opinião, mas de apresentar um fato real. Ou uma pessoa percebe, ou não percebe. Não há nenhum processo gradual de "aprender a perceber". É a ausência de experiência — baseada, esta, sempre no conhecimento — que dá o percebimento.
[...] Nossas atividades, nossas buscas, são sempre egocêntricas. Para empregar uma fala de uso corrente, nossa ação, nosso pensamento é egoísta, interessado unicamente no eu"; e, como lemos ou ouvimos dizer que o "eu" é uma barreira, reconhecemos necessário que ele deixe de existir — não o "eu superior" ou o "eu inferior", mas o "eu", a mente que é ambiciosa, que tem medo, que é ardilosa, em suas atividades ditadas pela própria avidez, pela própria dependência, a mente resultante do tempo. Essa mente é egocêntrica; e pode esse egocentrismo ser removido imediatamente, ou tem de ser aparado aos poucos, camada por camada, mediante um processo gradual de instrução, experiência, e continuidade do tempo?
[...] eu desejo diferenciar entre "aprender" e "experimentar". Pode-se "experimentar" o que se aprende, mas nesse caso a experiência é condicionada pelo que se aprendeu. Uma pessoa pode aprender uma coisa e depois "experimentá-la" — isto é bem óbvio. Posso ler a vida de Cristo e emocionar-me muito, sentir-me vibrar a respeito dela e, posteriormente, "experimentar" aquilo que li. Posso ler o Gita, evocar toda sorte de ideias, e "experimentá-las". Tanto a leitura consciente como a instrução inconsciente, produzem certas formas de experiência.[...] Mas, na realidade, se examinarem essas experiências, verão que são, unicamente, a reação de uma mente condicionada.
[...] O percebimento não pode ser verdadeiro, quando baseado em algum método, porque, é bem evidente, o método produz a sua peculiar experiência. Se creio no Cristianismo ou noutra religião qualquer, e observo um método que me conduzirá à verdade, de acordo com o cristianismo, por certo a experiência que esse método produz não tem validade alguma. É uma experiência baseada em minha própria convicção, minha própria limitação, minha mente condicionada. O que se experimenta é puramente um produto daquele método particular, ao passo que isso de que estou falando é coisa totalmente diferente.
Se percebemos que todo método é falso, ilusório, produto do tempo, e que o tempo não pode levar à experiência direta, então, esse próprio percebimento nos liberta do tempo. Nossa relação é então toda diferente. Percebem, senhores? Não estamos aqui para aprender nenhum método ou técnica nova, nenhum "novo acesso à vida", e outras coisas tais. Aqui estamos para libertarmos a mente de todas as ilusões e percebermos diretamente — e isso exige extraordinária atenção ao que se está sendo dito, e não uma comunicação acidental entre nós, como se estivéssemos apenas assistindo a mais uma conferência. O importante é que se liberte a mente do conhecimento e do método, das práticas baseadas naquele conhecimento, que só podem nos levar à coisa que ansiosamente desejamos. Eis porque é de grande importância compreender o que estou dizendo, perceber a ilusão que a mente criou, ou seja, o tempo necessário para adquirir, aprender, chegar, alcançar.
Não digam logo que aquela realidade, Deus, o Atman se acha em nosso interior, e outras coisas de igual natureza. Isso não é verdadeiro; é ideia de vocês, superstição, pensar condicionado. Vocês dizem que Deus se acha dentro de nós mesmos, e o comunista, criado diferentemente, desde pequenino, diz que não existe Deus nenhum, e que é absurdo o que dizem. Vocês estão condicionados para acreditar de uma certa maneira, e ele para acreditar de outra maneira; portanto, todos dois são iguais. Mas, tudo o que nos interessa aqui, nesta palestra, é descobrir se a mente pode, de pronto, despojar-se desta crenças, deste condicionamento, afim de que surja o percebimento direto. Podemos viver mil vidas, praticando a autodisciplina, sacrificando, subjugando, meditando, mas por este meio nunca seremos levados ao direto percebimento, o qual só é realizável em plena liberdade, e não por meio de controle, de subjugação, de disciplinas; e só pode aparecer a liberdade, quando a mente se torna consciente, de pronto, de seu condicionamento, pois então se verifica a cessação desse condicionamento.
Jiddu Krishnamurti em, Da Solidão à Plenitude Humana
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