Quem realmente quer uma revolução no pensamento?
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Quem realmente quer uma revolução no pensamento?


Pergunta: A educação pelo estado não é uma calamidade? Se o é, de que maneira levantar fundos para escolas não controladas pelo Governo?

Krishnamurti: Obviamente, a educação pelo estado é uma calamidade — e com isso sem dúvida os governos não estarão de acordo. Não querem que o povo pense, querem que as pessoas sejam autômatos, porque então lhes podem dizer o que fazer. Nessas condições, o ensino, sobretudo se está nas mãos do governo, está-se tornando cada vez mais um meio de ensinar o que pensar e não a pensar; porque se um indivíduo pensar independentemente do sistema, se torna um perigo. Por isso, uma das funções do Governo é a de não deixar o indivíduo pensar, mas, sim, a de fazê-lo aceitar o que se lhe diz. Eis porque, como se observa no mundo inteiro, todos os governos se estão ingerindo na educação. A educação e a alimentação converteram-se em meios de controlar o homem. E que importa o homem aos governos, da esquerda ou da direita, se o que eles querem são máquinas perfeitas para produzir mercadorias e balas de fuzil? Há umas poucas escolas particulares na Inglaterra e noutros lugares; mas todas elas são rigorosamente fiscalizadas, inspecionadas, controladas, porque o Governo não deseja instituições livres, capazes de formar pacifistas, homens que pensem de modo contrário ao regime, ao sistema. Sendo a educação correta, sem dúvida, um perigo para o governo, uma das suas funções é cuidar de que não seja ministrada a educação correta. Há na Inglaterra cerca de 80.000 pacifistas. Se aumentar o seu número, não acham que se transformarão num perigo para o Governo? Por conseguinte, é preciso controlar os indivíduos, desde a infância. Não lhes permitamos pensar em termos que não admitam guerra, pátria, sistemas, ou ter uma ideologia diferente. Isso significa fiscalização por parte do Governo, controle do ensino pelo Ministro da Educação. Senhores, é isso que está acontecendo no mundo, quer lhes agrade, quer não; e significa que vocês, os cidadãos responsáveis pelo Governo, não desejam a liberdade. Não desejam um novo modo de existência, uma nova civilização, uma nova estrutura social. Se vocês têm alguma coisa nova, ela pode ser revolucionária, destruidora do que É; e como vocês desejam que as coisas continuem como estão, vocês dizem: “Ora, que haja um Governo que controle a educação”. Vocês desejam uma ligeira modificação aqui e ali, mas não desejam revolução no pensamento; e no instante em que desejam uma revolução no pensamento, o governo intervém, joga-lhes na prisão, ou acaba logo com vocês, a portas fechadas, e vocês caem no esquecimento. Senhores, quando o próprio homem não tem visão interior, luz interior, compreensão, um país se torna cada vez maios organizado e existe cada vez mais autoridade e compulsão externa. Ele se torna então um mero instrumento de autoridades, quer num Estado Totalitário, quer numa das chamadas democracias. Porque, nos momentos de crise, os chamados estados democráticos se tornam iguais aos totalitários, esquecendo a democracia e obrigando os homens a se conformarem a um padrão de ação.  

Agora, a segunda parte da pergunta é: “Como levantar fundos para escolas não controladas pelo governo?” Senhor, não é este o problema. No momento em que temos dinheiro, vem a corrupção. Considerem todas as escolas fundadas no estilo mais idealista possível. Observem seus dirigentes. Como engordam! No entanto, vocês podem fundar uma escolinha na esquina da rua de vocês. Sei de várias escolas que começaram assim e que estão funcionando, graças ao preparo, ao entusiasmo, ao sentimento dos seus fundadores. Uma das nossas dificuldades é querermos transformar toda a humanidade da noite para o dia — ou influenciar as massas, como vocês costumam dizer. Quem são as massas, a pobre humanidade? São vocês e eu. E se sentirem a fundo, se pensarem de fato em todos esses problemas— não apenas superficialmente, no espaço de uma tarde, para matar o tempo — farão então o que for necessário para a criação de uma nova escola, em qualquer parte, na esquina da rua ou na própria casa de vocês; porque, em tal caso, estarão interessados em seus filhos e nas crianças do círculo de vocês. Então aparecerá o dinheiro necessário, Senhor. Não se preocupem com o dinheiro. Dinheiro é de última importância. Deixem o dinheiro aos idealistas desejosos de fundar uma escola ideal. Se você e eu estamos bem conscientes do problema da existência humana, do que ela significa, se sabemos porque vivemos, porque sofremos, porque passamos por tantas torturas, se desejamos realmente compreender esse problema e ajudar a criança a compreende-lo, iniciaremos uma escola, sem fundos, sem toque de caixa, e sem coletas de vultuosas contribuições, porque, quando temos dinheiro, o que acontece? Não sabem o que acontece, senhores? Vocês têm seus recursos particulares, precisam preservá-los, saber — quem os gasta, se vocês, se o secretários de vocês, ou a comissão — e começam as preocupações com futilidades. Se possuem pouco dinheiro e verdadeira clareza de pensamento e sentimento, criarão uma escola. E, ao criar a escola, terão naturalmente de enfrentar a oposição ou a ingerência do governo. Se ensinam os seus alunos a não serem nacionalistas, a não fazerem continência à bandeira, porque o nacionalismo é um fator de guerras, se os ensinam a não serem comunalistas, se os ajudam a compreenderem todo o problema da existência, julgam que o governo lhes apoiarão? Se produzirem verdadeiros revolucionários, não no sentido de matar, mas verdadeiros revolucionários no pensamento e o sentimento, pensam que a sociedade os tolerará por um minuto?

Assim, como pais e preceptores vocês são responsáveis, precisam verificar se estão meramente concordando aos ditames do governo, se aprenderam meramente uma técnica que lhes dá uma certa capacidade para ganhar dinheiro, e se se contentam com manter a atual estrutura social, tal como está; ou se vocês têm verdadeiro interesse pelo viver correto e pela maneira correta de ganhar a vida. Se perceberem que os governos se baseiam na violência e são produto da violência, e compreenderem que por meios errôneos nunca será possível alcançar um fim justo; e se estão interessados em educar verdadeiramente os seus filhos sem dúvida criarão uma escola, seja onde for — na esquina, em seu quintal, ou em seu próprio quarto. Porque, senhores, não creio que sejam muitos os que percebem o abismo, a degradação a que chegamos.

(...) Contar com os governos, contar com as organizações exteriores para a transformação que deve começar no interior de cada um de nós, é esperar em vão. O que nos cabe fazer é transformar a nós mesmos, o que significa ficarmos cônscios das nossas ações, nossos pensamentos e sentimentos, na vida de cada dia.

(...) Senhor, a revolução deve começar no pensamento, e não no sangue; e se houver a verdadeira revolução do pensamento não haverá sangue. Mas se não houver correto pensar, verdadeiro pensar, haverá sangue, e mais sangue. Os meios injustos nunca produzirão um fim justo, porquanto o fim está contido no meio.

Jiddu krishnamurti — Da insatisfação à felicidade    





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