O que é isso que chamamos de permanente? O que é isso que estamos procurando, que nos dará, ou que esperamos que nos dê, permanência? Não estamos buscando felicidade, satisfação e certeza duradouras? Queremos algo que se prolongue eternamente, que nos dê satisfação. Se nos despirmos de todas as palavras e sentenças, veremos que é isso o que queremos. Queremos prazer e satisfação permanentes, e a isso que chamamos de verdade, Deus ou qualquer outra coisa.
Muito bem, queremos prazer. Talvez esse seja um modo bruto de falar, mas o que realmente queremos é conhecimento que nos dê prazer, experiências que nos deem prazer, satisfação que não se tenha desvanecido no dia seguinte. Temos experimentado muitas coisas que nos deram satisfação, mas todas elas desapareceram. E agora esperamos encontrar satisfação permanente na realidade, em Deus. Sem dúvida, é isso o que todos nós estamos procurando, tanto o inteligente como o estúpido, o teórico e o factual. Mas existe satisfação permanente? Existe algo que dure para sempre?
Se você está buscando satisfação, chamando-a de Deus, ou de Verdade — o nome não importa —, tem de compreender a coisa que está procurando. Quando diz que está buscando felicidade permanente — Deus, verdade ou como queira chamá-la —, não precisa compreender buscador? Porque, talvez, não existam segurança e felicidade permanentes. A verdade, talvez, seja algo totalmente diferente, e penso que de fato écompletamente diferente do que podemos ver, conceber, formular. Então, antes de procurarmos algo permanente, não é óbvio que precisamos compreender aquele que busca? O buscador é diferente daquilo que ele está buscando? Quando dizemos que estamos buscando felicidade, o buscador é diferente do objeto de sua busca? O pensador é diferente do pensamento? Não são eles um fenômeno conjunto, em vez de processos isolados? Assim, torna-se essencial compreender o buscador antes de tentarmos descobrir o que ele está buscando.
Portanto, chegamos àquele ponto em que nos perguntamos de maneira sincera e profunda se paz, felicidade, realidade, Deus ou o que quisermos, podem nos ser dados por outra pessoa. Pode essa busca incessante, esse anseio, dar-nos aquele extraordinário senso de realidade, aquele ser criativo, que surge quando realmente compreendemos a nós mesmos? O autoconhecimento vem pela busca, por seguirmos outra pessoa, por pertencermos a determinada organização, pelos livros que lemos, e assim por diante? Afinal, a questão principal é que se eu não compreendo a mim mesmo, não tenho base para o pensamento, e toda a minha busca será em vão. Posso me refugiar em ilusões, posso fugir da rivalidade, do conflito, da luta, posso adorar alguém, posso procurar minha salvação por intermédio de outra pessoa, mas enquanto eu estiver ignorante a respeito de mim mesmo, enquanto eu não estiver cônscio do processo total de mim, não terei base para o pensamento, para a afeição, para a ação.
Mas a última coisa que queremos é conhecer a nós mesmos. Esse é, definitivamente, o único alicerce sobre o qual podemos construir. Contudo, antes de podermos construir, antes de podermos transformar, antes de podermos condenar ou destruir, precisamos saber o que somos. Sair por aí procurando, mudando de professores, de gurus, praticando ioga, técnicas de respiração, realizando rituais, seguindo mestres e todo o resto, é absolutamente inútil, não é? Nada disso tem sentido, mesmo que as próprias pessoas a que seguimos digam “estudem a si mesmos”, porque o que somos, o mundo é. Se somos mesquinhos, invejosos, vaidosos, gananciosos, isso é o que criamos ao nosso redor, assim é a sociedade em que vivemos.
Parece-me que, antes de partirmos para uma jornada em busca da realidade, de Deus, antes de podermos agir, antes de podermos ter um relacionamento com os outros — que é o que forma a sociedade —, é essencial começarmos a compreender a nós mesmos. Considero sincera em sua intenção a pessoa que se preocupa com isso em primeiro lugar, e não em como alcançará determinada meta, porque, se nós, você e eu, não compreendermos a nós mesmos, como poderemos, na ação, causar uma transformação na sociedade, nos relacionamentos, em tudo o que fizermos? Isso não significa, obviamente, que o autoconhecimento se oponha aos relacionamentos, ou seja separado deles. Não significa dar ênfase ao indivíduo, ao eu, em oposição à massa, em oposição ao outro.
Agora, sem conhecer a si mesmo, sem conhecer o próprio modo de pensar e saber por que pensa certas coisas, sem saber a base de seu condicionamento e por que tem certas convicções sobre arte e religião, sobre seu país, seu próximo e sobre si mesmo , como você pode pensar verdadeiramente sobre alguma coisa? Sem conhecer sua formação, a substância de seu pensamento e de onde ele vem, sua busca é fútil, sua ação não tem sentido.
Antes de podermos descobrir qual é o propósito final da vida, o que tudo isso significa — guerras, antagonismos entre nações, conflitos, toda essa confusão —, precisamos começar a aprender sobre nós mesmos. Parece fácil, mas é extremamente difícil. Para seguir a nós mesmos, ver como funciona o nosso próprio pensamento, temos de estar alertas, de modo que, conforme ficamos mais alertas quanto à complexidade de nosso modo de pensar, das reações e dos sentimentos, começamos a ter uma conscientização mais ampla não apenas de nós mesmos, mas também daqueles com quem nos relacionamos. Conhecer a si mesmo é estudar-se em ação, e isso é relacionamento. A dificuldade maior é nossa impaciência. Queremos ir sempre em frente, chegar a um fim, e dessa maneira não temos tempo para nos dar a oportunidade de estudar, observar. Nós nos envolvemos em muitas atividades, trabalhando para ganhar a vida, criando filhos, ou então assumimos certas responsabilidades em várias organizações. Comprometemo-nos de tantas maneiras que não nos sobra tempo para a autorreflexão, a observação, o estudo de nós mesmos. Portanto, a responsabilidade pela ação é do próprio indivíduo, não de outra pessoa. Procurar, por todo o mundo, gurus e seus sistemas, ler os últimos livros sobre isso e aquilo, e assim por diante, parecem-me ações vazias, porque podemos andar por toda a Terra mas teremos de voltar a nós mesmos. E como não somos cônscios de nós mesmos, é extremamente difícil começar a ver com clareza o processo de nossos pensamentos, sentimentos e ações.
Quanto mais sabemos sobre nós, mais clareza ganhamos. O autoconhecimento não tem fim, nunca é completado, nunca acaba. É um rio infinito. Quando estudamos, aprofundando-nos mais e mais em nós mesmos, encontramos a paz. Apenas quando amente está tranquila — por meio do autoconhecimento, não dá disciplina imposta — é que a realidade acontece, surgindo dessa tranquilidade, desse silêncio. É só então que pode haver bem-aventurança, que pode haver ação criativa. Penso que sem essa compreensão, sem essa experiência, limitar-se a ler livros, assistir palestras, fazer propaganda, é infantil — atividade sem sentido; enquanto que se compreendermos a nós mesmos, produzindo assim aquela felicidade criativa, a experiência de alguma coisa que não é da mente, é possível acontecer uma transformação em nossos relacionamentos imediatos e, assim, no mundo em que vivemos.
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