O Ego em ação - Adyashanti 2/2
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O Ego em ação - Adyashanti 2/2



"Uma vez o meu mestre me disse: “Se espera que a mente pare, você vai esperar para sempre”. 
De repente tive que refletir sobre a minha possibilidade de iluminação. Eu vinha tentando parar a minha mente havia muito tempo e eu sabia que tinha que encontrar uma outra via de acesso.

A instrução espiritual de “apenas parar” não se dirige à mente, aos sentimentos ou à personalidade. Dirige-se à reflexão ou pensamento posterior que assume o crédito e a culpa e diz: “Isso é meu”. Pare! Esse é o alvo do ensinamento de parar. 
Apenas pare com isso. E daí, nesse momento, sinta como esse sentido de “eu” se sente tão completamente desarmado. Quando se desarma o sentido de “eu”, ele não sabe o que fazer, se ir para frente ou para trás, para direita ou para esquerda. Eis o tipo de parar que é importante. O resto é só um jogo. 

Então, nesse parar, começa a emergir um diferente estado de ser, um estado indiviso. Por quê? Porque não estamos mais em conflito com nós mesmos.

A mente ouve estas palavras e pergunta: “O que é um estado de ser indiviso?” Isso também é perder o que está acontecendo agora mesmo. A gente sente um estado indiviso de ser; ele não pode ser encontrado nalgum espaço abstrato ou conceitual, porque o próprio espaço é um estado dividido. Tocamos o estado indiviso quando nos permitimos estar desarmados, quando não estamos tentando provar ou negar nada e ficamos naquele estado de ser desarmado sem resistência. 

Surge um estado de literalmente estarmos no corpo e além do corpo, e o corpo já não está mais em guerra consigo mesmo. A mente pode ou não estar tendo pensamentos, mas esses pensamentos não estão em guerra entre si. 
Torne-se curioso sobre a verdadeira natureza de si mesmo, sobre quem você realmente é, porque essa curiosidade o abre para o estado indiviso. A partir do estado indiviso, uma das primeiras coisas que se percebe é que você não sabe quem você é. Antes disso, quando você sabia quem você era, você era dividido – interminavelmente. A partir daqui, onde não há divisão, não há o pesado, restrito e confinado sentido de si. Você se torna um mistério.

A divisão facilita que se encontre um sentido de si. Se estivermos com raiva, por exemplo, é aí que ele está. Mas, quando há somente raiva e não há identificação com a raiva, até a própria raiva de repente se desdobra. E então o que eu sou? Não sou a “minha” raiva, se não sou aquele que está dividido – o que sou eu?

Permita que o mistério de ser se desdobre de uma maneira vivencial. Comece ao nível do ser mais do que do pensar. À medida que se desdobra o mistério, vamos ficando cada vez mais radiantes por sermos apenas esta consciência presente. E daí o sentido de identidade começa a deixar de se definir através da divisão e conflito internos. A mente descobre que não há um gancho para pendurar a identidade, de modo que a identidade começa a desestruturar-se em abertura. Misteriosa e paradoxalmente, quanto mais se desestrutura a identidade, mais vivos e presentes nos sentimos. O sentido de si é como se fosse açúcar a dissolver-se na água até que parece não haver mais um eu e todavia ainda existimos. 

É possível que Buda dissesse: 
“Dissolvido todo o açúcar, não há eu”. Ramana Maharshi poderia dizer: “Dissolvido o açúcar na água, água e açúcar são a mesma coisa – há somente o Eu”.
A máxima liberdade do ego inexistente é vermos que na verdade ele é irrelevante. Enquanto for percebido como relevante, ele continua a “tornar-se”. Todas as boas intenções do mundo simplesmente o abastecem. “Estou me livrando de mim mesmo cada vez mais a cada dia e um dia estarei completamente livre de mim mesmo e absolutamente não terei ego”. Como isso soa para você? É ego. 
Mas, quando num momento de discernimento se vê que o eu é irrelevante, termina o jogo.É como alguém que está jogando banco imobiliário e acha que sua vida depende de ganhar o jogo, quando de repente a pessoa se dá conta de que é irrelevante – não importa. Pode até continuar jogando. Pode ir buscar um sanduíche. Esta vida não trata de vencer o jogo espiritual; trata de acordar do jogo.

Há ainda em nós esta outra parte chamada “condicionamento”, que não é ego. Condicionamento é condicionamento; não é condicionamento egóico. Condicionamento é como se instalássemos um programa no computador mental. Quando se instala o programa, isso não significa que o computador tenha um ego. Simplesmente foi condicionado temporariamente. Na idade em que nos tornamos adultos, o corpo-mente já está completamente condicionado. Por esse condicionamento tem-se culpado o ego, mas o condicionamento não vem do ego. O ego é o pensamento que surge em seguida na esteira do condicionamento, que é onde acontece toda a violência real.

Quando se percebe que o condicionamento é como uma programação fornecida pela codificação genética, pela sociedade, pelos pais, professores, gurus, etc. (a mente também começa a condicionar-se a si mesma, mas essa é outra história), começamos então a reconhecer que o condicionamento não tem nenhum eu, que não há a quem culparmos. É inútil culparmos a nós mesmos, ou outra pessoa, mais do que culparíamos nosso computador quando colocamos nele um disco. Olhe no presente momento para ver qual condicionamento está aí e ver-se-á que não há culpa alguma nele. Ele faz parte da existência. Sem condicionamento ou programação em nossos corpos, pararíamos de respirar, o cérebro tornar-se-ia uma conversa mole, sem inteligência – o que também é condicionamento.

O que mantém o condicionamento firmemente ancorado dentro de nós é que o interpretamos como “meu”. Então, é claro, há culpa própria e alheia e tentamos nos livrar do condicionamento, porque cremos que “eu o criei”, “eu não o criei” ou “não consigo me livrar dele”, e a mente não gosta disso. A mente se ilude em pensar que pode livrar-se desse condicionamento, mas, 
quando a verdade se instala, começamos a ficar cada vez menos divididos. Quando surge o condicionamento, se não é reivindicado como “meu”, ele surge dentro de um estado indiviso. 

Este também poderia chamar-se de estado de ser não condicionado. Quando o condicionamento depara com um estado indiviso, há uma transformação alquímica. Há um milagre sagrado.Quando algo surge, pode-se ter a experiência de que “isto sou eu” ou de que “estou eu aqui de volta”isto não sou eu”Ambos são movimentos da mente, ou pensamento posterior, mais conhecido como ego. Mas quando ocorre o estado indiviso, podem acontecer duas coisas. 
primeira pode ser um despertar para a nossa verdadeira natureza, que é este estado não dividido, este ser indiviso. A segunda coisa que pode acontecer é que o condicionamento, a confusão que inocentemente foi transmitida pela ignorância, pode reunificar-se. Quando surge o condicionamento dentro de uma pessoa que está num estado indiviso, onde ela nem se apropria dele nem o nega, então pode haver um processo alquímico sagrado através do qual o condicionamento se reunifica totalmente por si. Como a lama na água, o condicionamento naturalmente apenas sedimenta no fundo. É como um milagre natural.

Isso pode ser muito delicado, pois, se houver a mínima apropriação ou a mínima negação de
apropriação, esse processo de certa forma se corrompe. Ele requer de nós uma suavidade e abertura interiores, porque este sentido indiviso é muito suave e não podemos procurá-lo como um martelo à procura de um prego. É por essa razão que os ensinamentos espirituais ressaltam a 
humildade, a qual nos ajuda a entrar na verdade de nosso ser de uma maneira suave e humilde. 

Não podemos forçar os portões do céu. Ao invés, devemos nos permitir ficar cada vez mais desarmados. Então a pura consciência de ser fica cada vez mais radiante e percebemos quem somos. Essa radiância é o que somos.

Quando fica muito claro, vemos que somos esta claridade, esta luminescência, e então começamos a perceber por nossa própria experiência o que significa este nascimento humano. Esta claridade volta para si mesma, para cada tantinho de confusão, para cada tantinho de sofrimento. Para tudo de que o eu procurava se afastar, retornará o Eu sagrado. Este Eu radiante começa a descobrir sua verdadeira natureza e quer libertar-se de si, desfrutar de si 
e verdadeira amar-se em todos os seus sabores e aromas. 
O verdadeiramente sagrado é o amor ao que é, não o amor ao que seria. 
Este amor liberta o que é.

O verdadeiro coração de todos os seres humanos é o amante do que é. 
É por isso que não podemos fugir de nenhuma parte de nós mesmos. 
Não porque sejamos um desastre, mas porque somos conscientes e estamos retornando para tudo de nós mesmos neste nascimento. 
Não importa quão 
confusos estejamos, retornaremos para cada parte de nós mesmos que foi deixada fora do jogo. 
Este é o nascimento de verdadeira compaixão e amor. 
Há muito tempo dizem as tradições espirituais que você tem que eliminar tanta coisa para alcançar o amor. Mas isso é um mito. 
verdade é que é o amor que realmente liberta."
Adyashanti em Satsang

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