Muitas vezes, no intuito de ensinar, alguns instrutores vendem ensinamentos de outros - sejam esses ensinamentos adquiridos através de livros, palestras, cursos etc.- como se fossem seus. Ou seja, reproduzem a experiência alheia, comportando-se como o autêntico experimentador. Abriu mão da própria experiência, apropriou-se de um conhecimento de segunda mão e passa a ensiná-lo. Nesse plágio, os ensinamentos passam de mente em mente, como se viessem do último instrutor. Isso não passa de viagens imaginárias. Só uma mente inocente e silenciosa é capaz de absorver e expressar o inimaginável. Como estudantes e inquiridores de nós mesmos, precisamos estar cônscios dessas manobras mentais na busca da auto-afirmação e da segurança psicológica. Pois, essas coisas impedem a reta percepção e o correto pensar.(1)
Somos o resultado de uma formidável propaganda religiosa, política, comercial, etc... resultado da propaganda, propaganda do Gita, da Bíblia, do Alcorão ou das teorias de Marx e de Lenin. Eis o que somos, sem nada de original, nada de verdadeiro: entes humanos de "segunda mão". Isso é um fato: é a nossa vida.(2)
Atualmente, vocês não são indivíduos, e sim meras máquinas de imitar, produto de um certo meio cultural, um certo sistema educativo. São o corpo coletivo, não são um indivíduo, sendo isto muito óbvio. Todos vocês são hinduístas ou cristãos, isto ou aquilo, com certos dogmas, crenças, o que significa que são produto da massa. Por conseguinte, não são indivíduos. Vocês precisam estar totalmente descontentes, para poderem descobrir. Mas a sociedade não deseja lhes ver descontentes, porque teriam então vitalidade, começariam inquirir, a investigar, a descobrir e, consequentemente, se tornariam perigosos para ela.(3)
Uma das coisas mais estranhas é a facilidade com que nos deixamos influenciar. Desde pequenos somos educados como católicos, protestantes, americanos, etc. Somos o resultado de uma propaganda incessantemente repetida, e que continuamos a repetir. Somos entes humanos de "segunda mão". Por conseguinte, guardem-se de serem influenciados por este orador, já que se trata da vida de vocês, e não da vida dele.(4)
Aceita-se a palavra, a explicação, porque ela conforta; a crença conforta quando há sofrimento ou um estado de ansiedade. As explicações dadas por filósofos, psicólogos, sacerdotes, gurus, professores - é nessas coisas que as pessoas se baseiam para viver; o que significa que se vive uma vida de segunda mão e estão satisfeitas... Lê-se muito sobre o que outras pessoas pensaram, vê-se pela televisão o que está acontecendo. É sempre outrem, alguém lá fora, que diz o que se deve fazer. Com isso, a mente atrofia-se e está-se sempre vivendo uma vida de segunda mão.(5)
Nenhum livro, seja o Gita ou o Upanishads, nenhum professor ou filósofo pode lhes ensinar o que vocês são. O que os professores e filósofos podem lhes ensinar é o que eles pensam que vocês são ou deveriam ser, ou seja, a opinião deles. Por séculos e séculos vocês aceitaram a autoridade de outros, de seu guru, de sua tradição, as coisas ditas por outrem, e eis a razão por que carecem de energia, eis a razão por que estão embotados, insensibilizados e são entes humanos de segunda mão.(6
No momento, somos meros gramofones repetidores, eventualmente trocando gravações quando pressionados mas, em geral, tocando as mesmas melodias para todas as ocasiões. E é esse repetir constante, esse perpetuar da tradição, a origem do problema com todas as suas complexidades. Parecemos incapazes de escapar da conformidade, embora saibamos substituir a atual conformidade por uma outra, ou até mesmo sejamos capazes de tentar mudar o modelo atual. Trata-se de um processo constante de repetição, de imitação... e a repetição, seguramente, não irá solucionar os problemas humanos... por meio do autoconhecimento, é possível livrar-se desse eterno repetir.(7)
Permanecemos presos nas rotinas do embotamento, porque pensar com muita seriedade significa estar descontente, o que é muito doloroso; e a maioria de nós não deseja atrair tristezas. Desejamos fugir da tristeza, e por isso toda a nossa estrutura de pensamento é confusão, distração... Ser sensível significa dor; mas precisamos ser dolorosamente sensíveis, para compreender. Entretanto, procuramos nos manter do lado de fora da dor, e, evitando-a, reduzimo-nos a simples máquinas de imitação.(8)
Para a maioria dos velhos, e para as pessoas internamente deficientes e vazias, a tradição importa muitíssimo. Já observaram isso entre seus amigos, entre seus pais, seus professores? Já o terão observado em si mesmos? Logo que aparece o medo, o medo interior, vocês procuram cobri-lo com a respeitabilidade, seguindo uma tradição; e desse modo perdem a iniciativa própria. Porque não têm iniciativa e estão apenas seguindo os outros, a tradição torna-se muito importante - a tradição do que as pessoas dizem, a tradição que nos foi legada do passado, a tradição que não tem vitalidade, que é sem alma, porque é mera repetição desprovida de sentido.
Quando alguém está com medo, sempre tem a tendência a imitar. Já notaram? Pessoas que têm medo imitam outras; apegam-se à tradição, aos pais, às esposas, aos irmãos, aos maridos. E a imitação destrói a iniciativa própria.(9)
Temos exemplos, disciplinas, técnicas maravilhosas e, no entanto, os nossos corações estão vazios, porque repletos das coisas da mente. E quando vazios os nossos corações, as nossas soluções para tantos problemas são também vazias. Só a mente capaz de atenção completa sabe amar, porque esta atenção é ausência do "eu".(10)
É muito estranha esta nossa adoração dos exemplos, modelos, dos ídolos. Não queremos o que é puro, verdadeiro em si mesmo; queremos intérpretes, exemplos, mestres, gurus, para, por seu intermédio, alcançarmos alguma coisa - e tudo isso é puro absurdo, um meio de explorar a outros. Se cada um de nós fosse capaz de pensar claramente desde o começo, ou de se reeducar para pensar claramente, todos esses exemplos, mestres, gurus, sistemas, se tornariam completamente desnecessários, como realmente são.(11)
Uma palestra gravada em fita pode ser apagada e a fita utilizada novamente; mas, infelizmente, o que está gravado na "fita" do cérebro, nela vem sendo impresso há tanto tempo que se tornou dificílimo apaga-lo, para começar coisa nova. Vivemos a repetir e a repetir o mesmo padrão, as mesmas idéias e os mesmos hábitos físicos, e por essa razão nunca estamos receptivos para o que é novo.(12)
Não citem ninguém. Viver das idéias de outros é uma das coisas mais terríveis que se podem fazer. Idéias não são a verdade.(13)
Por estarmos, na maioria, condicionados por influências sociais, econômicas, religiosas, etc., somos copistas, imitadores, e por isso não ligamos importância ao que é novo, chamamo-lo revolucionário (…) Mas se pudermos examiná-lo, se o observarmos com inteira isenção de preconceitos, de limitações, então talvez seja possível nos compreender mutuamente e comungar uns com os outros. Só há comunhão quando não existe barreira alguma.(14)
Visto que a nossa mente está, em geral, narcotizada pelas idéias de outras pessoas e pelos livros, e visto que está constantemente a repetir o que outro disse, nos tornamos repetidores e não pensadores. Se citam o Bhagavad-Gita, ou a Bíblia, ou os livros sagrados chineses, por certo não fazem mais do que repetir. Não acham? E o que repetem não é a Verdade. É uma mentira, pois a Verdade não pode ser repetida. Uma mentira pode ser ampliada, encarecida e repetida, mas a Verdade não pode; e enquanto repetem a Verdade, deixa ela de ser a Verdade, e por isso são destituídos de importância os livros sagrados, uma vez que através do autoconhecimento, através de si mesmos, podem descobrir o eterno.(15)
Ignorância não significa a falta de conhecimentos técnicos, a falta de leitura de muitos livros filosóficos: ignorância é a falta de conhecimento próprio. Ainda que uma pessoa tenha lido muitos livros filosóficos e sagrados e seja capaz de citá-los, essas citações, que representam uma acumulação de palavras e experiências alheias, não libertam a mente da ignorância.(16)
A imitação jamais pode atingir a beleza, por ser contrária a vida. Toda imitação é mecânica; pertence ao mundo, da ortodoxia, da tradição, e da limitação, - ao mundo da corrupção.(17)
Só quando a mente é capaz de se livrar de todas as influências, todas interferências, de estar completamente só... existe criatividade. No mundo, cada vez mais a técnica está sendo desenvolvida – técnica de como influenciar as pessoas pela propaganda, por compulsão, pela imitação, por exemplos, pela idolatria, pela adoração do herói. Há livros inúmeros sobre como fazer uma coisa, como pensar eficientemente, como construir uma casa, como montar máquinas, e de forma que gradualmente perdemos a iniciativa, a iniciativa de pensar de forma original algo por nós mesmos. Em nossa educação, em nosso relacionamento com governo, por vários meios, somos influenciados ao conformismo e a imitação. E quando permitimos a influência que nos convença a uma atitude particular ou ação, naturalmente nós criamos resistência com outras influências. E neste processo de criar uma resistência à outra influência, nós não cedemos a isso negativamente? A mente não deve estar permanentemente em revolta a fim de entender as influências que estão sempre colidindo, interferindo, controlando, amoldando? Não é isso uma das causas da mente medíocre que é sempre medrosa e, está num estado de confusão, quer ordem, quer coerência, quer uma fórmula, uma forma que possa ser guiada, possa ser controlada, e, mas estas fórmulas, estas várias influências criam contradições no indivíduo, cria confusão no indivíduo. Qualquer escolha entre as influências é seguramente ainda um estado de mediocridade... Não deve ter a mente à capacidade, não de imitar, não de se acomodar e ser sem medo? Tal mente não deve estar só e, portanto ser criativa? Essa criatividade não é sua nem minha, é anônima!(18)
O seguir a autoridade gera temor; e o temor gera a mediocridade da mente superficial. Somos criados com base nessa idéia de que o exemplo, o herói, o santo, o guia, o guru, é necessário; e nos tornamos, assim, seguidores, sem iniciativa própria, discos de gramofone, a repetir o mesmo velho padrão. Quando nos limitamos a seguir, perdemos todo o sentimento de individualidade, a plenitude da compreensão individual, e isso, muito evidentemente, não resolve os nossos problemas... E quando submetidos à tirania do exemplo, nossa mente está apenas a se ajustar a um padrão. O padrão pode ser amplo ou estreito, mas é sempre padrão, molde, e a mente que segue um padrão é, sem dúvida, muito superficial.(19)
Alguém já se perguntou: "Posso ser uma luz para mim mesmo - não a luz de outrem, a luz de Jesus ou de Buda? Pode-se ser a luz para si mesmo? Isso quer dizer que não há sombra, pois ser uma luz para si mesmo significa que esta não é apagada por nenhum meio artificial, por circunstâncias, por tristeza, por acidente. Pode-se ser isso para si mesmo? Sim, mas só quando a mente não é desafiada porque está completamente desperta. A maioria de nós, entretanto, necessita de desafios, porque a maioria de nós está adormecida - adormecida porque fomos adormecidos por todos os filósofos, por todos os santos, por todos os deuses, sacerdotes e políticos. Adormece-se uma pessoa e ela não sabe que está adormecida: pensa que isso é normal. Um homem que quer ser a luz para si mesmo tem que se libertar disso tudo. Pode-se ser a luz para si mesmo somente quando não há "eu". Então, essa luz é a luz eterna, perene, imensurável.(20)
O que se necessita no mundo, não são meros imitadores, nem meros guias, com seguidores cada vez mais numerosos. O que se necessita atualmente são indivíduos, como vocês e eu, dispostos a pensar continuadamente em todos esses problemas, não de maneira superficial ou fortuita, porém profundamente, a fim de que a mente seja livre, para criar, para pensar, para amar.(21)
Observa-se que a maioria de nós funciona, vive e atua no campo dos padrões, dos conceitos e fórmulas, dos ideais, etc. Nossa vida se tornou mecânica, "imitativa" e um terreno de cultura da contradição entre o que é e o que pensamos que deveria ser.
Em nossa vida há conflito e desperdício de energia, energia de que necessitamos, em grande abundância, para resolvermos cabalmente os nossos problemas. Considere o enorme desperdício de energia que há no falar incessante a respeito de nada, no distrair-se continuamente com leituras; e, exteriormente, quanto desperdício de energia na produção de armamentos, viagens à lua, etc. etc.!
Cada ente humano tem problemas enormes e complexos, que cada um deve resolver sozinho, pois a solução dada por outrem não tem significação nem valor algum. Cada um tem de resolver os seus problemas e, para tal, necessita de energia que está desperdiçando em tantas atividades inúteis, vãs, estéreis; essa energia é necessária para resolver os problemas do amor, viver e da morte... Em geral, somos entes sem originalidade; vivemos do que nos dizem, somos guiados por nossas inclinações ou tendências, impelidos ou forçados pelas circunstâncias, pelo ambiente, a aceitar uma maneira condicionada de viver. Nada de original, de inédito, de claro! Sendo como somos, o resultado de influências de toda ordem, não há em nós nada de novo, coisa nenhuma por nós mesmos descoberta. O descobrimento é um processo vivo, constante; não temos de descobrir, para guardar o que descobrimos e ficar vivendo de acordo com isso.(22)
Cada um de nós tem de ser ao mesmo tempo instrutor e seguidor, isto é, tem de aprender, não dos livros, nem de outra pessoa, porém, pela compreensão de seu próprio processo pensante. E, para compreendê-lo profundamente, descobrir a verdade respectiva, temos de rejeitar toda espécie de autoridade e de concordância ou discordância; porque, quando estamos examinando alguma coisa, não pode haver opiniões a seu respeito, baseadas na concordância ou na discordância. Estamos tratando de fatos, e não de opiniões, que só levam a debates dialéticos, sem valor nenhum. Temos de compreender como é que pensamos e qual é a natureza do pensar... Compreendendo o pensamento, talvez compreendamos a natureza do tempo e alcançaremos aquele estado de amor e de beleza. Porque, sem o amor e a beleza, não existe verdade... Temos que descobrir por nós mesmos, porque, então, o descobrimento será autêntico, real. Há uma enorme diferença entre aprender e acumular conhecimentos. É relativamente fácil acumular conhecimento;... Temos de aprender sem a preocupação de acumular.(23)
(1) Krishnamurti (2) Viagem por um mar desconhecido (3) Da solidão à Plenitude Humana (4) Fora da Violência (5) Perguntas e Respostas (6) O Novo Ente Humano (7) Sobre Relacionamentos (8) Da Insatisfação à Felicidade (9) O Verdadeiro Objetivo da Vida (10) Da solidão à Plenitude Humana (11) Da solidão à Plenitude Humana (12) Krishnamurti (13) Fora da Violência (14) Que Estamos Buscando?, pág. 115-116 (15) Uma Nova Maneira de Viver (16) A arte da libertação (17) O Senhor do Dia de Amanhã (18) O Livro da Vida (19) Da solidão à Plenitude Humana (20) Perguntas e Respostas (21) Novos Roteiros em Educação (22) A Essência da Maturidade (22) A Essência da Maturidade
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