autoconhecimento
Quando se conhece realmente o amor, o eu não existe.
Qualquer movimento da mente, positivo ou negativo, é uma experiência que fortalece o eu. É possível a mente não reconhecer? Isso só pode acontecer quando há completo silêncio, mas não o silêncio que é uma experiência do eu, pois isso o fortaleceria.
Há uma entidade separada do eu, que olha para ele e o dissolve? Há uma entidade espiritual que suplanta o eu e o destrói, eliminando-o? Achamos que existe, não é verdade? Pessoas religiosas acreditam que existe tal elemento. Os materialistas dizem que é impossível destruir o eu, que ele só pode ser condicionado e contido politica, econômica e socialmente, e que podemos mantê-lo com firmeza, dentro de certo padrão, de modo que ele possa ser moldado para levar uma vida moral e não interferir em nada, limitando-se a seguir o padrão e a funcionar meramente como uma máquina. Isso nós sabemos. Há outras pessoas, as chamadas religiosas — não são realmente religiosas, embora nós as rotulemos assim —, que dizem existir um tal elemento espiritual e que se pudermos entrar em contato com ele, ele dissolverá o eu.
Existe esse elemento capaz de dissolver o eu? Por favor, veja o que estamos fazendo. Estamos encurralando o eu em canto. Se você permitir que alguém o encurrale em um canto, verá o que acontece. Gostamos de pensar que há um elemento atemporal, que não é criação do eu e que, esperamos, virá para interceder e destruir o eu; um elemento que chamamos deus. Existe algo assim, algo que a mente pode conceber? Pode existir e pode não existir, mas a questão não é essa. Quando a mente procura um estado espiritual atemporal, que entrará em ação para destruir o eu, essa não será outra forma de experiência que o fortalecerá, em vez de destruí-lo? Quando acreditamos em algo, como verdade, Deus, um estado atemporal, imortalidade, não será esse um processo de fortalecer o eu? O eu projeta aquilo que acreditamos que virá para destruí-lo. Então, ao projetarmos essa ideia de continuidade em um estado atemporal, como uma entidade espiritual, nós temos uma experiência, e essa experiência apenas fortalece o eu. O que fizemos, então? Não destruímos o eu, somente lhe demos um novo nome, uma característica diferente. O eu continua lá, porque nós o experimentamos. Assim, nossa ação foi a mesma, do começo ao fim, embora pensássemos que ela estava evoluindo, tornando-se mais bela; mas se observarmos bem, veremos que ela não mudou, que é o mesmo eu funcionando em diferentes níveis com outros rótulos e nomes.
Quando vemos o processo todo, as engenhosas e maravilhosa invenções, a inteligência do eu, o modo como ele se encobre por meio da identificação, virtude, experiência, crença e conhecimento, quando notamos que a mente está andando em círculos, em uma jaula que ela própria construiu, o que acontece? Quando percebemos isso de modo total, ficamos extraordinariamente tranquilos, silenciosos, não por imposição, não por interesse em alguma recompensa, nem por medo. Quando reconhecemos que cada movimento da mente é uma simples forma de fortalecimento do eu, quando a observamos, completamente cônscios de sua ação, quando chegamos a esse ponto — não ideologicamente, verbalmente, nem por uma experiência projetada, mas, de fato, nesse perfeito estado de conscientização —, vemos que a mente absolutamente tranquila não tem poder de criar. Tudo o que a mente cria está em um círculo, dentro do campo do eu. É quando a mente não está criando que existe criação, que não é um processo reconhecível.
Realidade — verdade — não é para ser reconhecida. Para que ela apareça, é preciso que desapareçam a crença, o conhecimento, a experiência, a busca da virtude. A pessoa virtuosa, que tem consciência de que está buscando a virtude, jamais poderá encontrar a verdade ou a realidade. Ela pode ser uma pessoa decente, mas isso é muito diferente de ser uma pessoa que compreende a verdade. A verdade passa a existir para quem a compreende. Um homem virtuoso é um homem íntegro, e um homem íntegro não pode compreender o que é a verdade, porque, como ele está buscando a virtude, a virtude é uma cobertura do eu, o fortalecimento do eu. Quando ele diz “preciso estar livre da ganância”, o estado de ausência de ganância que ele experimenta apenas fortalece o eu. Por isso é tão importante ser pobre, não só pobre das coisas do mundo, como também pobre de crença e conhecimento. Um homem rico de bens mundanos, ou um homem rico de conhecimento e crença, nunca conhecerá nada além de escuridão e será um centro de maldade e aflição. Mas se você e eu, como indivíduos, pudermos ver o total funcionamento do eu, saberemos o que é amor. Eu lhe asseguro que essa é a única reforma que poderá mudar o mundo. O amor não é do eu. O eu não pode reconhecer o amor. Você diz “eu amo”, mas no próprio ato de dizer isso não há amor. Quando se conhece realmente o amor, o eu não existe.
Krishnamurti
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