Quando temos consciência de estarmos condicionados? Estamos algumas vez conscientes disso? Você percebe que está condicionado, ou só percebe a existência de conflito e luta, em vários níveis da sua existência? Não temos consciência de nosso condicionamento, certamente, mas apenas de que há conflito, dor, prazer.
“O que você entende por conflito?”
Qualquer espécie de conflito: conflito entre as nações, entre vários grupos sociais, entre indivíduos, e o conflito existente dentro de nós mesmos. Não é inevitável o conflito, enquanto não se der a integração do agente e da ação, do desafio e da reação? O conflito é nosso problema, não acha? Não um determinado conflito, mas todo e qualquer conflito: a luta entre as ideias, entre as crenças, as ideologias, os opostos. Se não houvesse conflito não haveria problemas.
“Você está sugerindo que devemos buscar uma vida de isolamento, de contemplação?”
A contemplação é penosa; é uma das coisas mais difíceis de se compreender. O isolamento, que, consciente ou inconscientemente, cada um de nós está buscando, à sua maneira, não resolve os nossos problemas;pelo contrário, aumenta-os. Estamos tentando compreender quais são os fatores de condicionamento que criam novos conflitos. Só estamos conscientes de conflito, dor ou prazer, mas não estamos conscientes de nosso condicionamento. Qual é a causa do condicionamento?
“As influências sociais e ambientes: a sociedade em que nascemos, o meio cultural em que crescemos, as exigências econômicas e politicas, etc.”
Exatamente; mas é só isso? estas influências são produtos de nós mesmos, não são? A sociedade é o resultado das relações de um homem com outro homem, o que é bastante evidente. Essas relações são de utilização, de necessidade, de conforto, de satisfação, e criam influências, valores, que nos prendem. Esse aprisionamento é nosso condicionamento. Estamos agrilhoados por nossos próprios pensamentos e ações; mas não estamos conscientes desses grilhões, e só percebemos o conflito, o prazer, a dor. Parece que nunca passamos daí, e, se o fazemos, passamos apenas a um novo conflito. Não estamos conscientes de nosso condicionamento, e enquanto não o estivermos, só poderemos produzir mais conflito e confusão.
“Como podemos estar conscientes de nossos condicionamentos?”
Só pela compreensão de um outro processo, o processo do apego. Se pudermos compreender a razão por que somos apegados, talvez então possamos perceber o nosso condicionamento.
“Isso não é dar uma volta muito grande, para atender uma questão direta?”
Você acha que é? tente ficar consciente de seu condicionamento. Não pode conhece-lo senão indiretamente, em relação alguma coisa. Não pode estar consciente de seu condicionamento como abstração, porque, nesse caso, trata-se apenas de um conhecimento verbal, sem muita significação. Nós só conhecemos o conflito. O conflito existe quando não há integração entre desafio e reação. Esse conflito é o resultado de nosso condicionamento. Condicionamento é apego: apego ao emprego, à tradição, à propriedade, a pessoas, ideias, etc. Se não houvesse apego, haveria condicionamento? Decerto que não. Portanto, por que é que temos apego? Tenho apego ao meus país porque, pela identificação com ele, eu sou alguém. Identifico-me com o meu trabalho, e o trabalho se torna importante. Eu sou minha família, minha propriedade; estou apegado a eles. O objeto de meu apego oferece-me o meio de fuga de meu próprio vazio. O apego é fuga, e a fuga é que robustece o condicionamento. Se tenho apego a você, é porque você se tornou meu meio de fuga de mim mesmo; por isso, você é muito importante para mim, e tenho de lhe possuir, manter-me preso a você. Você se torna o fator de meu condicionamento, e a fuga é o condicionamento. Se nos tornarmos conscientes de nossas fugas, perceberemos então os fatores, as influências que produzem condicionamento.
“Estou fugindo de mim mesmo com meu trabalho social?”
Você está a ele, está preso a ele? Você se sentiria aniquilado, vazio, entediado, se não fosse ele?
“Estou certo de que assim me sentiria.”
Seu apego a esse trabalho é a sua fuga. Há fugas em todos os níveis da nossa existência. Você se refugia no trabalho, outro na bebida, outro nas cerimônias religiosas, outro no saber, outro em Deus, e outros, ainda, em vários divertimentos. Todas as fugas são iguais; não há fuga superior ou inferior. Deus e a bebida se acham no mesmo nível, quando representam meios de fuga àquilo que somos. Quando temos consciência de nossas fugas, só então podemos conhecer o nosso condicionamento.
“Que devo fazer, se deixar de fugir por meio da assistência social? Posso fazer alguma coisa sem estar fugindo? Toda e qualquer ação de minha parte não representa uma forma de fuga ao que sou?”
Esta pergunta é meramente verbal, ou reflete uma realidade, um fato que você está experimentando? Se você não fugisse, que aconteceria? Já experimentou isso?
“O que você diz é tão negativo, se posso assim me expressar. Você não oferece substituto algum para o meu trabalho.”
Toda substituição não constitui uma outra forma de fuga? Quando uma certa atividade não é satisfatória ou cria mais conflito, corremos para outra. Substituir uma atividade por outra, sem compreensão da fuga, é um tanto fútil, não acha? São essas fugas e nosso apego a elas, que produzem condicionamento. O condicionamento cria problemas, conflitos. É o condicionamento que nos impede a compreensão do desafio; visto que estamos condicionados, a nossa reação tem de criar, inevitavelmente conflito.
“Como se pode ficar livre de condicionamento?”
Só pela compreensão, pelo percebimento de nossas fugas. Nosso apego a uma pessoa, um trabalho, uma ideologia, é o fator condicionador; temos de compreende-lo, em vez de buscarmos uma fuga melhor ou mais inteligente. Todas as fugas são ininteligentes, já que inevitavelmente produzem conflito. O cultivo do desapego constitui uma outra maneira de fuga, de isolamento; é apego a uma abstração, a um ideal. O ideal é coisa fictícia, produto do “eu”, e tornar-se o ideal representa uma fuga ao que é. Só há compreensão de o que é e ação adequada em relação ao que é, quando a mente já não está a buscar refúgios. O próprio pensar a respeito do que é, é fuga ao que é. Pensar no problema é fugir do problema; porque o pensamento é o problema, o único problema. A mente que não deseja ser o que é, que teme o que é, busca esses vários modos de fuga; e a via de fuga é o pensamento. Enquanto houver pensamento, haverá necessariamente fugas, apegos, que só podem fortalecer o condicionamento. Libertamo-nos do condicionamento quando nos libertamos do pensar. Quando a mente está tranquila de todo, só então há liberdade, para a existência do Real.
Krishnamurti – Reflexões sobre a vida