Qual é a verdadeira função do pensamento?
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Qual é a verdadeira função do pensamento?


            Realmente não o sei, porém, descubramo-lo. Tem alguma importância o pensamento? Se o tem, qual é o seu lugar em nossa vida? Não estamos oferecendo opiniões sobre ele. Não é questão do que pensais, ou de que eu penso, ou o que pensa algum de vós, isso não tem valor algum. Vamos a descobrir a verdade do assunto. Para fazer isto, temos que duvidar, estar em expectativa, observar, escutar, tatear, e não repetir simplesmente uma reação ou uma recordação. Por haver lido algum livro de filosofia, ou sobre o pensar, podeis recordá-lo ou citá-lo, porém, não estamos aqui para citar o que os outros disseram. Esse senhor formulou uma pergunta séria. Eu estava dizendo que o pensamento é conflito, que é destrutivo, e ele o reconheceu e pergunta, “Que quereis dizer com isso? Se o pensamento é destrutivo, então, qual é a verdadeira função do pensamento? Qual é o justo lugar do pensamento em nossa vida?”
            Bem, agora, antes de responder a esta pergunta, temos que descobrir que é pensar, não é assim? Então, poderemos situá-lo, poderemos dar a sua reta significação. Porém, sem compreender todo o processo do pensar, o oferecer somente umas poucas palavras em resposta não satisfaz a pergunta.
            Que é, pois, pensar? Rogo-vos não me respondais; é muito fácil dizer o que é o pensar, porém, isso não põe fim a nossa indagação. Eu vos faço uma pergunta: Que é pensar? E que ocorre então? Entre minha pergunta e vossa resposta há um espaço, um intervalo de tempo em que vossa memória está atuando. Dizeis: “Que quer ele dizer? Onde li algo sobre isso?”, etc, etc. Se a pergunta é muito familiar, se vos pergunto qual é o vosso nome, vossa resposta é imediata, porque não tendes que pensar. Porém, se vos pergunto algo que não sabeis, vacilais, há um intervalo de tempo durante o qual estais investigando, buscando em vossa memória para descobrir. Assim, vosso pensar é a resposta de vossa memória, verdade? Rogo-vos olhais vagarosamente, é muito interessante si o examinais vagarosamente.
            Quando é uma pergunta com a qual estais familiarizado, vossa resposta é instantânea. Quando não estais muito familiarizados com a pergunta, necessitais de tempo, e durante esse período estais buscando em vossa memória a resposta. E quando se faz uma pergunta sobre a qual não tens na memória nenhuma informação acumulada, observais, buscais e dizeis: “Não sei”. A) Vossa resposta é instantânea. B) Tardais algum tempo em responder. C) Dizeis “Não sei”. Porém, quando dizeis “Não sei”, estais esperando saber, aguardando a que sejais informados, esperando ir à biblioteca e consultá-lo; estais esperando uma resposta. Assim é que quando dizeis “não sei”, é um “não sei” condicionado. Esperai sabê-lo dentro de uns poucos dias ou anos, o qual é condicional. Há também o caso d) em que se diz: “Não sei”, e que não é condicionado; a mente não está esperando, não está buscando na esperança de chegar a uma resposta. Simplesmente disse: “Não sei”.
            Bem, agora, a), b) e c) são todos um processo do pensar, não é assim? Se a um cristão lhe perguntais se existe Deus, imediatamente ele dirá: “claro que sim!”. Se lhe fazeis a um comunista a mesma pergunta, dirá: “Que estais dizendo? Claro que não existe!” Seu Deus é o estado, porém, este é um assunto diferente. Assim, nossa a qualquer fato está de acordo com nosso condicionamento, com nossa memória. Se a memória é aguda, clara, ativa, vívida, nossas respostas são firmes, e esse é todo o processo do que chamamos pensar. Seja nosso pensar sensível ou complexo, seja ignorante ou muito erudito e cientifico, se baseia nesse processo.
            Porém, existe o ponto em que dizeis: “Realmente não sei”, e nele não estais esperando uma resposta. Nenhum livro o pode lhes dizer. Não há nenhuma recordação que os diga: “É isto”. Seguramente que esse é de todo diferente dos outros três processos; A), B) e C) não são o mesmo que D), em que todo o pensar cessou, porque não sabeis e não estais a espera de que se vos diga.
            Bem, agora, de que ponto de vista estais fazendo a pergunta sobre “Qual é o verdadeiro valor do pensamento?” A fazeis para receber uma resposta como em A), B) e C)? Ou é que fazeis esta pergunta no estado da mente representado por D), no qual não há pensamento? E que relação tem o pensamento com o estado da mente representado por D)?
            Estou sendo claro ou se está fazendo isto demasiado complexo?
            O pensamento tem valor em certo nível, verdade?
            Quando vais ao trabalho, quando fazeis algo em qualquer campo de atividade, é evidente que o pensamento tem valor; em todas essas coisas tem que haver o pensamento. Porém, tem algum valor o pensamento quando dizeis: “Não sei”, quer dizer, quando a mente passou por A), B) e C) e se acha por completo num estado de não-saber?
            Como foi assinalado, se sois cristãos e alguém vos pergunta se existe Deus, respondereis de acordo com vosso condicionamento, direis que existe, e vosso pensar tem então certo valor, que depende de vosso código de moralidade, de como vos comportais, se vais a igreja, e tudo mais. Porém, o homem que diz, “Não sei se há Deus ou não”, que não afirma nem nega que haja um Deus, e que na realidade se encontra sem nenhum e portanto minha mente não dá valor algum ao pensamento, para descobrir; porque se utiliza seu pensamento para descobrir, volta ao conhecido. Captais isso?
            Pois bem, tenho que negar os três: A), B) e C), para descobrir. Compreendeis? Tenho que negar ou recusar a estrutura do pensamento e da crença, e estar num estado de não-saber. Não se utiliza então o pensamento em absoluto, e, portanto, minha mente não dá valor algum ao pensamento.  Porém, esta tem valor, evidentemente, em todos os demais campos.
            Como sabeis, o conhecimento tem sido acumulado pela experiência, pelo pensamento; e o pensamento, que em si mesmo é o produto do conhecimento, tem importância no campo do conhecimento. No campo do conhecimento tendes que ter pensamento. Porém, o conhecimento, que é o conhecido,  não vai vos ajudar a encontrar a encontrar o desconhecido; a mente tem que livrar-se pois do conhecido, e essa é uma de nossas dificuldades.
            Espero que isso tenha algum sentido para todos vocês.
           
Krishnamurti – 9 de julho de 1963
Do livro: TRAGEDIA DEL HOMBRE Y DEL MUNDO: A MENTE MECANICA
Editorial “SER” – 1967 - Impresso na Argentina
Título da obra em inglês: TALKS BY KRISHNAMURTI IN EUROPE – 1962 E 1965






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