Krishnamurti — A verdade não está no isolamento
autoconhecimento

Krishnamurti — A verdade não está no isolamento



Interrogante: Podemos amar a verdade sem amar o homem? Podemos amar o homem sem amar a verdade? O que vem primeiro?
Krishnamurti: Senhor, sem dúvida o amor vem primeiro. Porque, para amar a verdade, você precisa conhecer a verdade, e conhecer a verdade é negá-la. O conhecido não é a verdade porque o conhecido já está inserido no tempo; deixa, portanto, de ser a verdade. A verdade está em constante movimento e, por isso, não pode ser avaliada em termos de tempo ou de palavras; você não pode empunhá-la. De forma que amar a verdade é conhecê-la — você não pode amar algo que desconhece. A verdade, porém, não é encontrada nos livros, na idolatria, nos templos. É encontrada na ação, no ato de viver, no ato de pensar; sendo assim, o amor vem primeiro — o que é óbvio — a própria busca do não-conhecido é em si mesma amor e você não pode buscar o não-conhecido sem estar em relação com os outros. Você não pode buscar a realidade, Deus, ou o que seja, isolando-se. Você só pode encontrar o não-conhecido no relacionamento, somente quando o homem está em relação com o homem. Por conseguinte, amar o homem é buscar a realidade.
Sem amar o homem, sem amar a humanidade, não pode existir a busca do real; porque quando o conheço — pelo menos, quando tento conhecê-lo em virtude de um relacionamento — nesse relacionamento estou começando a conhecer a mim mesmo. O relacionamento é um espelho no qual vou descobrindo a mim mesmo, não meu "eu" superior, mas todo o processo global de mim mesmo. O "eu" superior e o "eu" inferior ainda estão contidos no campo da mente e sem entender a mente, aquele que pensa, como posso ir além do pensamento e descobrir? O relacionamento em si constitui a busca do real porque é o único contato que tenho comigo mesmo: portanto, a compreensão de mim mesmo através do relacionamento é o começo da vida, não há dúvida. Se eu não sei como amar você, você com quem estou relacionado, como posso buscar o real e, por conseguinte, amar o real? Sem você, eu não existo, existo? Eu não posso existir apartado de você, eu não posso existir no isolamento. Portanto, em nosso relacionamento, no relacionamento entre mim e você, começo a entender a mim mesmo e o entender a mim mesmo constitui o começo da sabedoria, não é mesmo? Por isso, a busca do real é o começo do amor através do relacionamento. Para amar algo você precisa conhecer esse algo, precisa entendê-lo, não é assim? Para eu amar você preciso conhecê-lo, preciso observar, preciso ser receptivo a todos os seus humores, suas mudanças e não meramente me enclausurar em minhas ambições, buscas e desejos. E ao conhecer você, começo a descobrir a mim mesmo. Sem você, não posso ser e se não entendo essa relação entre mim e você, como pode existir amor? E, sem dúvida alguma, sem amor não existe busca, existe? Você não pode dizer que precisamos amar a verdade porque, para amar a verdade, você precisa conhecê-la. Você conhece a verdade? Você sabe o que é a realidade? A partir do momento que você conhece alguma coisa, essa coisa já passou, não é mesmo? Já se situa no campo do tempo e portanto cessa ser verdade.
Nossa questão é a seguinte: como pode um coração empedernido, um coração vazio, conhecer a verdade? Não pode. A verdade não é algo distante. Está muito próxima, mas não sabemos como procurá-la. Para procurá-la, precisamos entender o relacionamento, não somente com o ser humano, mas com a natureza, com as idéias, assim como a minha relação com você; e para que haja entendimento é preciso, claro, que haja abertura. Se quero entender você, preciso estar aberto a você, preciso estar receptivo, não posso esconder nada, não pode existir um processo de isolamento. No entendimento existe verdade e para entender é preciso haver amor, porque sem amor não pode haver entendimento. Portanto, não é nem o homem nem a verdade que vem primeiro, mas o amor; e o amor somente se concretiza num relacionamento compreensivo, o que significa estar aberto ao relacionamento e, portanto, aberto à realidade. Não podemos convidar a verdade a vir — ela deve vir até você. Buscar a verdade é negar a verdade. A verdade vem a você quando você está aberto, quando está completamente livre de barreiras, quando o pensador deixa de pensar, de criar, de fabricar, quando a mente se encontra muito quieta — não coagida, não drogada, não hipnotizada por palavras, por repetições. A verdade tem de vir. Quando o pensador sai no encalço da verdade, está meramente perseguindo seu próprio ganho. Portanto, a verdade o evita. O pensador só pode ser observado através do relacionamento; e para entender é preciso haver amor. Sem amor não há busca.  

Krishnamurti — Bombaim, 8 de fevereiro de 1948
— Collected Works of J. Krishnamurti —




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