autoconhecimento
Habitar no deserto antes de se dar a conhecer
Nós estamos iniciando um trabalho sobre os símbolos da vida e começamos por ouvir um cântico que diz "habitar no deserto antes de nos darmos a conhecer", porque nós temos muita pressa de nos manifestar, temos muita pressa de nos dar a conhecer, de inspirar os outros, de mandar nos outros mas, isto tudo, não acaba bem quando a gente ainda não atravessou o deserto. Então, o cântico está chamando atenção para isto. Nós quando estamos no caminho espiritual, temos uma grande necessidade de alimento espiritual, temos uma avidez interior da consciência que não se contenta mais com as coisas do mundo, nem com as coisas da vida; a consciência não se satisfaz mais com aquele ensinamento que vem de fora, por mais correto que ele possa ser, por mais real que ele possa ser, mas nós chegamos num ponto que não nos satisfazemos mais com isso e, ao mesmo tempo, nós não temos ainda aquela possibilidade de nos nutrirmos e de encontrar este ensinamento, esta força, dentro de nós. É um momento intermediário este, porque todos nós deixamos de nos contentar com as coisas do mundo e da vida, sempre um pouquinho antes de conseguirmos a verdadeira Vida, de conseguirmos a coisa que estamos buscando. Todos passam por isso. E esse trecho do nosso caminho, no qual nada de fora nos satisfaz mais, mas ainda não temos aquilo de dentro, fluente, ainda não temos aquilo disponível, isto é que se chama "O deserto — atravessar o deserto". Mas, nós só chegamos nisso, nesta situação, depois que estamos realmente decididos a sermos guiados internamente.
E não temos outra decisão a tomar porque não se encontra mais guia aqui fora, não se encontra mais nada o que satisfaça realmente. E fica este intervalo, fica este hiato, fica este deserto, fica este trecho de caminho que nós temos que fazer, porque neste trecho do caminho aonde a gente não é nem uma coisa e nem outra, aonde a gente não encontra o que quer e não sabe onde buscar, ou sabe onde buscar e quando vai buscar lá não vem, nós precisamos de atravessar este deserto, nós precisamos desta situação, porque é nesta situação que nós vamos comprovar se somos perseverantes. É nesta situação que nós vamos comprovar para nós mesmos se a nossa fidelidade já está madura, já está treinada. Porque se, a nossa fidelidade é falsa, e se a nossa perseverança era artificial, ou era de um principiante, neste deserto, isto fica claro e, então, esta travessia não prossegue, não se dá e então nós passamos a viver situações intermediárias de compromisso até que estejamos prontos para uma nova prova e para um novo impulso. Se nós permanecemos nesta situação — e só na fé podemos estar ai, não — de precisarmos de uma coisa que deve vir de dentro e isto ainda não vem e fora nada corresponde, e se nós perseveramos, se nós não desistimos, e no momento que a gente decide continuar e prosseguir, apesar de tudo, neste momento, o deserto acaba. Neste momento começa a vir aquilo que tem que vir de dentro e isto é imperceptível, isto não dá sinais, não, e quando a gente percebe... Está chegando! Quando a gente percebe está vindo!
Enquanto nós não passamos por esta prova, tudo que nós passamos para os outros não é verdadeiro, não é comprovado em nós e o outro não sente segurança naquilo que a gente está passando, porque a gente ainda não atravessou o deserto. Então, nenhum de nós pode garantir se realmente é fiel e nenhum de nós pode garantir se é realmente perseverante, se é verdadeiro aquilo que diz ser. E o outro percebe isto! E não tem um referencial real, não recebe uma força que ele precisa, que ele necessita. E é bom que nós tenhamos isto claro para não decepcionarmos o outro neste ponto da fé e da perseverança, num momento em que o outro está numa situação critica, difícil para ele, e numa situação na qual nós já passamos. E sabemos que nestas situações de transição é bom que a gente não seja desestimulado, é bom que nossa parte melhor seja reforçada. Isto que constrói esta base sólida, isto que nos ajuda a atravessar este deserto e a darmos ao outro uma força e ajudarmos um outro em tudo aquilo que ele precisa, isto tudo é baseado na gratidão. Quem não tem gratidão pelo próprio processo, quem não tem gratidão pelas próprias provas pelas quais passa, não encontra jamais esta base em si. Então, a gratidão não se vai aprender nesta etapa; nós atravessamos o deserto, corretamente, sem fraquejarmos, quando já temos de fases anteriores, a gratidão treinada, a gratidão desenvolvida, a gratidão estabelecida em nós. Porque é só a gratidão que faz nós atravessarmos estas provas como se elas não pudessem nos abalar, como não podem mesmo nos abalar. São provas pelas quais nós passamos para o nosso crescimento; nós passamos pelas provas para crescermos espiritualmente, para desenvolvermos internamente. E, se dentro de uma prova, nós não somos gratos a ela, nós jamais teremos esta força, jamais teremos esta fidelidade de atravessar um deserto , jamais atravessaremos estas etapas de não saber onde estamos — que isto acontece ao longo do caminho espiritual — e de não saber como ter o alimento necessário. E aqui é preciso esta gratidão, já estabelecida no ser, gratidão que nós treinamos em outras etapas, treinamos diante de outras circunstâncias, de outras vivências, não é? E também, este firme propósito de não desviarmos da meta. Esta decisão de não sair do caminho, com o que quer que aconteça, e vai acontecer aquilo que pra nós é a coisa mais difícil... Então, vai acontecer uma coisa diferente para cada um. A prova para ver se você não desiste, vai ser diferente para cada um; porque esta prova é aquela mais dura para você. O plano escolhe a coisa que mais poderia te fazer retroceder e te dá aquilo e aquela é a sua prova. E ali você tem que comprovar a si mesmo que você é firme, isto é, que você é, que você não depende do outro, que você não depende do que o outro faz, o outro te faz aquilo que pra você é a coisa pior, ele está naquele papel e as circunstâncias estão naquele papel. Então, ali, você tem que ser firme, ali você tem que dizer: "Eu prossigo, eu prossigo, independentemente disto, apesar disto, eu prossigo!" Porque isto não tem a menor importância, tudo isto não tem a menor importância. O que tem importância é que você prossiga, nada mais!... O que se passou, o que se passa, o que você está sentindo, o que você está pensando, tudo isto não tem a menor importância diante deste ponto, de você prosseguir apesar de tudo. Este que é o ponto! E este é o ponto deste cântico, isto é o que está atrás deste cântico. E claro que ele não nos deixa assim, mas ele diz, em seguida, que nos mundo internos está a fonte do ensinamento. Você vá para o seu interior, você vá para dentro de si, de uma vez por todas, deixe de ficar esperando que isto venha de fora, ou que isto venha de alguém, de uma vez por todas, deixe disto e vá buscar o que você precisa, o ensinamento, o ensinamento para a vida, a forma de viver, a forma de estar na vida, você vá buscar tudo no seu interior. Isto é o que este cântico está trazendo para nós nesta altura.[...]
Trigueirinho em, Experiência do Deserto (palestra em áudio)
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