autoconhecimento
O que torna a mente verdadeiramente silenciosa?
Religião não são as crenças, os dogmas, os rituais, as seitas, a propaganda que se faz há dois mil ou dez mil anos; isso, em absoluto, não é religião. Somos escravos da propaganda — não só do comerciante, mas também do sacerdote. A religião é uma coisa de todo diferente. Para descobrir o verdadeiro, descobrir se existe isso a que o homem chama seu Deus — o Desconhecido — temos de morrer para o conhecido, pois, do contrário, não poderemos encontrar-nos com essa coisa inefável que o homem busca há milhares e milhares de anos. O homem, o pensamento inventou um conceito sobre o que Deus é ou não é. Acredita e desacredita, conforme seu condicionamento. O comunista, o autêntico comunista, não acredita. Para ele, só existe o Estado. provavelmente, com o tempo, venha a endeusar Lênine ou outro E há os que foram condicionados para acreditar. Ambos são iguais, o crente e o não-crente. A fim de descobrirmos se existe alguma coisa além daquilo que o pensamento construiu, temos de negar tudo — dogma, crença, esperanças, temores. Isso afinal não é muito difícil, porque, quando queremos aprender, colocamos de lado todos os absurdos que o homem criou com o seu medo.
Quando termina efetivamente o pensamento, quando morremos para o pensamento, surge então algo inteiramente diferente, uma dimensão diferente, dimensão que não pode ser explicada, colocada em palavras, que nada tem em comum com a crença, o dogma, o medo. Não é uma palavra. Aquele verbo não pode tornar-se carne e, para ser descoberto, deve deixar de existir o experimentador, o observador, o censor. Foi por isso que dissemos, no começo, que temos de compreender o conflito, e que haverá conflito enquanto existir observador e objeto observado; pois esta é a raiz do conflito. Quando digo "precisamos compreender", ou "Tenho medo", o EU julga-se separado do próprio medo. Em verdade não está separado dele. O medo é o EU; os dois são inseparáveis. Quando o observador é o objeto observado, quando o pensador, a fonte do pensamento, deixa de existir, verifica-se, então, que o medo, em qualquer forma, deixou também de existir.
Nisso há uma concentração de energia. Essa energia explode e surge o novo — o novo irreconhecível. Quando reconhecemos uma coisa, essa coisa não é nova. É uma experiência que já tivemos. Por conseguinte, não é nova. As maravilhosas experiências e visões dos santos e das pessoas religiosas são projeções de coisas velhas, projeções de suas mentes condicionadas. O cristão vê o seu Cristo, porque foi condicionado pela sociedade em que vive, em que cresceu.
Enquanto houver "experimentador" e a coisa que ele vai "experimentar", nesse estado não existirá nenhuma realidade, porém, somente conflito. Só quando deixa de existir o experimentador, pode surgir aquela coisa que o homem sempre buscou. Em nossa própria vida, estamos sempre a buscar — a buscar a Felicidade, a buscar Deus, a buscar a Verdade. Não podemos achá-lo por meio de busca, porém, tão-só, quando cessa a busca, quando a pessoa é a luz de si própria. Para se ser a luz de si próprio, deve haver paixão e intensidades ardentes. Essa paixão não é uma coisa mansa. Com ela nasce — de toda esta agitação, aflição, confusão e desespero — a revolução, a mutação interior. Só uma mente nova pode encontrar-se com aquilo a que se chama Deus, a Verdade, ou o nome que vocês preferirem. Mas, o conhecido não pode conhecer o desconhecido. Tudo o que o conhecido — o pensamento — fizer afastará para mais longe ainda o desconhecido. Só quando o pensamento compreendeu a si próprio e se tornou quieto, pode haver a compreensão de todo esse processo de pensamento, prazer e medo. Isso é meditação. Não é a prática, a disciplina ou o ajustamento que torna a mente quieta. O que a torna verdadeiramente silenciosa é a compreensão de si própria, de seus pensamentos, seus desejos, suas contradições, seus prazeres, seus apegos, sua solidão, seu desespero, sua brutalidade e violência. Dessa compreensão nasce o silêncio, e só a mente silenciosa pode perceber, pode ver realmente o que é.
Krishnamurti em, Encontro com o Eterno — 10 de maio de 1966
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