autoconhecimento
O Buda rebelde - Dzongchen Ponlop - 3/3
"O mito do eu
Imagine que olhamos para a nossa mão, certo dia, e reparamos que ela está fechada, formando um punho. Está segurando algo tão vital que não conseguimos largar. O punho está tão fechado que a mão chega a doer. A dor na mão viaja até o braço e a tensão se espalha pelo corpo. E isso segue por anos a fio.
Às vezes, tentamos tomar uma aspirina, assistir à televisão ou saltar de paraquedas. A vida segue, um dia esquecemos o que era tão importante e,
então, a mão se abre: não há nada ali. Imagine a surpresa.
O Buda ensinou que a causa raiz de nosso sofrimento — a ignorância — é o que dá surgimento a essa tendência de agarrar. A questão que deveríamos nos colocar é: “A que estou me agarrando?” Deveríamos olhar bem fundo esse
processo, para ver se realmente há algo ali.
De acordo com Buda, estamos nos agarrando a um mito. É só um pensamento que repete “eu” tantas vezes que cria um eu ilusório, tal como um holograma que tomamos por sólido e real.
A cada pensamento, a cada emoção, esse “eu” aparece como o pensador e também como aquele que vivencia, e ainda assim é apenas outra fabricação da mente. É um hábito muito antigo, tão arraigado que esse próprio agarrar se torna também ele próprio parte da nossa identidade. Se não estivéssemos nos agarrando a esse pensamento de eu, poderíamos sentir que algo muito familiar — como um amigo próximo — está faltando e, assim, uma dor crônica repentinamente desapareceria.
Como se segurássemos um objeto imaginário, nosso agarramento ao eu não nos ajuda muito. Ele apenas nos dá dores de cabeça e úlceras, e logo desenvolvemos muitos outros tipos de sofrimento com base nele. Esse “eu” passa a defender a todo custo os próprios interesses, porque imediatamente percebe um “outro”. E, no instante em que temos o pensamento de “eu” e “outro”, o drama de “nós” e “eles” se desenvolve.
Tudo acontece em um piscar de olhos: agarramos o lado do “eu” e decidimos se o “outro” está a nosso favor, contra nós ou se não faz diferença.
Enfim, estabelecemos as nossas intenções: com relação a um objeto, sentimos desejo e o queremos atrair; com relação a outro, sentimos medo e hostilidade e o queremos repelir; e com relação a mais um outro objeto, somos indiferentes ou apenas o ignoramos. Dessa forma, o nascimento das nossas emoções e dos nossos julgamentos neuróticos é resultado de nosso agarramento ao “eu” e ao
“meu”.
No fim, não estamos livres nem mesmo frente aos nossos próprios julgamentos. Admiramos algumas de nossas qualidades e logo nos inflamos todos, desdenhamos outras qualidades e logo criticamos a nós mesmos, e assim ignoramos boa parte da dor que realmente sentimos, totalmente engajados nessa luta interna para sermos felizes com quem somos.
Por que persistimos nisso, quando nos sentiríamos tão melhor e mais relaxados se simplesmente soltássemos? A verdadeira natureza da nossa mente está sempre presente, mas, por não enxergá-la, acabamos nos apegando ao que
conseguimos ver e tentando fazer dela algo que não é.
Complicações desse tipo parecem ser o único jeito que o ego tem para se manter, isto é, criando um labirinto ou uma sala de espelhos para nos confundir. Nossa mente neurótica se torna tão revolta e enredada que fica
difícil para nós rastrearmos o que ela está fazendo.
Investimos nesse grande esforço apenas para nos convencer de que encontramos algo sólido dentro da natureza insubstancial de nossa mente: uma entidade separada e permanente — algo que podemos chamar de “eu”. Ainda
assim, ao fazer isso, estamos indo na contramão da verdadeira natureza das coisas, da realidade. Estamos tentando congelar a experiência, criar algo sólido,
tangível e estável com algo que não tem essa natureza. É como pedir ao espaço que ele se torne terra ou para a água que se torne fogo. Pensamos que abandonar esse pensamento de um “eu” é uma loucura, pensamos que a nossa
vida depende desse pensamento.
Mas, na verdade, a nossa liberdade depende de nós o abandonarmos."
Dzongchen Ponlop em O Buda rebelde
-
O Buda Rebelde - Dzongchen Ponlop - 2/3
"Quando Buda ensinou sobre essa natureza impermanente e composta (ou agrupada) da mente relativa, ele o fez com o objetivo de apresentar a seus discípulos a natureza última da mente: a consciência imutável, pura e não fabricada. Aqui, o budismo...
-
Vacuidade - Padma Santen
"As coisas não são sólidas. Se elas não são sólidas é porque elas emergem, elas co-emergem, as aparências co-emergem. Então eu preciso entender isso. Isso é uma vacuidade lúdica. Não estou me dando conta que as coisas não existem. Estou...
-
A Atenção Plena - Thich Nhat Hahn
"Cada vez que sentimos uma forte onda de medo, raiva ou ciúme, podemos fazer algo para cuidar dessa energia negativa para ela não nos destruir. Não é preciso haver nenhum conflito entre um elemento e outro de nosso ser. Tem...
-
Os Reinos Da Paz - Thich Nhat Hahn 1/4
"Temos nosso próprio território dentro de nós, que é composto de cinco reinos – nosso corpo, sentimentos, percepções, formações mentais e consciência. Temos que levar paz para nosso corpo e remover suas aflições, tensões e dores....
-
Mente Alerta...
“A mente alerta é, sobretudo, a capacidade de simplesmente reconhecer a presença de um objeto sem tomar partido, sem julgar, sem cobiçar e sem desprezar este objeto. Por exemplo, suponhamos que exista um lugar dolorido em nosso corpo. Com a mente...
autoconhecimento