autoconhecimento
Desprograme-se!
“A vida não observada, não examinada, não vale a pena ser vivida, porque não é vida” dizia Sócrates.
É contraproducente fazer esforço para mudar, pois o que vai nos transformar é a verdade: temos de observar a verdade para compreender que nossa programação não permite que sejamos nós mesmos.
É preciso reconhecer todas as reações que surgem quando se olha para uma pessoa, para uma paisagem ou para si mesmo. É necessário observar como se costuma reagir ante determinadas situações.
Deve-se olhar com objetividade, como se fosse outra pessoa observando, tomando consciência do que acontece dentro e fora de si mesmo, com toda a atenção (como ao dirigir um carro). Isso deve ser feito sem julgamento qualitativo, porque, se dermos rótulos às coisas, não as veremos como elas são. É necessário entender as coisas, sem qualquer tipo de pré-julgamento.
Precisamos compreender que, com a palavra, ou com o pensamento, temos o costume de rotular as coisas e as pessoas, e depois, como conseqüência disso, passamos a viver o personagem do rótulo, e não a pessoa em si.
Pôr-se em contato com a realidade é olhar para ela sem querer interpretá-la nem mudar nada, deixando que a realidade modifique a ordem das coisas, brilhando por si mesma.
Se não mudamos espontaneamente, é porque resistimos a isso. No momento em que descobrirmos os motivos da resistência, sem reprimi-la nem rejeitá-la, ela desaparecerá sozinha. Quando existe sensibilidade em nós, não é preciso violência para conseguir as coisas de que necessitamos, pois tudo é resolvido através do entendimento e da compreensão. E seremos até surpreendidos ao ver como as coisas se resolvem de acordo com a nossa compreensão da realidade, sem que tenhamos de lutar contra ela.
O reconhecimento da realidade é um convite ao crescimento pessoal e à mudança.
“Mudar é impossível. Permaneçam como estão. Ame a si mesmo tal como são. Não queiram mudar. Se a mudança de alguma coisa for possível, ela ocorrerá por si mesma, quando e se quiser.
Deixem-se a si mesmos em paz”.
Desprograme-se!
É muito importante você reconhecer que até agora foi um ioiô, subindo e descendo de acordo com os problemas, os desgostos ou depressões que enfrenta; que foi incapaz de manter um nível de estabilidade. É preciso aceitar que passa a vida à mercê de outras pessoas, de coisas ou de situações. Que está sendo manipulado ou que pode manipular os outros, as coisas e as situações. Que não é dono de si mesmo, nem consegue olhar as situações com sossego, sem pressa nem ansiedade.
Toda essa atitude depende apenas de nossa programação. Nós somos programados desde a infância pelas conveniências sociais, pelo que chamam de educação, ou cultura. Assim, vivemos dentro de uma programação, e damos as respostas esperadas, diante de determinadas situações, sem parar para pensar o que existe de correto na situação e se ela está de acordo com o que nós somos de verdade. Damos uma resposta habitual e mecânica.
Somos programados conforme um conjunto de idéias convencionais e culturais, que tomamos como verdades, quando não o são. Por exemplo, a ideia de pátria, de fronteiras e de hábitos culturais, que inclusive nos levam a conflitos bélicos, quando nada têm a ver com a realidade.
Quando somos produtos de nossa cultura sem questionar coisa alguma, nós nos transformamos em robôs. A cultura, a religiosidade e as diferenças raciais, nacionais ou regionais foram impressas na nossa mente, e nós as interpretamos como se fossem reais.
Fácil e Difícil
Precisamos nos libertar de nossa história e da programação a que fomos submetidos para poder responder por nós mesmos. Só o que nasce de dentro para fora é autentico e pode nos libertar. Só podemos assumir e considerar como nosso, alcançando assim a liberdade, aquilo que vem de dentro.
“Conta-se que existia um grande professor chamado Buso, que era casado e tinha uma filha. Todos da família eram conhecidos por sua grande sabedoria e santidade. Um dia, um homem aproximou-se do professor e perguntou: ‘A iluminação é fácil ou difícil? E Buso respondeu: ‘É tão difícil quanto chegar à Lua’. Inconformado, o homem foi falar com a mulher de Buso e lhe fez a mesma pergunta. Ela respondeu: ‘É muito fácil. Tão fácil quanto tomar um copo d’água’. O homem ficou intrigado e, para livrar-se das dúvidas, fez a mesma pergunta à filha do professor, que lhe respondeu:’Ora, se o senhor torna as coisas difíceis, é difícil, mas se facilita tudo…
Difícil mesmo é a capacidade de ver, isto é, de ver com simplicidade, com sinceridade, sem nos enganar porque ver significa mudar, ficar sem nada a que se agarrar. E nós estamos acostumados a procurar apoio, a andar com muletas. Quando chegamos a ver com clareza, temos de voar. E voar significa nada temer, andar sem se agarrar a coisa alguma. Precisamos desmontar a tenda em que nos refugiamos e continuar pelo caminho que está adiante de nós, sem procurar apoio.
O pavor maior reside justamente na aniquilação de todo tipo de medo, já que ele sempre é o manto no qual nos envolvemos para não ver e não sermos vistos. É duro deixar tudo para trás e enfrentar a felicidade, quando não queremos ser felizes a esse preço. Neste caso, trata-se de uma felicidade que deve ser expressada por nós mesmos, sem esperar que nos seja entregue já pronta e embrulhada para presente. Embora todos digamos que procuramos pela felicidade, na verdade não queremos. Preferimos voltar ao ninho ao invés de voar, porque temos medo. E o medo é uma sensação que todos conhecemos, enquanto a felicidades é desconhecida.
A primeira coisa que o bom terapeuta deve entender é que as pessoas que a ele recorrem não procuram a cura, mas o alívio; elas não querem mudar, porque a mudança nos expõe e compromete.
É como aquele que estava mergulhado numa fossa, com sujeira até a altura do queixo, cuja única preocupação era que ninguém aparecesse para fazer chacotas, não se importando em ser ou não tirado dali. O problema, portanto, é que a grande maioria das pessoas compara a felicidade com a conquista dos objetos que desejam, quando, ao contrário, a felicidade reside precisamente na ausência dos desejos, e no fato de pessoa alguma ter poder sobre nós.
Anthony de Mello
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