Relato de Derrame de Lucidez, por Jiddu Krishnamurti
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Relato de Derrame de Lucidez, por Jiddu Krishnamurti


KRISHNAMURTI

Surgindo por detrás das colinas, a lua rodeada por uma nuvem serpentina transformou-se em uma forma fantástica. Ela projetava uma claridade luminosa sobre as colinas, a terra e as pastagens verdejantes, desaparecendo imediatamente por entre espessas nuvens escuras que anunciavam chuva.

Durante o passeio, a meditação surgia em plena conversação e no meio da beleza noturna. De uma profundidade incrível, ela circulava interior e exteriormente; ela explodia em expansão.

Estávamos conscientes; aquilo chegava; não se pode dizer que estávamos fazendo a experiência, pois toda experiência é limitada; aquilo simplesmente surgia. Não havia nenhuma participação nisso; o pensamento não podia aí tomar parte, pois o pensamento é tão fútil e mecânico que a emoção não podia estar a isso associada; era verdadeiramente muito vivo e ao mesmo tempo perturbador para os dois. Aquilo surgiu de uma profundidade de tal modo desconhecida que não havia nenhum meio de medi-la. Mas havia um grande silêncio. Era absolutamente surpreendente e completamente incomum.

As folhas brilhavam intensamente sob a ação da lua que, em seu movimento em direção do oeste, inundava de luz o quarto. Até mesmo os latidos altos dos cães não perturbavam o silêncio absoluto da noite. Ao acordar, aquilo se encontrava lá, de uma maneira clara e precisa, e era o despertar que se revelava necessário e não o sono; estava bem decidido que era preciso estar consciente do que se passava, atento com plena consciência de todos os acontecimentos. Adormecido, poder-se-ia confundir tudo aquilo com um sonho, uma ilusão do inconsciente, um ardil do cérebro; mas completamente desperto, essa alteração estranha e desconhecida era uma realidade palpável, um fato e não uma ilusão ou um sonho. Aquilo tinha a qualidade, se é que podemos nos exprimir assim, de imponderabilidade e de força impenetrável.

E no repentino despertar, aquilo lá estava. E juntamente com aquilo surgiu um êxtase inesperado, uma alegria irracional; não havia nenhuma causa para isso, pois isso jamais fora objeto de uma pesquisa ou de uma busca. Aquele êxtase estava presente no novo despertar à hora habitual; ele estava lá e continuou durante um tempo bastante longo.

Krishnamurti’s Notebook, Victor Gollanez, Londres, 1976

(Embora seja originário da Índia, o caráter universal de seu ensinamento não permite classificá-lo em nenhuma das tradições espirituais, o que explica o porquê de o situarmos entre os ocidentais contemporâneos.)

Extraído do Livro: Antologia do Êxtase - Editora Palas Athena
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