autoconhecimento
Se vos ocupais com vosso trabalho, então não o amais
Pergunta: Dizeis que uma mente ocupada não pode receber aquilo que é a Verdade ou Deus. Mas, de jeito posso ganhar a vida, a menos que esteja ocupado com meu trabalho? E vós, não estais ocupado com estas palestras que são vosso particular meio de ganhar a vida?
KRISHNAMURTI: Deus me livre de estar ocupado com minhas palestras! Não estou. E elas não constituem meu meio de vida. Se eu estivesse ocupado, não existiria nenhum intervalo entre pensamentos, aquele silêncio que é essencial para se ver qualquer coisa nova. Em tal caso, o falar me seria a coisa mais aborrecida do mundo. Não quer me aborrecer com minhas palestras, e por esta razão não falo de memória. O que faço é uma coisa completamente diferente. Mas, isso não tem importância, e podemos conversar a seu respeito, noutra ocasião.
O interrogante pergunta como poderá ganhar o seu sustento, se não se ocupar com seu trabalho. Vós vos ocupais com vosso trabalho? Escutai bem isto: Se vos ocupais com vosso trabalho, então não amais o vosso trabalho. Compreendeis a diferença? Se amo o que estou fazendo, não estou ocupado com isso, meu trabalho não está separado de mim. Porém, neste país, somos exercitados — e infelizmente este mesmo hábito se está generalizando no mundo inteiro — para adquirirmos eficiência num trabalho que não amamos. Pode haver uns poucos cientistas, uns poucos técnicos especialistas, uns poucos engenheiros que realmente amam o que fazem, no sentido total da palavra, o que explicarei mais adiante. Mas, em geral, não gostamos do que estamos fazendo, e por esta razão é que andamos ocupados com nosso meio de vida. Acho que se pode perceber uma diferença entre as duas coisas, se se examinar bem isso. Como posso amar o que estou fazendo, se estou sendo impelido, a todas as horas, pela ambição, se quero, com meu trabalho, alcançar um fim, tornar-me pessoa importante, ter êxitos felizes? O artista que está interessado no seu nome, sua grandeza, na comparação, na realização, na realização de suas ambições, deixou de ser artista, sendo meramente um técnico como outro qualquer. E isso significa, realmente, que para se amar uma coisa, faz-se necessária a cessação completa de toda ambição, todo desejo de reconhecimento por parte da sociedade, que afinal está podre (risos). Senhores, por favor, não façais isso! Mas, nós não somos preparados para isso, não somos educados para isso; temos de adaptar-nos a uma certa rotina que a sociedade ou a família nos deu. Porque os meus antepassados foram médicos, advogados, ou engenheiros, tenho de ser médico, advogado ou engenheiro. E, assim, perdemos o amor à coisa em si — se alguma vez o tivemos, do que duvido muito. E, quando amais uma coisa, não há nenhuma ocupação com ela. O espírito não está pretendendo alcançar alguma coisa ou procurando ser melhor do que outro; toda comparação, toda competição, todo desejo de sucesso, de preenchimento, desapareceu totalmente. É só a mente ambiciosa que anda ocupada.
De modo idêntico, a mente que está ocupada a respeito de Deus, da verdade, nunca o descobrirá, porque se a mente está ocupada com uma coisa, já a conhece. Se já conheceis o imensurável, o que conheceis é produto do passado, e, por conseguinte, não é o imensurável. A Realidade não pode ser medida, e por conseguinte não pode haver ocupação com ela; o que deve haver é só uma serenidade da mente, um vazio, , em que nenhum movimento existe, e é só então que pode despontar na existência o desconhecido.
Krishnamurti – Realização sem esforço – pág. 59 à 61 – 14 de agosto de 1955
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