NORMOSE - A doença de nosso século
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NORMOSE - A doença de nosso século





Todo mundo quer se encaixar num padrão. Só que o padrão propagado não é exatamente fácil de alcançar. O sujeito “normal” é magro, alegre, belo, sociável, e bem-sucedido. Bebe socialmente, está de bem com a vida, não pode parecer de forma alguma que está passando por algum problema.


Quem não se “normaliza”, quem não se encaixa nesses padrões, acaba adoecendo. A angústia de não ser o que os outros esperam de nós gera bulimias, depressões, síndromes do pânico e outras manifestações de não enquadramento.
A pergunta a ser feita é: quem espera o quê de nós? Quem são esses ditadores de comportamento que “exercem” tanto poder sobre nossas vidas?


Nenhum João, Zé ou Maria bate à sua porta exigindo que você seja assim ou assado. Quem nos exige é uma coletividade abstrata que ganha “presença” através de modelos de comportamento amplamente divulgados.


A normose não é brincadeira.


Ela estimula a inveja, a auto-depreciação e a ânsia de querer ser o que não se precisa ser. Você precisa de quantos pares de sapato? Comparecer a quantas festas por mês? Pesar quantos quilos até o verão chegar?


Então, como aliviar os sintomas desta doença? Um pouco de auto-estima basta.


Pense nas pessoas que você mais admira: não são as que seguem todas as regras bovinamente, e sim, aquelas que desenvolveram personalidade própria e arcaram com os riscos de viver uma vida a seu modo.


Criaram o seu “normal” e jogaram fora a fórmula, não patentearam, não passaram adiante. O normal de cada um tem que ser original. Não adianta querer tomar para si as ilusões e desejos dos outros. É fraude. E uma vida fraudulenta faz sofrer demais.


Eu simpatizo cada vez mais com aqueles que lutam para remover obstáculos mentais e emocionais e tentam viver de forma mais íntegra, simples e sincera. Para mim são os verdadeiros normais, porque não conseguem colocar máscaras ou simular situações. Se parecem sofrer, é porque estão sofrendo. E se estão sorrindo, é porque a alma lhes é iluminada.


Por isso divulgue o alerta: a normose está doutrinando erradamente muitos homens e mulheres que poderiam, se quisessem, ser bem mais autênticos e felizes.




Freud já dizia, no início do século, que nossos hábitos são o resultado de normas inconscientemente introjetadas. O que significa que agimos mais ou menos robotizados. Até certo ponto, isto representa uma economia de energia. Não dá para refletir sobre cada movimento que fazemos diariamente. Hábitos são resultado de consensos que, por sua vez, vão gerar normas – normas de vida, normas alimentares, normas de pensamento, normas políticas.


Só que nem todas as normas são boas. Existem aquelas que levam à doença, ao conflito, à morte. E aí é que a norma leva à normose , ou seja, uma doença mental para além da neurose e da psicose e que ainda não foi descoberta pela psiquiatria e talvez, por isso mesmo, ainda não tenha sido classificada pelo PIB.


Alguns exemplos de normose: o cigarrinho depois (ou antes) do cafezinho. Além de viril, o cigarro confere um ar de desenvoltura àquele que fuma. E o chopinho da sexta feira? Este é sagrado, não é? Não mata, mas pode dar uma barriguinha. E a capirinha? E o baseado? Não tem problema, todo mundo faz! Por que não? E depois, o que vão pensar de mim?


A normose leva a hábitos inconscientes perniciosos, como o hábito natural de comer arroz polido, pão branco, café, carne, açucar branco, ovos com hormônio, tranquilizantes, mania de remédios , som bem alto, etc., etc. A normose na agricultura leva ao hábito dos agrotóxicos, das queimadas, da crença de que a fertilidade da terra é inesgotável; na educação, gera métodos de ensino que levam à produção de autômatos em série; na política, a prática normal da corrupção pela ausência natural de valores éticos; na relação entre os sexos, o machismo, que é a crença numa supostamente natural superioridade do homem sobre a mulher.


E, finalmente, a normose na ciência ( ficou por último, mas não por acaso), e que pode estar na base de uma crença generalizada na separatividade, que, sob a forma de dualismo, gera distorções básicas na percepção da realidade. Um exemplo disso é a exigência de “objetividade”, em teses e pesquisas do estudo acadêmico, que elimina a percepção singular do sujeito em favor daquilo que todos vêem no objeto. Como se isso fosse possível... mas, assim é o método científico. Onde está o sujeito que sente, percebe, opina, julga, escolhe? O cientificismo o descarta sumariamente...


Outro exemplo de normose geral que atinge toda a humanidade é a de considerar como normal o uso das guerras para resolver conflitos e desavenças entre nações. Existe até um conceito jurídico de "guerra justa" que sanciona esta normose bellígena.


Esta última normose é ainda reforçada por outra normose que faz com que os povos acreditem piamente serem proprietárias da terra que ocupam, levando demasiadamente a sério as fronteiras e os limites territoriais. Esquecem que todas as fronteiras que nascem os conflitos violentos, que seja fronteiras territoriais, ideológicas, epistemológicas, políticas ou religiosas.


O próprio sentimento de propriedade é também produto de uma normose geral. Podemos em última instância considerar-mos como proprietários de objetos que todos são constituídos de materiais provindo da terra? Somos proprietários da Terra?


Uma das causas essenciais da destruição ecológica é a normose de posse da Terra. Até muito recentemente a humanidade inteira se conduzia como se fosse proprietária da Terra, achando que podia explorá-la indefinidamente. Aliás a crença de que os recursos naturais são inesgotáveis também é uma normose geral em plena regressão.


Mais uma causa fundamental de destruição da vida no nosso Planeta é a Normose Consumista já conhecida sob o termo de Consumismo. É ela que deu ensejo ao aparecimento do novo conceito econômico de Desenvolvimento Sustentável ou melhor ainda Viável. A Normose consumista transforma a população do mundo num verdadeiro formigueiro destrutivo da vida no Planeta.


Quais são as consequências da normose da separatividade? O sujeito se vê separado do objeto e vai percebê-lo através de sensações de prazer ou desprazer . Freud detectou isso na relação mãe-filho(a) e percebeu a importância, a nível psíquico, do fator emocional na separação do corpo materno. A partir dessa separação originária (que também é uma crença ) definem-se 3 caminhos possíveis de relação com o outro/objeto (mãe, pai, irmão, amigos, namorado(a), marido, esposa, etc.) : o apego, a recusa ou a indiferença. Nem é preciso dizer que cada um desses sentimentos gera uma multiplicidade de outros mais, como o ciúme, a rivalidade, a raiva, o desprezo, a possessividade, a competição, a depressão, o isolamento, o medo...


A crença na separatividade acabou levando a uma verdadeira mutilação do sentimento de inteireza de si mesmo, pela hiper valorização do uso do hemisfério cerebral esquerdo, responsável por nossas funções racionais, lógicas e analíticas. O hemisfério direito, sede de nossas intuições, pensamentos criativos e sintéticos, acabou caindo em desvalia, para prejuízo de nosso sentimento de inteireza.


Ora, saúde requer integração, e não divisão. Um corpo saudável não funciona apenas com alguns órgãos. Imaginem se um normotico de carteirinha decide que a partir de agora vai usar apenas os órgãos superiores do corpo, desprezando os outros. Não é o que acontece com nossas funções intelectuais em detrimento das imaginativas? Aquelas são sérias, estas nem tanto...


A integração de nossas funções psíquicas (Razão, Emoção, Intuição e Sensação) vai ao cerne da normose, desafiando a crença na separatividade, na medida em que reconecta o ser à sua inteireza, à sua unicidade. A normose coletiva que nos limita e condena à parcialidade alienante pode ser o maior desafio que nosso século esteja enfrentando. Porque falta o coração na ciência, na política, na vida...


A consciência tem vários níveis de percepção do real e o interpreta subjetivamente. Portanto, objetividade é pura subjetividade. Não possui nenhum estatuto de garantia da verdade. É apenas uma interpretação possível entre outras. O que vai determinar sua singularidade é o estado (nível) de consciência onde a percepção atua.


Analisando nosso cotidiano, é perceptível o nível de normose que a população em geral se encontra. Greves, transporte público de péssima qualidade e mesmo assim, todos são obrigados a pagar pelo uso sem reclamar...mas e por que ninguém reclama? porque isto é o ''normal''. Todos os dias as pessoas se submetem a isto por acharem que é normal viver nesta condição. 


Todos reclamam da corrupção no país, e por que ninguém faz nada? porque acham que a vida é assim mesmo, afinal, tem até programas na televisão que ajudam a descontrair esta realidade hipócrita que todos vivem, através de seus programas imbecís de humor de quinta categoria...e por que as pessoas assistem a estas porcarias? por que riem desta patifaria e da realidade tragicômica? porque é normal... mas o pior...todos acham que ter MEDO é normal...sim, pois se todos agirem para ter mudanças sociais a polícia estará do lado do governo como sempre...e por que ninguém questiona tudo isto? porque é normal viver como gado... 


Copa do mundo no Brasil? salários gigantes para jogadores de futebol que são supervalorizados exatamente porque distraem a população para que ninguém pense na realidade cotidiana, ensino público e atendimento público de saúde de péssima categoria e por que ninguém questiona? ah, porque é normal calar a boca e viver a vida empurrando com a barriga...


Texto introdutório de Michel Schimidt e Mani Alvarez.
Créditos: NORMOSE OU ANOMALIAS DA NORMALIDADE (Pierre Weil)








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