Nossa sociedade, o outsider e o “eu” renegado
autoconhecimento

Nossa sociedade, o outsider e o “eu” renegado


Você imaginava que os primeiros hippies da costa californiana no Pacífico eram taoístas? Estas pessoas levavam a sério a rejeição do condicionamento por parte da sociedade – mas quando a contra-cultura se espalhou, a idéia do wu wei se diluiu. Isto degenerou e passou a significar “não fazer nada”. Desta forma cada vez mais vadios uniram-se ao círculo dos hippies, dos preguiçosos e das pessoas que se desligavam da sociedade por causa dos próprios delitos. Este tipo de pessoas reduziam a sabedoria do Tao a um álibi para uma vida boêmia. Certamente surge a pergunta sobre nossa posição nos mecanismos da sociedade, na vida profissional, quando interiormente nos libertamos da autoridade estranha e enxergamos livremente e sem distorções a verdadeira realidade de nossa vida. Por isto quero ocupar-me neste capítulo com outsiders, com a ideia de uma vida alternativa. Vamos averiguar se “alternativa” não é apenas um outro nome, um sinônimo para um método mais secundário de estar comprometido. Toda ideia, nobre e liberal pôr mais que pareça, requer uma classificação em suas regras ou não-regras. Não-regras significa seguir a renegação, ou seja, a exigência de não fazer isto ou aquilo (por exemplo, de fazer a barba ou vestir-se bem). Quem reconhecer como foi posto sob tutela por todos os lados, como a sua existência é condicionada, como se tornou corrupto – pois aceitou por interesse coisas que repugna – este certamente tem o desejo de dar as costas a esta limitação e regulamentações. Esta pessoa se rebela e procura caminhos para sair deste estado. Naturalmente aqui a situação política mundial é atrapalhada, a separação das pessoas por raças e nações, o ódio, a falta de paz, as ideologias sem sentido, o fanatismo, e o horror global têm um papel muito importante. E ainda mais o contraste com toda esta miséria: o bem-estar dos países economicamente ricos que se intrometem nos acontecimentos mundiais com frases vazias sem realmente contribuir para a melhora. Diante de todas estas carências algumas pessoas procuram um buraco para poder se esconder até que toda esta confusão feia, que se chama vida, tenha passado.

Pessoas isoladas, ou grupos inteiros, procuraram e acharam tais “buracos”. Eles se isolaram externamente da sociedade, mudaram para o campo, e desenvolveram lá o que imaginavam para uma vida cotidiana. Nestes grupos, podemos constatar os mais diversos motivos básicos filosóficos e religiosos. A devastação do meio ambiente foi um motivo forte também, e o fato de quase não serem mais produzidos alimentos industriais que não sejam mais ou menos envenenados. Este movimento para fora da sociedade deve ser considerado absolutamente honesto, e esta saída é autêntica – pelas suas conseqüências exteriores. Libertar-se de normas, seguramente facilita a vida. Basta pensar na roupa e na vida profissional. Não dá para imaginar um caixa de banco usando uma roupagem árabe em um dia de verão muito quente, se bem que isto é o mais razoável, como os habitantes de regiões muito quentes já reconheceram. O pobre homem que fizesse isto teria de contar com as conseqüências, das quais uma dispensa ou férias obrigatórias seria a mais suave. Pode-se indagar: quem tem a coragem de andar descalço pela cidade?! As pessoas modernas perderam todos os modelos de conduta natural, e mesmo quando vão procurar a natureza em seus passeios já perderam a relação com ela. Neste ponto a vida alternativa no campo oferece estímulos e oferece um retorno a costumes de vida de velhos tempos.

Porém a saída da sociedade, a volta à vida mais simples continuam sendo obras mal-acabadas enquanto forem apenas um processo exterior de desligamento do modo de vida atual. Todos que saem levam toda a sua bagagem interior. Seja lá para onde for, levarão junto as cargas e traumas empurrados para o inconsciente, o amor não correspondido de sua infância, e a raiva desapercebida por si mesma por causa da submissão que praticaram na época para não perder o amor dos pais. E assim chegamos ao cerne do problema. Posso encontrar inúmeros caminhos de fuga dos compromissos com as convenções sociais, mas enquanto eu não me libertar, ao mesmo tempo, do próprio compromisso da minha monstruosa adaptação à autoridade exterior (e interiores aprendidas neste meio tempo), e não compreender a sua origem, nenhum lugar no mundo me servirá como espaço livre para a fuga do meu próprio eu. Sair da sociedade e viver uma vida alternativa só tem sentido se eu procurar a liberdade de dentro para fora, em vez de um ato externo de mudança. Se eu alcançar a liberdade interior, o nível exterior tem uma importância bem menor para o meu bem-estar, enquanto que este nível é muito importante para uma saída apenas exterior.

Existem poucas pessoas em nossa sociedade, nestes tempos, que podem dizer que a sua infância se passou sem conflitos emocionais e que tiveram uma mesma educação psiquicamente saudável. A maioria pode afirmá-lo pois não conhecem nada melhor e se convencem disto, mas a realidade é diferente. Praticamente a Humanidade toda desde a infância se separa do seu próprio “eu”. Aquilo que vive aqui, age e pensa, é uma formação artificial criada em um longo processo de adaptação às regras do jogo – o ego ou o eu. O “eu” existe apenas em nível de pensamento. As pessoas estão totalmente separadas de seus sentimentos. O que elas consideram hoje sentimentos, são os pensamentos sobre sentimentos, não são mais os próprios sentimentos. Não estamos mais em condições de reconhecer a relatividade de nossos pensamentos e sentimentos, eis que não possuímos mais parâmetros de comparação para o autêntico. Nem nossos pais e nem nós tivemos sentimentos autênticos. Isto soa muito duro, mas infelizmente é a realidade. Quero citar-lhes um único exemplo: se você escuta no noticiário do rádio ou da televisão que na Etiópia imperam novamente a fome e a miséria e que inúmeras pessoas estão condenadas à morte, a miséria teria de acabar. O que você sente? Logo após a notícia você sente um choque e um certo espanto que, ao mesmo tempo, está emparelhado com um sentimento de gratidão por você não estar passando por isto. Mais tarde, ao assistir o filme da noite, você já esqueceu aqueles esqueletos famintos que um dia foram crianças. Isto é possível, pois você desenvolve a compaixão apenas no pensamento: a verdadeira compaixão é estranha para você por causa dos mais diferentes motivos (que realmente não são culpa sua). Assim ocorre não apenas com a compaixão, mas com o amor, com a dedicação, com a benevolência, com a amizade, que você só conhece em forma de pensamento. Os sentimentos contrários, como ciúmes, ódio, inveja, raiva, surgem por causa da falta de verdadeiras virtudes como acima as enumerei. Ódio e violência, infelizmente são sentimentos autênticos em nós, eles existem nas pessoas por causa de um processo que retorna à infância e são um sintoma de raiva por si mesmo. Mas quero falar aqui sobre o Tao e não entrar na psicologia profunda, uma vez que existem caminhos para sair deste dilema sem ser o divã do psicanalista. O caminho do Tao é também um caminho da cura psíquica, é o caminho de volta para o “eu” isolado.

Esse “eu” é a verdadeira pessoa autêntica dentro de nós, e que renegamos, pois não o conhecemos e nem conseguimos perceber a sua existência. Por causa desta renegação que praticamos com nossa maneira de pensar e de viver estamos totalmente separados de nossos sentimentos autênticos, já que estes existem apenas dentro deste eu. Um passo ousado para a saída deste esquema é a separação rigorosa e total de nossos pseudo-sentimentos do tipo intelectual – e assim são quase todos, e doravante confiamos neles. Neste contexto só nos resta a alternativa de colocar-nos à disposição dos sentimentos autênticos ao invés de reprimi-los. Assim que pararmos de pensar sobre nossos sentimentos, e tentarmos senti-los, observá-los e dar-lhes atenção, sentiremos a sua existência. Pois eles existem, mas não nos alcançam nestas condições. É muito doloroso usarmos sentimentos autênticos, pois não conhecemos esta confrontação e sempre fugimos dela. A maioria das pessoas têm medo de seus sentimentos. Elas preferem esconder-se atrás de seus pensamentos, constroem uma parede protetora contra a aparente ameaça emocional. Mas para tornar-se livre nenhum caminho passa por nossos sentimentos, por mais doloroso e insuportável que seja no início. Assim que você decidir deixar vir à tona todos os sentimentos existentes em você, contemplá-los intensivamente, vivê-los, crescerá uma força colossal de cuja existência você não tinha noção. E nesta mudança de sentimentos vividos e aceitos, e força crescente, você consegue resgatar uma relação com o seu “eu”, achar o caminho de volta para o seu ser original, do qual você se distanciou tanto. A pessoa tornou-se estranha para si mesma. Características de caráter do seu próprio eu esta pessoa considera fraqueza, e as rejeita pois não conhece a sua força. Você não deve concluir por estas afirmações que os sentimentos têm conteúdos apenas negativos: estou falando na mesma proporção de compaixão, amor, alegria, etc. Mesmo soando como um paradoxo, as pessoas dos nossos tempos se fecham também para sentimentos tão positivos como amor e compaixão. Elas têm medo de todo tipo de sentimento, tanto faz qual é o seu conteúdo, sendo que estas pessoas não conhecem esta dimensão, pois elas são características de caráter de seu eu ocultadas desde a sua infância. O ego, o eu, nunca é capaz de sentimentos autênticos, ele interpreta apenas as reações intelectuais sobre acontecimentos de uma maneira determinada e aprendida.

A receita da arte do Tao é a seguinte: deixe espaço para todos os seus sentimentos, permita-lhes desenvolver-se totalmente dentro de você. No futuro não fuja de nenhuma emoção que venha de dentro de você. Este é um passo muito duro, pois no início estará ligado com medo. É o medo da realidade, do “eu”, da identificação que o seu ego tem de enfrentar como seu adversário, seu maior inimigo. Mas esse medo deve diminuir logo, dar espaço para aquela força da qual falei. Esta energia liberada vai aumentando na medida em que você se abrir para os seus sentimentos e permitir que este medo inicial aumente em si. Se você agir assim seguramente este medo desaparecerá, não apenas naquele instante, mas diminuirá cada vez mais e em pouco tempo não terá mais espaço em sua vida.

Sair da sociedade significa, na sua verdadeira função, em primeiro lugar o rompimento consciente de sua ligação a falsos sentimentos, ao vazio e à falta de conteúdo de processos intelectuais emocionalmente decisivos, e a dedicação a sentimentos verdadeiros que surgem em você. Assim você entra em contato consigo mesmo e a partir daí resulta uma enorme energia. Se além disso você tem condições de rever seus compromissos, a maneira como está preso à sua condição de vida, observar e sentir tudo isto, conseguirá bastante liberdade e autonomia. Mas aqui não carece nenhuma rebelião que se expresse em traje diferente ou fantasia estranha. Você então é bem diferente dos seus semelhantes, mas este ser diferente vem do seu interior, é autêntico, e não é imposto como uma filosofia de vida puramente voltada para o exterior. Aí então você pode mudar para o campo, plantar a sua própria verdura, tornar-se vegetariano e filiar-se ao movimento da paz – ou também não. Onde você está, e o que você faz não é mais importante. Assim que começar a sentir, a partir do seu “eu”, viver a cada dia no presente, você estará no caminho da auto-realização: o próprio caminho e o seu cotidiano são esta realização.

Theo Fischer




- Liberdade Na Unicidade - Jeff Foster
"A verdadeira liberdade não tem nada a ver com afastar-se da vida. A verdadeira liberdade é NA liberdade DENTRO da vida, naquilo que está acontecendo EM. NA confusão. NO tédio. NA tristeza. Liberdade EM cada pensamento, EM cada sensação, EM cada...

- Sobre O Natural Estado De Isolamento
O filósofo aceita seu isolamento predestinado não apenas porque essa deve ser a sua posição, mas também porque sua presença física desperta sentimentos negativos no coração das pessoas comuns, da mesma forma que desperta sentimentos positivos...

- Liberte-se De Seus Compromissos
Há milênios a estrutura da sociedade é sempre dirigida por um pequeno grupo de poderosos, independente do tipo de governo que tal sociedade aceitou. E este grupo governante dita ao povo o que é bom para ele, ou seja, o povo deve aceitar o que beneficia...

- Os Sentimentos E As Emoções
Os Sentimentos e as Emoções O bem maior do homem é a realização completa de sua razão, quando ela consegue dominar os seus sentimentos e desejos e a partir daí, todos eles perdem seu sentido de ser.É comum a idéia de que, quando a mente...

- Nós Somos Aquilo Que Nós Pensamos Ser E O Mundo é Aquilo Que Todos Nós Pensamos.
Neste post quero focar a importância do poder que nossas mentes tem. Tudo o que é presente em nossas vidas, primeiramente existiu no peensamento. Se o mundo está completamente desequilibrado, isto reflete o estado interior de cada ser humano aqui...



autoconhecimento








.