Do surgimento da Consciência Cósmica
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Do surgimento da Consciência Cósmica


Como ficou dito, ou implícito, para que um homem possa adquirir a Consciência Cósmica tem que pertencer ao nível mais alto do mundo da Autoconsciência. Não é que ele necessite possuir um intelecto extraordinário (essa faculdade em geral é sobrestimada e nessa questão não parece ser tão importante quanto as outras), embora tampouco possa ser um deficiente. Necessita ter boa compleição física, boa saúde, e acima de tudo deve possuir uma natureza moral exaltada, fortes simpatias, um coração cálido, coragem, força, extraordinário sentimento religioso. Quando tudo isso foi alcançado e o homem atingiu a idade necessária para chegar ao topo da autoconsciência mental, então, um dia, surge a Consciência Cósmica. Qual é a sua experiência? Devemos desconfiar um pouco dos detalhes, pois esse escritor só os conhece em poucos casos e o fenômeno é sem dúvida variado e diverso. O que aqui expomos é verdadeiro quanto a certos casos e provavelmente aproxima-se da verdade absoluta em outros, de modo que pode ser aceito como correto. 

a) De repente, sem aviso prévio, a pessoa tem a sensação de estar envolta por uma chama ou nuvem rosa, ou talvez a impressão de que a própria mente está cheia dessa nuvem de neblina.

b) No mesmo instante, ele sente-se invadido por uma emoção de alegria, segurança, triunfo, "salvação". Essa última palavra não deve ser tomada em seu sentido comum, pois o sentimento, quando totalmente desenvolvido, não expressa aquele ato particular de salvação, mas uma salvação não especialmente necessária, pois o esquema de construção do próprio mundo basta para isso. Esse êxtase, que ultrapassa qualquer outro pertencente à vida meramente autoconsciente, invade os "poetas" e ocupa suas vidas, tal como ocorre com Gautama, em seus discursos preservados nos "Suttas", com Jesus, nas "Parábolas", com Paulo, nas "Epístolas", com Dante, no fim do "Purgatório" e começo do "Paraíso", com Shakespeare, nos "Sonetos", com Balzac, em "Serafita", com Whitman, em "Folhas", com Edward Carpenter, em "Rumo à Democracia", deixando aos "cantores" os prazeres e penas, amores e ódios, alegrias e tristezas, a paz e a guerra, a vida e a morte do homem autoconsciente. Embora os "poetas" também possam tratar desses assuntos, fazem-no do novo ponto de vista, como está expresso em "Folhas": "Jamais voltarei a referir-me, dentro de uma casa, ao amor ou à morte" (193: 75) — isto é, do antigo ponto de vista, com as antigas conotações. 

c) Acompanhando simultânea ou instantaneamente a sensação acima referida e as experiências emocionais, surge na pessoa uma iluminação intelectual impossível de ser descrita. Como um clarão, apresenta-se à sua consciência uma clara concepção (uma visão) do sentido do universo. Não se trata simplesmente de crer; mas ele vê e sabe que o cosmo, o qual para a mente consciente parece ser formado por matéria morta, na verdade é uma presença viva. Vê que os homens, ao invés de serem remendos da vida, espalhados pelo infinito mar de substância não-vivente, são, na verdade, partículas de morte relativa no infinito oceano da vida. Vê que a vida que se acha no homem é eterna, como toda vida é eterna; que a alma do homem é tão imortal como Deus; que o universo está tão bem construído e ordenado que todas as coisas funcionam juntas, sem incertezas, para o bem de cada uma delas e do conjunto; que o princípio fundamental do mundo é aquilo que chamamos amor e que a felicidade de cada indivíduo é, a longo prazo, inevitavelmente certa. A pessoa que passa por essa experiência aprenderá, em poucos minutos, mais do que seria possível em meses ou mesmo anos de estudo, e muitas coisas que nenhum estudo poderia ensinar. Ela obtém, especialmente, a concepção do Todo, ou pelo menos de um imenso TODO que ultrapassa qualquer concepção, imaginação ou especulação oriunda da autoconsciência comum. Tal concepção torna pobres e mesmos ridículas as antigas tentativas para mentalizar o universo. 

Esse despertar do intelecto foi muito bem descrito por um escritor, falando sobre Jacob Behmen, com as seguintes palavras: "Os mistérios sobre os quais ele falava não se referiam a ele, ele os OBSERVAVA. Ele viu a raiz de todos os mistérios, O QUE ESTÁ POR BAIXO, de onde brotam todos os contrastes e princípios discordantes, a rigidez e a maleabilidade, a severidade e a complacência, a doçura e o amargor, o amor e a pena, o céu e o inferno. Ele viu tudo isso em sua origem e tentou descrever em sua essência e encontrar uma correspondência com os resultados eternos. Ele os viu no ser de Deus; daí o nascimento ou crescimento da manifestação divina. A natureza mostrou-se a ele sem véus — ele sentiu-se em casa, no âmago das coisas. O seu próprio livro, que era ele mesmo (tal como Whitman: "Isso não é um livro; quem o toca, toca um homem"), o microcosmo do homem, com sua tripla vida, evidenciou-se para ele" (79. 852)

d) Juntamente com a elevação moral e a iluminação intelectual vem o que deve ser chamado, por falta de melhor termo, de uma consciência da imortalidade. Não se trata de uma convicção intelectual, como ocorre quando da solução de um problema, ou de uma experiência como o aprendizado de algo que antes desconhecíamos. É bem mais simples e elementar e poderia melhor ser comparado à certeza de uma individualidade distinta, que cada um possui, que advém com e pertence à autoconsciência.

e) Com a iluminação, o medo da morte, que assalta a tantos homens e mulheres ao longo de suas vidas, desaparece; não como resultado de um raciocínio, e sim, apenas, porque se desvanece. 

f) Podemos dizer o mesmo sobre a consciência do pecado. Não é que a pessoa escape do pecado, mas ela não vê no mundo pecado do qual deva esquivar-se. 

g) Uma das características mais especiais da iluminação reside de fato de ser instantânea. Só podemos compará-la a um clarão de luz na escuridão da noite, revelando a paisagem que se achava escondida.

h) O caráter anterior do homem que atinge a nova vida é um elemento importante do caso.  

i) Assim também ocorre com a idade em que se dá a iluminação. Se, por exemplo, ouvimos referências a um caso de consciência cósmica ocorrido aos vinte anos, em princípio deveríamos duvidar da veracidade do relato e, caso nos víssemos obrigados a dar-lhe crédito, deveríamos pensar que esse indivíduo, caso vivesse, seria um verdadeiro gigante espiritual. 

j) O encanto acrescentado à personalidade da pessoa que alcança a consciência cósmica é sempre uma característica do caso. 

i) Ao escritor parece evidente que, com a consciência cósmica, como se apresenta no instante em que ocorre e um certo tempo depois, há uma mudança na aparência do sujeito que passa pela iluminação. Esta mudança é semelhante à provocada em uma pessoa que passa por grande alegria. Mas, em certos casos (os mais pronunciados), parece ser bem mais notável do que isso. Nesses grandes casos, nos quais a iluminação é intensa, a mudança citada também é intensa e pode chegar a ser uma autêntica "transfiguração". Dante diz que foi "trans-humanizado em Deus". Não se pode, absolutamente, pôr em dúvida que se ele tivesse sido visto naquele momento, teria demonstrado os sinais do que chamamos "transfiguração". 

Richard Maurice Bucke em, Consciência Cósmica - estudo da evolução da mente humana. 




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