Sobre a questão da ação correta
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Sobre a questão da ação correta


Amigos, penso que a maior parte de nós acha que o mundo seria maravilhoso se não houvesse verdadeira exploração, e que seria um mundo esplêndido se cada ser humano tivesse a capacidade de viver naturalmente, plenamente e humanamente. Mas há muito poucos que querem fazer alguma coisa por isso. Como ideais, como uma Utopia, como uma coisa de sonho, todos os acarinham, mas muito poucos desejam ação. Não podem provocar uma Utopia nem pode haver a cessação da exploração sem ação.

Ora, só pode haver ação, ação colectiva, se houver em primeiro lugar cuidadosa consideração individual desse problema. Cada ser humano, em momentos sensatos, sente o horror da verdadeira exploração, seja pelo sacerdote, pelo homem de negócios, pelo médico, pelo político, ou por qualquer pessoa. Todos nós sentimos realmente, nos nossos corações, a crueldade aterradora da exploração, se já tivermos pensado nisso um só instante. E contudo cada um de nós é apanhado nesta roda, neste sistema de exploração, e esperamos e temos esperança que por algum milagre nasça um novo sistema. E assim, individualmente, sentimos que apenas temos que esperar, deixar que as coisas tomem o seu rumo natural, e que por algum meio extraordinário nasça um novo mundo. Sem dúvida que, para criar uma coisa nova, um novo mundo, uma nova concepção de organização, os indivíduos têm que começar. Isto é, os homens de negócios, ou alguém em particular, tem que começar a descobrir se a sua ação está realmente baseada na exploração.

Agora, conforme disse, há a exploração do sacerdote baseada no medo, há a exploração do homem de negócios baseada no seu próprio engrandecimento, acumulação de riqueza, avidez, formas subtis de egoísmo e segurança; e como se supõe que todos vocês aqui sejam homens de negócios, certamente que não podem deixar de lado cada problema humano e preocuparem-se integralmente com os negócios. Afinal, os homens de negócios são seres humanos, e os seres humanos, enquanto forem explorados, têm que ter em si, continuamente, este espírito rebelde. É somente quando atingem um determinado nível em que estão razoavelmente seguros que esquecem tudo sobre esta situação, sobre mudar o mundo, ou ocasionar uma determinada atitude de ação espontânea perante a vida. Porque atingimos um determinado estádio de segurança, esquecemos, e sentimos que tudo está bem; mas por trás de tudo isso pode sentir-se que não pode haver felicidade, felicidade humana, enquanto existir realmente exploração.

Ora, para mim, a exploração nasce quando os indivíduos procuram mais que as suas necessidades essenciais; e descobrir as vossas necessidades essenciais requer muita inteligência, e não podem ser inteligentes enquanto as vossas necessidades forem o resultado da procura de segurança, de conforto. Naturalmente, tem que se ter comida, tecto, roupa, e tudo isso; mas para que isto seja possível para todos, os indivíduos têm que começar a compreender as suas próprias necessidades, as necessidades que são humanas, e organizar todo o sistema de pensamento e ação em consequência disso, e só então poderá haver verdadeira felicidade criativa no mundo.

Mas atualmente o que está a acontecer? Lutamos uns contra os outros durante todo o tempo, excluímo-nos uns aos outros, há competição contínua em que cada um se sente inseguro, e todavia continuamos à deriva, sem tomar providências definidas. Isto é, em vez de esperarmos que aconteça um milagre para alterar este sistema, é necessária uma mudança completa e revolucionária, que cada um reconheça.

Embora possamos ter um ligeiro medo da palavra revolução, todos reconhecemos a imensa necessidade de uma mudança. E contudo, individualmente, somos incapazes de a provocar porque, individualmente, não tomamos em consideração, individualmente não tentamos descobrir porque deveria haver este contínuo processo de exploração. Quando os indivíduos forem realmente inteligentes, criarão então uma organização que providenciará as necessidades essenciais da humanidade, não baseada na exploração. Individualmente não podemos viver separados da sociedade. A sociedade é o indivíduo e enquanto os indivíduos estiverem apenas a procurar continuamente a sua própria auto-segurança, para eles próprios ou para a sua família, tem que existir um sistema de exploração.

E não pode haver felicidade no mundo se os indivíduos, como vocês, tratarem dos assuntos do mundo, dos assuntos humanos, separados do negócio. Isto é, vocês não podem, se me permitem dizê-lo, estar nacionalisticamente inclinados, e contudo falar da liberdade do comércio. Não podem considerar a Nova Zelândia como o país mais importante, e rejeitar depois todos os outros países, porque sentem, individualmente, a necessidade essencial da vossa própria segurança. Isto é, senhores, se é que posso pôr as coisas desta maneira, só pode haver verdadeira liberdade de comércio, desenvolvimento das indústrias, etc., quando não houver nacionalidades no mundo. Penso que isso é óbvio. Enquanto houver barreiras alfandegárias protegendo cada país tem que haver guerras, confusão e caos; mas se formos capazes de tratar todo o mundo, não como dividido em nacionalidades, em classes, mas como uma entidade humana, não dividido por seitas religiosas, pela classe capitalista e pela classe trabalhadora, só nessa altura haverá a possibilidade de verdadeira liberdade no comércio, na cooperação. Para originar isto não podem apenas pregar ou assistir a reuniões. Não pode haver apenas o prazer intelectual destas ideias, tem que haver ação; e para originar a ação temos que começar individualmente, muito embora possamos sofrer por isso. Temos que começar a criar uma opinião inteligente e desse modo teremos um mundo onde a individualidade não é esmagada, derrotada por um determinado padrão, mas que se torna um meio de expressão da vida; não a forma duramente tratada e condicionada a que chamamos seres humanos. A maior parte das pessoas quer e compreende que tem que haver uma mudança completa. Não vejo qualquer outra maneira que não seja começando como indivíduos, e então essa opinião individual tornar-se-á a realização da humanidade.

Pergunta: Que significado inteligível, se é que posso perguntar, atribui à ideia de um Deus masculino como postulado por praticamente todo o clero Cristão, e arbitrariamente imposto às massas durante a Idade Média e até ao momento presente? Um Deus imaginado em termos de gênero masculino tem, por todos os cânones sãos e razoáveis da lógica, que ser pensado, rezado, importunado e adorado em termos de personalidade. E um Deus pessoal – pessoal como nós seres humanos necessariamente somos – tem que estar limitado no tempo, no espaço, no poder e na finalidade, e um Deus tão limitado não pode ser um Deus. Precisamente em face desta colossal imposição, arbitrariamente imposta às massas, é para admirar que encontremos o mundo na sua presente situação catastrófica? Deus para ser Deus tem, numa realidade soberana e sensata, que ser a totalidade absoluta e infinita de toda a existência, tanto negativa como positiva. Não é assim?

Krishnamurti: Senhor, porque quer saber se Deus é masculino ou feminino? Porque questionamos? Porque tentamos descobrir se há um Deus, se é pessoal, se é masculino? Não será porque sentimos a insuficiência de viver? Sentimos que se pudéssemos descobrir o que é esta imensa realidade, então poderíamos moldar as nossas vidas de acordo com essa realidade; começamos assim a preconceber o que essa realidade tem que ser ou deve ser, e moldamos essa realidade de acordo com as nossas fantasias e caprichos, de acordo com os nossos preconceitos e temperamentos. Então começamos a edificar uma série de contradições e oposições, uma ideia do que pensamos que Deus deveria ser; e, para mim, um Deus assim não é Deus nenhum. É um meio humano de evasão das constantes batalhas da vida, desta coisa a que chamamos exploração, das inanidades da vida, da solidão, dos sofrimentos. O nosso Deus é apenas um meio de escape destas coisas; ao passo que, para mim, há algo muito mais fundamental, real. Eu afirmo que há algo como Deus; não nos interroguemos sobre o que é. Vocês descobrirão se começarem realmente a compreender o próprio conflito que está a estropiar a mente e o coração: esta luta contínua pela auto-segurança, este horror da exploração, as guerras e as nacionalidades, e os absurdos da religião organizada. Se os enfrentarmos e os compreendermos, então descobriremos o verdadeiro significado em vez de especular; o verdadeiro significado da vida, o verdadeiro significado de Deus.

Pergunta: Segue Maomé, ou Cristo?

Krishnamurti: Posso perguntar porque é que alguém deve seguir outro? Afinal, a verdade ou Deus não se encontra imitando outro: nessa altura tornar-nos-emos apenas máquinas. Precisamos de facto, nós, como seres humanos, de pertencer a qualquer seita, seja o Maometismo, o Cristianismo, o Hinduísmo ou o Budismo? Se instituírem uma pessoa como vosso Salvador, como vosso guia, então tem que haver exploração; tem que haver uma modelação do mundo a uma determinada seita tacanha. Ao passo que, se realmente não instituirmos ninguém como autoridade, mas descobrirmos o que eles dizem, o que qualquer ser humano diz, então compreenderemos algo que é duradouro; mas apenas seguir outro não nos levará a lado nenhum. Presumo que sejam todos Cristãos, e que dizem que seguem Cristo. Seguem-no? Os seres humanos, quer pertençam ao Cristianismo ou ao Maometismo ou ao Budismo, seguem realmente os seus líderes? É impossível. Não o fazem. Portanto porquê chamarem a si próprios nomes diferentes e separarem-se? Ao passo que, se tivéssemos realmente alterado o meio em que nos tornamos assim escravos, nessa altura seríamos realmente Deuses em nós mesmos, não seguiríamos ninguém. Pessoalmente, não pertenço a nenhuma seita, grande ou pequena. Encontrei a verdade, Deus, ou que lhe quiserem chamar, mas não a posso transmitir a outro. Apenas se pode descobrir através da inteligência consumada, e não através da imitação de certos princípios, crenças ou personagens.

Pergunta: Existe uma força ou influência exterior conhecida como o mal organizado?

Krishnamurti: Existe? O homem de negócios moderno, o nacionalista, o seguidor da religião – eu chamo males a estas pessoas, males organizados; porque, senhores, criamos individualmente estes horrores no mundo. Como nasceram as religiões com o seu poder de explorar implacavelmente as pessoas através do medo? Como se tornaram nestas formidáveis máquinas? Nós criamo-las individualmente através do nosso medo da outra vida. Não que não haja outra vida: isso é uma coisa totalmente diferente. Nós criamos essa máquina e estamos aprisionados nela; e são apenas muito poucos aqueles que se afastam, e a essas pessoas vocês chamam Cristo, Buda, Lenin, ou X, Y, Z.

Depois há o mal da sociedade como ela é. É uma máquina organizada e opressiva para controlar os seres humanos. Vocês pensam que se os seres humanos forem libertados tornar-se-ão perigosos, que farão toda a espécie de horrores; portanto dizem, “Vamos controlá-los socialmente, pela tradição, pela opinião, pela limitação da moralidade”; e é a mesma coisa economicamente. Assim gradualmente estes males tornam-se aceites como coisas normais e saudáveis. De facto, é óbvio como através da educação somos compelidos a integrar-nos num sistema em que nunca se pensa na vocação individual. Vocês são forçados a integrar-se nalgum trabalho; e assim criamos uma vida dupla, durante todas as nossas vidas, essa do negócio das 10 às 5, ou lá o que é, que nada tem a ver com a outra, a nossa vida privada, social, caseira. Portanto estamos continuamente a viver em contradição, indo ocasionalmente, se estiverem interessados, à igreja, para manter a moda, o espetáculo. Investigamos a realidade, Deus, quando há momentos de conflito, momentos de opressão, momentos em que há uma catástrofe. Dizemos, “Tem que haver uma realidade. Porque vivemos?” Criamos assim gradualmente nas nossas vidas uma dualidade, e por isso nos tornamos tão hipócritas.

Portanto, para mim, existe um mal. É o mal da exploração engendrado pelos indivíduos através da sua ânsia de segurança, de auto-preservação a qualquer custo, independentemente de todos os seres humanos; e não há nisso afeto, não há verdadeiro amor, mas apenas esta possessividade que classificamos como amor.

Pergunta: Pode dizer-nos como chegou a este grau de compreensão?

Krishnamurti: Receio que fosse demorar muito tempo, e pode ser muito pessoal. Em primeiro lugar, Senhores, eu não sou um filósofo, não sou um estudante de filosofia. Penso que aquele que seja apenas estudante de filosofia está já morto. Mas vivi com toda o gênero de pessoas, e fui criado, como talvez saibam, para levar a cabo uma certa função, um certo cargo. Mais uma vez, isso significa “explorador”. E era também o dirigente de uma enorme organização em todo o mundo, para fins espirituais; e vi a falácia disso, porque não se pode conduzir os homens à verdade. Só se pode torná-los inteligentes através da educação, o que nada tem a ver com sacerdotes e os seus meios de exploração – as cerimonias. Portanto dissolvi essa organização; e, vivendo com as pessoas, e não tendo uma ideia fixa sobre a vida, ou uma mente limitada por um determinado contexto tradicional, comecei a descobrir o que, para mim, é a verdade: verdade para toda a gente – uma vida que se pode viver saudavelmente, sensatamente, humanamente, não baseada na exploração, mas nas necessidades. Sei o que preciso, e que não é muito, portanto quer trabalhe para elas escavando um jardim, ou falando, ou escrevendo, isso não é de muita importância.

Em primeiro lugar, para descobrir qualquer coisa, tem que haver um grande descontentamento, um grande questionamento, infelicidade; e muito poucas pessoas no mundo, quando estão descontentes, desejam acentuar esse descontentamento, desejam passar por ele para descobrir. Geralmente as pessoas querem o oposto. Se estão descontentes, querem felicidade, ao passo que, por mim – se me permitem ser pessoal – eu não queria o oposto, eu queria descobrir; e assim gradualmente através de vários questionamentos e através de um atrito contínuo, cheguei a compreender isso a que se chama a verdade ou Deus. Espero ter respondido à pergunta.

Pergunta: Diga-nos algo sobre a sua ideia sobre a outra vida.

Krishnamurti: É extraordinário! Supõe-se que isto seja uma reunião para pessoas de negócios, e estamos a falar sobre a outra vida, Deus, e tudo o mais. Isso indica que não estamos nada interessados nos nossos negócios; estamos interessados neles apenas como um meio de obter dinheiro para existir; e os nossos interesses humanos estão separados da nossa vida quotidiana.

Ora bem, com respeito ao que reside na outra vida, talvez tenham lido o que alguns dos maiores cientistas na Europa dizem: que há uma continuação após a morte. Alguns deles sustentam que há uma continuação individual, outros com igual ênfase negam-no. É bastante óbvio que existe uma espécie qualquer de continuação, seja a forma de pensamento da entidade que morre, seja a expressão do pensamento do mundo, etc.

Agora, vamos descobrir, investigar sobre o que chamamos individualidade. Quando fazemos a pergunta, “Existe uma outra vida?” porque a fazemos? Porque querem saber se continuam como o Sr. X quando morrem; ou querem saber porque amam muito alguém, e essa pessoa morreu. Portanto vamos descobrir o que é esta coisa a que chamamos individualidade – isto é, o meu irmão, a minha mulher, o meu filho, ou eu: o que é? Quando falam do Sr. X, o que é esse Sr. X? Não é uma forma, um nome, determinados preconceitos, uma determinada conta bancária, determinadas distinções de classe? Isto é, o Sr. X tornou-se o ponto focal deste estado da sociedade.

Espero estar a explicar isto. Colocarei a questão desta maneira. Um indivíduo comum presentemente, tal como é, nada mais é que o ponto focal do meio, da sociedade, da religião, dos editos morais e das condições econômicas – como indivíduo comum, é isso que ele é. Não é assim? Esse ponto focal, com as suas contradições, preconceitos, esperanças, ânsias, medos, gostos e antipatias, constitui esse fardo a que chamamos indivíduo, tal como o Sr. X. Agora, queremos saber se esse Sr. X viverá na outra vida. Há a possibilidade que ele possa viver, e que viva agora. Esperem um momento. Isso não tem importância, pois não? Porque o que chamamos indivíduos nada mais são que o resultado de um meio falso. Este ponto focal do presente estado de individualidade é na realidade falso, não é? Um homem comum tem que lutar neste mundo para poder viver. Tem que ser competitivo, implacável, e tem que pertencer a certas classes sociais, Burguesia, Proletariado, Capitalismo; ou pertence a determinadas seitas religiosas chamadas por vários nomes, Cristianismo, Hinduísmo, Budismo, etc. De facto estes meios são falsos quando tenho que lutar implacavelmente com o meu próximo para poder viver. Não há qualquer coisa podre num tal estado? Não há qualquer coisa anormal ao dividirmo-nos em classes? Não há qualquer coisa de rude quando nos auto-denominamos Cristão, Hindus, Maometanos ou Budistas? Assim estes meios falsos criam atrito na mente, e a mente identifica-se como o Sr. X. E então surge a questão, “O que acontece? Viverei, ou não viverei?” Conformo digo, há uma possibilidade que eles possam viver; mas nesse viver não há felicidade, inteligência criativa, alegria na vida; é uma batalha contínua. Ao passo que, se compreendermos o verdadeiro significado de todos estes meios colocados na mente – religioso, social, econômico – libertando por isso a mente do conflito, descobriremos que há uma unidade focal diferente, uma individualidade totalmente diferente; e eu afirmo que essa individualidade é contínua; não é vossa e minha. Essa individualidade é a expressão eterna da vida em si, e nela não há morte, não há princípio nem fim; há nela uma mais ampla concepção de vida. Ao passo que, nesta falsa individualidade tem que haver morte, tem que haver a contínua interrogação de se viverei ou não viverei. Este medo é contínuo, obsessivo, perseguidor.

Pergunta: Acha que os sistemas sociais do mundo evolucionarão para um estado de fraternidade internacional, ou ela será ocasionada através de instituições parlamentares, ou pela educação?

Krishnamurti: Tal como a sociedade está organizada, não conseguem ter fraternidade internacional. Não podem continuam a ser Novo Zelandeses, e eu um Hindu, e falar sobre fraternidade. Como pode haver realmente fraternidade, se estão restringidos por situações econômicas, por este patriotismo que é uma coisa tão falsa? Isto é, como pode haver fraternidade se vocês continuam a ser Novo Zelandeses, agarrando-se aos vossos preconceitos específicos, às vossas barreiras alfandegárias, patriotismo, e todo o resto; e eu um Hindu a viver na Índia, com os meus preconceitos? Podemos falar de tolerância, deixar-nos em paz uns aos outros, ou eu mandar-lhes missionários e vocês mandarem-me missionários, mas não pode haver fraternidade. Como pode haver fraternidade quando vocês são Cristãos e eu sou Hindu, quando vocês são dominados pelos sacerdotes e eu sou também dominado pelos sacerdotes de um modo diferente, quando vocês têm uma forma de adoração e eu tenho outra? – o que não significa que vocês tenham que chegar à minha forma de adoração ou que eu tenha que chegar à vossa.

Portanto, tal como estão as coisas, elas não resultarão em fraternidade. Pelo contrário, há o nacionalismo, mais governos soberanos, que não são senão os instrumentos da guerra. Portanto, tal como existem, as instituições sociais não podem evolucionar para uma coisa magnífica, porque as suas próprias bases, a sua fundação está errada; e os vossos parlamentos, a vossa educação baseada nestas ideias, não ocasionará a fraternidade. Olhem para todas as nossas nações. O que são elas? Nada senão instrumentos de guerra. Cada país é melhor que o outro, cada país a bater o outro, inflamando esta falsa coisa chamada patriotismo. Por favor, vocês gostam de determinados países, determinados países são mais bonitos que outros, e vocês apreciam-nos. Desfrutam da beleza tal como desfrutam de um pôr-do-sol, seja aqui, na Europa ou na América. Nada há de nacionalista, nem de sentimento patriótico por trás disso – vocês desfrutam-na. O patriotismo só chega quando as pessoas começam a usar o vosso prazer para um objectivo. E como pode haver verdadeira fraternidade, através do patriotismo, quando todas as formas de governo se baseiam na distinção de classes, quando uma classe que tem tudo governa a outra que nada tem, ou envia representantes que nada têm para o parlamento? Sem dúvida que esta abordagem ao estado humano, à unidade humana é impossível. É tão óbvio, que nem necessita de discussão.

Enquanto houver distinções de classe desenvolvendo-se em nacionalidades, baseadas na exploração pela classe possessiva, ou pela classe que tem os meios de produção nas mãos, tem que haver guerras; e através das guerras não vão obter fraternidade. Isso é óbvio. Podem ver isso na Europa desde a Guerra: maior sentimento nacional, mais patriotismo fanático, barreiras alfandegárias mais fortes. Isso, por certo, não vai gerar fraternidade. Pode gerar fraternidade no sentido de que haverá uma grande catástrofe e as pessoas despertarão e dirão, “Por amor de Deus, despertemos e sejamos sensatos.” Isso eventualmente poderá gerar fraternidade; mas as nacionalidades não gerarão fraternidade, não mais que as distinções religiosas, que estão realmente, se chegarem a refletir sobre isso, baseadas em refinado egoísmo. Todos queremos estar seguros no céu – seja lá o que for esse lugar – protegidos, seguros, certos, e portanto criamos instituições, organizações, para produzir a certeza, e chamamos-lhes religiões, aumentando assim a exploração. Ao passo que, se realmente virmos a falsidade de todas estas coisas, não só percebendo-as intelectualmente mas realmente sentindo-as completamente com a nossa mente e coração, então há uma possibilidade de fraternidade. Se o percebermos, então há um ato voluntário, verdadeiro, moral. Quando percebemos uma coisa completamente e agimos, chamo a isso um verdadeiro ato moral, e não quando somos forçados pela circunstâncias, ou quando se provoca uma fraternidade forçada pela completa e brutal necessidade da vida. Isto é, quando as pessoas de negócios, o capitalista, os financeiros, começarem a ver que esta distinção não compensa, que não podem fazer mais dinheiro, que não podem estar na mesma posição, então produzirão um meio forçando o indivíduo a tornar-se fraterno; tal como agora somos forçados pelo meio a não ser fraternos, a explorar, assim serão também forçados a cooperar. Por certo que isso não é fraternidade; é apenas uma ação provocada pela conveniência, sem inteligência e compreensão humanas.

Assim, para realmente trazer a inteligência humana à ação, os indivíduos têm que agir moralmente e voluntariamente e então criarão uma organização na qual serão verdadeiros lutadores contra a exploração. Mas isso requer muita percepção, muita ação inteligente, e só podem começar por vocês mesmos; só podem cuidar do vosso próprio jardim, não podem olhar pelo do vosso vizinho.

Pergunta: Por favor seja franco. Podemos conhecer a verdade tal como a conhece, parar de explorar, e ainda continuar com o negócio, ou sugere que o vendamos? Poderia entrar para o comércio e permanecer tal como é?

Krishnamurti: Senhor, por favor, não estou a esquivar-me do problema. Serei perfeitamente franco. Tal como o sistema está organizado, a menos que se retirem para uma ilha deserta onde cozinhem e façam tudo sozinhos, tem que haver exploração. Não é assim? É óbvio. Enquanto o sistema estiver baseado na competição individual, na segurança, na possessividade, como seus alicerces, tem que haver exploração. Mas não se podem libertar desses alicerces porque não têm medo, porque descobriram quais são as vossas necessidades essenciais, porque são ricos em vocês mesmos? Assim, embora permaneçam no negócio, descobrem que as vossas necessidades são muito poucas; ao passo que, se houver pobreza de mente e coração, as vossas necessidades tornam-se colossais. Mas de novo, a menos que se seja realmente honesto, absolutamente franco, e não se engane subtilmente a si próprio, o que eu disse pode ser usado para explorar mais. Não me importaria pessoalmente de entrar para o negócio, mas para mim não teria valor, porque não tenho necessidade de entrar para o negócio. Por isso, de que adiantaria falar teoricamente? Não que tenha dinheiro; mas faria qualquer coisa razoável, sensata, porque as minhas necessidades são muito poucas, e não tenho medo de ser destruído. É quando há o medo de perder – o medo da perda de segurança, preservação – que lutamos. Mas se estiverem preparados para perder tudo porque nada têm – bem, não há exploração. Isto soa ridículo, absurdo, selvagem, primitivo, mas se realmente pensarem nisso sensatamente, se lhe concederem alguns minutos do vosso pensamento criativo, verão que não é tão absurdo quanto isso. É o selvagem quem está continuamente às ordens das suas necessidades, não o homem de inteligência. Ele não se apega às coisas, porque interiormente ele é extremamente rico; por isso as suas necessidades externas são muito poucas. Sem dúvida que podemos organizar uma sociedade que se baseie em necessidades, não nesta exploração através da publicidade. Espero ter respondido à sua pergunta, senhor.

Pergunta: Sem desejar explorar o orador, eu considero-o como um dos maiores de todos os exemplificadores do altruísmo filosófico, mas gostaria muito que ele dissesse aqui à sua audiência esta tarde que crença tem ele no derradeiro milênio, que sem dúvida ele e toda a raça humana procuram.

Krishnamurti: Senhor, ter um milênio perfeito significa que o selvagem tem de ser tão inteligente como qualquer outra pessoa, tem que ter condições tão perfeitas como outra pessoa qualquer. Isto é, todos os seres humanos a viver no mundo num preciso momento, ao mesmo tempo, têm que ser todos felizes. Certamente que esse é o derradeiro milênio, não é? Isso é o que queremos dizer quando falamos sobre ele. Muito bem, senhor. Espere um momento. É possível tal coisa? Por certo que não é possível. Nós pensamos que o milênio é um momento em o ideal nasceu, quando a civilização atingiu o seu mais alto pináculo. É como um ser humano que molda a sua vida a um determinado ideal, e atinge o auge. O que acontece a um ser humano assim? Ele quer uma outra coisa, há um ideal posterior. Por isso, ele nunca alcança a culminação. Mas quando um ser humano vive, não tentando alcançar, não tentando ser bem sucedido, não tentando atingir o auge, mas vive plenamente, humanamente, durante todo o tempo, então a sua ação, que tem que se refletir na sociedade, não atingirá um pináculo. Estará constantemente em movimento, e por isso continuamente a crescer, e não a procurar arduamente uma culminação.

A Arte de Escutar - Jiddu Krishnamurti - Auckland - palestra a homens de negócios 6 de abril, 1934
Auckland, Nova Zelândia - palestra a homens de negócios6 de abril, 1934




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