Observando a questão da "prece"
autoconhecimento

Observando a questão da "prece"


A meditação não pode ser súplica, que é prece. Você já rezou alguma vez? O que acontece realmente quando você reza? Por que você reza? Você reza (não é verdade?) somente quando se encontra em dificuldades, quando se sente perturbado. Não reza quando quando está feliz, alegre, quando tem clareza; reza somente quando está confuso, quando existe o medo de um certo acontecimento, a fim de resguardar a si mesmo; ou, também, reza para conseguir aquilo que deseja. Você reza, porque há medo em você. Não estou dizendo que a prece é somente medo; mas toda súplica resulta do medo. Uma petição, uma prece poderá dar-lhe alegria; a prece suplicante, dirigida àquele que você chama o desconhecido, poderá ser atendida conforme você deseja, mas essa resposta à sua súplica pode proceder do seu inconsciente, ou do reservatório geral, do depósito de todos os seus desejos. A resposta não é a voz silenciosa de Deus. 

O que acontece quando você reza? pela constante repetição de certas frases e pelo controle de seus pensamentos, a mente consciente se torna quieta. Você se ajoelha como os cristãos, ou se senta como os hindus, e começa a repetir, repetir, e em virtude dessa repetição a mente se aquieta. Nessa quietude, lhe chega uma dada comunicação. Essa comunicação de algo que você suplicou pode proceder do inconsciente ou pode ser a reação de suas lembranças. Mas, por certo, não é a voz da realidade, porque a voz da realidade tem de vir a você; não podemos invocá-la e não podemos rezar por ela. Você não pode atraí-la para a sua estreita gaiola, pela execução do puja, do bhajan, e do que mais seja, pela oferenda de flores, pelo apaziguamento, pela repressão de si mesmo ou estimulação com outros. Tudo isso são formas de auto-hipnose. Mas, depois de você adquirir a habilidade de aquietar a mente, mediante a repetição de palavras e a recepção de sugestões, nesse estado de tranquilidade existe o perigo — a não ser que você esteja plenamente vigilante, para ver de onde procedem as sugestões — existe o perigo de você ficar preso; e, em tal caso, a prece se torna um substituto da procura da Verdade. Nessas condições, uma mente aquietada pela prece não é uma mente tranquila, uma vez que é uma coisa feita, e que pode ser desfeita. O que realmente acontece é que a camada consciente da mente, aquietada mediante apaziguamento, embotada pela repetição, recebe uma determinada resposta ao pedido feito; e o que você pede obtém — mas não é a Verdade. Se você deseja, e pede, obterá; mas no fim terá de pagar por isso. 

Vemos, por conseguinte, que a prece, como súplica, concorre para tranquilizar a mente; mas há ainda uma outra forma de prece, que consiste em se ficar num estado de completa receptividade, sem pedir coisa alguma, pelo menos, conscientemente. Essa receptividade sensível, provocada pela prece, é também uma forma de tranquilidade. É meramente o seu desejo que está provocando a resposta do inconsciente; e essa receptividade aberta da mente consciente, que foi posta em tranquilidade, não é capaz de compreender, porquanto a mente foi levada à tranquilidade, mas não está tranquila. Uma mente posta tranquila, nunca pode estar tranquila; só pode receber uma resposta dentro das fronteiras de sua própria limitação. Uma mente estúpida pode ser posta tranquila, mas a resposta terá de ser estúpida. Pode a mente estúpida julgar que a resposta obtida procede diretamente de Deus, mas não é tal. Uma mente posta em tranquilidade só pode receber uma resposta em conformidade com seu próprio condicionamento. Vemos, pois, que a prece não é meditação. 

Tampouco a devoção é meditação. Meditação não significa a nossa própria imolação a uma ideia. Qual é a sua devoção? Você se devota àquilo que lhe dá satisfação. Se uma coisa não lhe proporciona satisfação, você não se devota a ela. Você é devoto enquanto aquilo a que se devota lhe traz satisfação; logo que cessa a satisfação, você segue adiante. Muda de guru ou muda de ideia. O instrutor, o guru, a imagem, é a própria "projeção" do devoto; e essa "projeção" própria está baseada na satisfação. Assim sendo, na realidade, você é devoto de si mesmo, exteriorizado em deidade, em ideia, ou num Mestre, ou num quadro. Você se devota somente àquilo que lhe proporciona satisfação; e, dessa forma, um devoto, com todo o seu ritual, suas grinaldas, seus cânticos, está adorando a própria imagem, glorificada, ampliada. Por certo, tal coisa não é meditação.

A meditação não é disciplina. O mero disciplinar da mente é limitar a mente, é levantar uma muralha em torno dela, a fim de que não possa libertar-se. Esta a razão por que uma mente que foi disciplinada, uma mente que foi moldada, controlada, reprimida, que encontrou substitutos, que encontrou sublimação, é sempre uma mente incapaz de libertar-se. 

Pode a liberdade vir à existência por meio da disciplina? Você pode se disciplinar para ser livre? Se você se servir de meios errôneos, o fim também será errôneo, porque o fim não é diferente do meio. Assim sendo, quando uma mente é disciplinada para alcançar um resultado, tal resultado nada mais é do que a "projeção" da mente disciplinada. Não há, por conseguinte, liberdade, mas apenas um estado de disciplina. A meditação, portanto, não é disciplina. 

A meditação não é concentração, a meditação não é prece, não é devoção, a meditação não é um processo de disciplina. O que é ela, então? Vamos averiguá-lo. Ora, ao descobrir que a concentração, a prece, a devoção e a disciplina não constituem a meditação, o que acontece? Você está descobrindo a si mesmo em ação, não é verdade? A compreensão dessas coisas significa o descobrimento de seu próprio processo pensante, o que representa autoconhecimento, não é verdade? A revelação desse processo é a revelação de si mesmo em ação; compreender isso é compreender a si mesmo. Não há meditação sem autoconhecimento; eis o que acabamos de descobrir. 

Por conseguinte, você está observando a si mesmo em ação, na concentração, na prece, na disciplina e na devoção. 

O que agora estamos fazendo é a descoberta de nós mesmos, tais como somos, sem engano, nem ilusão. O que acontece então? O autoconhecimento, em si, não é um fim, o autoconhecimento é o movimento do "vir a ser". Ao examinar esses quatro aspectos de mim mesmo, em ação, descobri que existe somente um processo, ou seja, que estou interessado em vir a ser, interessado em continuidade. Assim, pois, quanto maior for o conhecimento do "ego", do "ego" em todo e qualquer nível, o que significa ver a verdade de cada momento, a verdade que não é produto da experiência, porém percepção imediata, tanto maior a tranquilidade da mente. Por exemplo, o perceber a verdade relativa à prece, com tudo o que ela implica, liberta a mente da prece, do medo e da súplica. Identicamente, ao perceber-se a verdade relativa à disciplina, com tudo o que ela implica, dá-se a libertação da disciplina. Há, assim, muito mais conhecimento, inteligência e percebimento. A mente é libertada do seu "vir a ser" e, por conseguinte, há o percebimento da verdade. 

Mas é preciso que "experimentemos" isso; não podemos ir mais longe sem "experimentar". Se você ainda está preso à prece, não adianta ir mais longe, nenhum significação isso tem; se você está ainda preso na disciplina, o seu prosseguir nada significa; o mesmo acontece também, se você ainda se preocupa com o controle do pensamento. Mas, uma mente que está tranquila, que não foi posta tranquila, que não é forçada ao silêncio; uma mente que está tranquila por que tem verdadeiro interesse, porque divisou a verdade, porque a verdade veio a ela, é inteligente e está liberta do conflito. O conflito se dissolve pela percepção de cada movimento do pensamento e do sentimento, e pela percepção da verdade relativa a tais movimentos. A verdade só é perceptível, ou só pode vir à existência, quando já não existe condenação, justificação e comparação; só então está a mente tranquila, só então acaba a memória. 

(...) Assim, pois, o autoconhecimento é o começo da sabedoria, e sem a sabedoria não pode haver tranquilidade. Sabedoria não é sapiência. A sapiência é um obstáculo à sabedoria, à revelação do "ego", momento a momento. A mente que está quieta conhecerá o ser, conhecerá o amor. O amor não é pessoal nem impessoal. Amor é amor, e a mente não pode definir ou descrever o amor como inclusivo ou exclusivo. O amor é a sua própria eternidade; ele é o real, o supremo, o imensurável. 

Jiddu Krishnamurti — 13 de fevereiro de 1949   






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