Sem novos indivíduos, não há nova sociedade
autoconhecimento

Sem novos indivíduos, não há nova sociedade


[...]Deveis saber que há enorme confusão, aflição e sofrimento no mundo, e que o homem — o homem de nossos dias — não soube dar a isso a devida solução. Assim sendo, apela-se para o passado. Considera-se necessário retroceder cinco ou sete mil anos, para ressuscitar aquele passado e restaurar o sentimento religioso. E por esse caminho, igualmente, nada se resolve. Não há solução mediante o tempo. O tempo poderá tornar a vida mais aprazível, mais confortável, mas conforto e prazer não são soluções positivas para a vida. Tampouco se encontra a solução por meio de reformas. Não há solução no frequentar o templo, no ler qualquer livro sagrado. É necessário que o indivíduo compreenda quanto é sério tudo isso; que sejam abandonadas todas aquelas futilidades e nos coloquemos frente a frente com os fatos — nossa vida cotidiana, nossa existência brutal, ansiosa, insegura, cruel, com seus prazeres e entretenimentos — para vermos se, como ente humanos que vivemos há dois milhões de anos, poderemos operar uma radical transformação em nós mesmos e, por conseguinte, na estrutura da sociedade. 

O tomar conhecimento dessa responsabilidade, dessa obrigação, é muito difícil. Temos de trabalhar não só em nosso interior, mas também em nossas relações com outrem. Com a palavra "trabalho" não me refiro a pôr em prática alguma fórmula estulta, alguma teoria absurda, as asserções fantásticas de algum filósofo, guru ou instrutor. Todas essas coisas são infantilidades, impróprias de um indivíduo amadurecido. Quando dizemos "trabalho", isso significa que o indivíduo, cônscio de sua responsabilidade como ente humano vivente neste mundo, deve trabalhar pela transformação de si próprio. Pois, se ele operar essa mutação em si próprio, poderá transformar a sociedade. A sociedade não pode ser transformada por nenhuma revolução, quer econômica, quer social. Disso já tivemos provas com a Revolução Francesa e a Revolução Russa. A eterna esperança do homem de que, mediante a alteração das coisas exteriores, o ente humano pode ser transformado, nunca se realizou e nunca se realizará. A reforma exterior, a reforma econômica que forçosamente terá de operar-se nests país tão pobre — não irá modificar a atitude do homem, suas maneiras de vida, sua aflição e confusão. 

Assim, para que se opere uma total transformação do ente humano, é necessário que o homem se torne cônscio de si próprio, aprenda de uma nova maneira a respeito de si próprio. O homem, segundo as recentes descobertas da antropologia, vive a dois milhões de anos; e até hoje não descobriu uma solução para suas aflições. Tem sabido fugir delas, por meio de fantasias e ilusões. Mas não encontrou a necessária solução, não edificou uma sociedade livre de ajustamentos. 

[...] Como se observa neste país, cada homem cuida apenas de sua família, de seu grupo, sua classe, sua região natal, suas diferenças idiomáticas. Vive inteiramente alheio ao que está acontecendo a seu próximo; isso pouco lhe importa; é total a sua indiferença aos acontecimentos. Entretanto, seus livros religiosos ensinam que ele terá uma vida futura e, portanto, deve comportar-se decentemente; que existe karma: tudo o que ele agora faz é levado em conta — como fala, como diz as coisas, não importa a quem seja; que deve proceder virtuosamente, pois, do contrário, pagará por seus atos na próxima vida. É isso, em linhas gerais, o que eles preceituam. Nesta base, há séculos, os indivíduos estão sendo educados. No entanto, tais crenças e ideias nada importam em vossa vida, porque não credes. Continuais a comportar-vos como se esta fosse a única vida realmente importante. Porque continuais a competir, a ser ambicioso, a destruir o vosso semelhante; socialmente, sois destituídos de espírito cívico

Há, pois, duas formas de sociedade. Numa delas, o indivíduo é obrigado a ajustar-se, forçado pela necessidade de cooperar. Aí, o ente humano adquire a mentalidade cívica: não jogo lixo na rua, porque se o fizer serei punido. Nessa sociedade há ordem. Mas, dentro dessa ordem, dessa organização cada um está contra todos. Na outra forma de sociedade, a existente neste país, não há nenhuma estrutura social. Não há a menor consciência cívica, porque ninguém crê no que lhe é dito ou ensinado. 

Há essas duas formas de sociedade; e cada uma delas traz em si o germe de sua própria destruição. Assim sendo, ao home religioso importa criar uma nova sociedade inteiramente diferente daquelas, ou seja, uma sociedade em que cada indivíduo proceda virtuosamente em cada minuto, por compreender suas responsabilidades como ente humano; por compreender que só ele responde por sua conduta e suas atividades; só ele será responsável, se for ambicioso, cruel, destruidor, rancoroso, ciumento, competidor, atormentado por temores. — Só tais indivíduos podem criar uma nova sociedade. 

Necessitamos de uma nova sociedade; e ninguém mais a pode criar senão vós mesmos. Mas, não parecemos sentir nossa imensa responsabilidade a esse respeito. E é isso o que mais importa, antes de tudo o mais. Porque essa é que é a base adequada, ou seja, o comportamento virtuoso, a conduta justa — que não é conduta ditada por um padrão, porém conduta que decorre do aprender. Se o indivíduo está aprendendo a todas as horas, esse próprio ato de aprender cria a ação virtuosa. Por isso, só a mente religiosa pode criar a nova sociedade. 

[...] Para irmos muito longe, temos de começar com o que está muito perto. Devemos começar aqui e não do outro lado da existência. Deveis começar com a Terra, conosco, com os entes humanos, com vós mesmo, e nunca tentar descobrir a "beleza transcendental" da vida. Para se achar a beleza transcendental da vida, é preciso primeiramente conhecer a própria vida. Só através de nossa existência diária e pela compreensão da beleza dessa vida, só por essa porta se pode descobrir o imensurável.

Jiddi Krishnamurti em, A Suprema Realização




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