Corpo e mente: nossa ignorância dual
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Corpo e mente: nossa ignorância dual


Dizem-nos os Sábios que deixaremos de identificar-nos com o nosso corpo — e assim nos libertaremos de uma vez por todas dos sofrimentos que surgem por intermédio dele — apenas quando alcançarmos a experiência direta do Ser real. Assim como agora temos a experiência direta do corpo, devemos ter a experiência direta desse Ser como ele realmente é. Essa ignorância, que nos leva a identificar-nos  com o corpo, é um hábito mental arraigado, engendrado na mente durante longo tempo de ações e pensamentos errôneos. Deles surgiram os vários apegos às coisas. Tais hábitos mentais formam a própria estrutura da mente; e a simples introdução de um pensamento contrário — que é muito fraco, igual a um recém-nascido — fará pouca diferença. A mente fluirá pelos mesmos canais habituais. Continuará sujeita às mesmas atrações e repulsões. E isso acontecerá porque enquanto é possível ao filósofo livresco sentir às vezes que ele não é o seu corpo, não pode, com a mesma facilidade, chegar a sentir que não é a mente. E esta dupla ignorância só terá o fim quando conhecermos o Ser — não teórica mas praticamente, isto é, pela experiência real do Ser. 

Até surgir essa compreensão, não se pode dizer que o filósofo tenha se descartado de sua ignorância. Ela sobrevive com todo rigor. Seu conhecimento filosófico não faz qualquer diferença em seu caráter. De fato, como assinala Ramana Maharshi, o filósofo livresco está até mesmo em piores condições do que os outros homens. Seu coração é assediado por novos apegos — dos quais o iletrado está livre — que não lhe dão tempo para dedicar-se à tarefa de descobrir o Ser real. Muitas vezes não tem nem mesmo consciência da presente necessidade de se prepararem para tal empresa, harmonizando o conteúdo de sua mente e dirigindo suas energias para o Ser, e não para o mundo. Infere-se daí que, quem conhece o Ser apenas por intermédio de livros, não conhece mais do que a gente simples. Por essa razão o Sábio compara o filósofo livresco ao gramofone. Não é melhor do que ninguém pela sua erudição, assim como o gramofone não é melhor pelas coisas que repete. 

os livros, devemos lembrar, não passam de sinais indicadores na estrada para a sabedoria, que nos liberta; logo, essa sabedoria não pode ser encontrada nos livros. O Ser que precisamos conhecer está no INTERIOR e não no exterior. Caso a sabedoria desperte, nessa oportunidade, o Ser, refulgindo em todo o seu esplendor, mostrar-se-á diretamente, sem qualquer agente intermediário. O estudo dos livros porém engendra a ideia de que o Ser é algo externo, que se precise conhecer como um objeto, por intermédio da mente. 

A vasta confusão que reina nas especulações filosóficas e teológicas é devida, diz Ramana Maharshi, a essa ignorância. Todos estão totalmente convencidos de que as questões abstrusas, referente ao mundo, à alma e a Deus, podem ser resolvidas, final e satisfatoriamente, pelas especulações intelectuais sustentadas por argumentos tirados da experiência humana COMUM, a qual é o que é, devido a essa ignorância. Filósofos e teólogos desde o início da criação — se é que houve criação — sobre a causa primeira, o modo da criação, a natureza do tempo e do espaço, a realidade ou irrealidade do mundo, a discordância entre o determinismo e o livre-arbítrio, o estado de libertação, e assim por diante, numa sucessão infinita. E NÃO CHEGAM A NENHUMA CONCLUSÃO. Ramana Maharshi explica-nos que não pode haver conclusão final — uma conclusão que não possa ser derrubada por argumentos novos, ou aparentemente novos, enunciados por outros comentadores, a menos que o Ser real SEJA ALCANÇADO. Para aquele que atingiu o Ser real, estas controvérsias chegaram ao fim. Mas para os outros, elas devem continuar, a menos que ouçam o conselho de Ramana Maharshi, cuja finalidade é fazer com que deixem de lado TODAS ESSAS QUESTÕES e se dediquem de coração a busca do Ser. Ou aceitamos o ensino dos Sábios sobre essas ESPECULAÇÕES, pelo menos à título de hipótese, DE MODO A NÃO SERMOS DESVIADOS, por elas, da nossa busca, ou reconhecemos a profunda verdade de que esses assuntos NÃO TÊM A MENOR IMPORTÂNCIA E NÃO PRECISAM DE RESPOSTAS — que a única coisa necessária é encontrar o Ser. Essas questões surgem, se é isso que acontece, apenas para aqueles que consideram a mente e o corpo como o Ser. 

Compreendemos assim, que todos os nosso sofrimentos são devidos à nossa ignorância sobre o Ser real. Devemos vencê-las se quisermos gozar a VERDADEIRA FELICIDADE, pois, a remoção da causa é a única forma de cura radical que existe. O mais é TRATAMENTO PALIATIVO, que pode até mesmo, no final de contas, SER MALÉFICO, agravando, na verdade, a doença. E só poderemos ficar livres dessa ignorância, por meio da experiência com o Ser. 

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