Onde há dependência, há medo e não amor
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Onde há dependência, há medo e não amor


Já observaram como nascem as ideias e como a mente se apega a elas? Você tem uma ideia de alguma coisa bela que viu quando saiu para dar um passeio, e sua mente volta àquela ideia, àquela lembrança. Você lê um livro e encontra uma ideia em que se apegar. Então precisa ver como surgem as ideias e como elas se tornam um meio de obter conforto e segurança interior, algo a que a mente se apegue. 

Já refletiu sobre essa questão das ideias? Se você tem uma ideia e eu tenho uma ideia, e cada um de nós acha que sua própria ideia é melhor que a do outro, nós discutimos, não é? Tento convencê-lo, e você tenta me convencer. O mundo todo está edificado sobre ideias e sobre o conflito que existe entre elas; e se analisar o problema, você verá que o simples fato de apegar-se a uma ideia não tem sentido. Mas já observou como seu pai, sua mãe, seus professores, seus tios e tias, todos se apegam ferrenhamente ao que pensam?

Ora, como surge uma ideia? Como passa alguém a ter uma ideia? Quando você tem a ideia de sair para um passeio, por exemplo, como essa ideia aparece? É muito interessante descobrir isto. Se observar, verá como uma ideia desse tipo toma o corpo e como a sua mente se apega a ela, pondo de lado tudo o mais. A ideia de sair para dar um passeio é uma reação a uma sensação, não é? Você já saiu para passear antes e isso deixou uma sensação agradável; você quer fazer  o mesmo de novo; assim a ideia é criada e posta em ação. Quando você vê um belo carro, há uma sensação, não há? A sensação provem precisamente de olhar o carro. A sua simples vista cria a sensação. Da sensação nasce a ideia: "eu quero aquele carro, é meu carro" — e a ideia então se torna muito dominante. 

Buscamos segurança nas posses e nas relações exteriores, bem como, interiormente, nas ideias e nas crenças. Eu acredito em Deus, em rituais; eu creio que deva me casar de certo modo; creio em reencarnação, em vida após a morte; e assim por diante. Todas essas crenças são criadas por meus desejos, por meus preconceitos, e eu me apego a elas. Tenho seguranças externas, fora da minha pele, por assim dizer; e também tenho seguranças internas; removas-as ou conteste-as, e ficarei com medo; eu o empurrarei para o lado, e lutarei com você se você ameaçar minha segurança. 

Ora, existirá isso de segurança? Compreende? Nós temos ideias acerca de segurança. Podemos nos sentir seguros com nossos pais ou num dado emprego. Nosso modo de pensar, nosso modo de viver, nosso modo de encarar as coisas — com tudo isto podemos estar satisfeitos. A maioria de nós fica muito feliz de poder cercar-se de ideias seguras. Mas poderemos jamais estar seguros, por mais salvaguardas exteriores e interiores que tenhamos? Externamente, nosso banco pode falir amanhã, nosso pai ou mãe pode morrer, pode acontecer uma revolução. Mas haverá alguma segurança nas ideias? Gostamos de pensar que estamos seguros em nossas ideias, em nossas crenças, em nossos preconceitos; mas estaremos? Tudo isto são paredes irreais; são meras concepções nossas, meras sensações. Gostamos de crer que existe um Deus que está velando por nós, ou que renasceremos mais ricos, mais nobres do que agora. Pode ser que isso aconteça, ou pode ser que não aconteça. Então podemos ver por nós mesmos, se examinarmos as seguranças exteriores e interiores, que na vida não há absolutamente segurança alguma.

Se vocês perguntarem aos refugiados do Paquistão ou do leste da Europa, eles certamente lhes dirão que não existe segurança exterior. Mas eles acham que existe segurança interior e apegam-se nessa ideia. Vocês podem perder a sua segurança externa, mas ficarão, então, muito mais ansiosos por construir a segurança internamente, e não querem deixá-la desaparecer, o que implica maior medo. 

Se amanhã, ou no prazo de alguns anos, seus pais lhe disserem com quem querem que vocês se casem, vocês ficarão com medo? Claro que não, porque vocês são criados para fazer exatamente o que lhes é determinado; vocês são educados por seus pais, pelo guru, pelo sacerdote, a pensar de acordo com certos princípios, a agir de certa maneira, a sustentar suas crenças. Mas se lhe pedissem para decidir por si mesmos, não ficariam completamente atrapalhados? Se seus pais lhes dissessem que se casassem com quem bem entendessem, vocês teriam um calafrio, não teriam? Tendo sido sempre condicionados pela tradição, pelo medo, vocês não querem que lhes seja permitido decidir por si mesmos. Ficar só é perigoso, e vocês não querem nunca ser deixados sós. Não querem nunca tomar uma decisão por conta própria. Nunca desejam ir passear sozinhos. Todos querem estar fazendo alguma coisa como formigas ativas. Têm medo de resolver qualquer problema, de enfrentar qualquer exigência da vida; e, estando amedrontados, fazem coisas caóticas e absurdas. Como um homem com uma tigela de mendigo, vocês aceitam sem refletir o que quer que se lhes ofereça. 

Vendo todas essas coisas, uma pessoa realmente reflexiva passa a libertar-se de todo tipo de segurança, interior e exterior. Isso é extremamente difícil, porquanto significa que você está só — só, no sentido de que não é dependente. No momento em que você depende, há medo; e quando há medo, não há amor. Quando você ama, você não está só. A sensação de solidão só aparece quando você tem medo de ficar só e de não saber o que fazer. Quando se é controlado por ideias, isolado por crenças, o medo é inevitável; e quando você tem medo, está completamente cego. 

Assim, os professores e pais, conjuntamente, têm de resolver este problema do medo. Mas, infelizmente, seus pais temem o que vocês poderão fazer se não se casarem, ou se não conseguirem um emprego. Eles temem que vocês se desencaminhem na vida ou o que os outros digam, e, por causa desse medo, eles querem levá-los a fazer determinadas coisas. O medo deles está revestido do que chamam amor. Eles querem cuidar de vocês, portanto vocês precisam fazer fazer isto ou aquilo. Mas se vocês forem além da parede da chamada afeição ou consideração deles, verificarão que há medo gerado pela segurança de vocês, por sua respeitabilidade; e vocês também têm medo, porque têm dependido dos outros por muito tempo. 

Eis porque é muito importante que vocês, desde cedo, comecem a contestar e a derrubar essas sensações de medo, de modo a não serem isolados por elas e a não se fecharem em ideias, tradições e hábitos, para que sejam seres humanos livres, dotados de vitalidade criativa.

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA





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