Sobre as críticas ao misticismo e a espiritualidade - Parte 1
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Sobre as críticas ao misticismo e a espiritualidade - Parte 1


O misticismo e a espiritualidade têm sido criticados sob dois pontos de vista. Devemos examinar estas críticas antes de prosseguir:

1. O místico dá as costas à vida

...O místico, nesta concepção, é o homem que se desvia para o irreal, para as regiões ocultas de uma terra de quimeras autoconstruída, e lá perde seu caminho... O místico ou se desprende da vida, como o asceta de um outro mundo ou o visionário distante, e por isso não pode ajudar a vida, ou então não traz nenhuma solução ou resultado melhor do que o do homem prático ou o homem de intelecto e razão.

[A esta espécie de crítica pode-se replicar que a verdadeira tarefa da espiritualidade] não é solucionar problemas humanos na base mental do passado ou do presente, mas criar um novo fundamento de nosso ser e de nossa vida e conhecimento. A tendência do místico para a ascese ou para um outro mundo é uma afirmação extrema de sua recusa em aceitar as limitações impostas pela Natureza material: pois sua verdadeira razão de ser é ir além dela; se ele não pode transformá-la, deve deixá-la. Ao mesmo tempo, o homem espiritual absolutamente não se colocou fora da vida da humanidade; pois o sentido de unidade com todos os seres, a insistência em um amor e compaixão universais, a vontade de gastar as energias para o bem de todas as criaturas, são centrais para o florescimento dinâmico do espírito: ele buscou ajuda, portanto; ele foi guia, como os antigos RISHIS ou como os profetas, ou baixou-se para criar, e sempre que o fez, tendo em si algo do poder direto do Espírito, os resultados foram prodigiosos. Mas a solução do problema oferecido pela espiritualidade não é uma solução alcançável por meios externos, embora estes também tenham de ser usados; só se chega a ela por via de uma mudança interior, de uma transformação de consciência e da natureza.

Conquanto não tenha sido resultado decisivo mas apenas adicional, um acréscimo de alguns novos elementos mais refinados à soma da consciência tem sido a consequência geral, e se não houve transformação vital, tal se deu porque o homem da massa sempre desviou o impulso espiritual, por afastado do ideal espiritual ou por adotá-lo apenas como forma, rejeitando a mudança interior. Não se pode recorrer à espiritualidade, para haver-se com a vida, por um método não espiritual, ou tentar curar-lhe os males com panacéias — os remédios políticos, sociais ou mecânicos que a mente está sempre tentando usar e que sempre malograram e continuarão a malograr na solução do que quer que seja. As mudanças mais drásticas efetuadas por tais meios não mudam coisa nenhuma, pois os velhos males continuam a existir sob nova forma: o aspecto do ambiente exterior se altera, mas o homem permanece o que é: um ser mental ainda ignorante, usando mal e de maneira não eficaz o próprio conhecimento; um ser acionado pelo ego e dirigido pelas paixões, desejos vitais e necessidades do corpo; um ser sem espiritualidade e de visão superficial, ignorante de si mesmo e das forças que o impelem e que dele se valem. Suas construções vitais têm valor como expressões de seu ser individual e coletivo no estágio a que chegou, ou como maquinaria para a conveniência e bem-estar de seus órgãos vitais e físicos e como campo e meio para o desenvolvimento mental; todavia, nada disso pode levá-lo para além do seu ser atual ou servir como maquinaria para transformá-lo; a perfeição do homem e dessas construções pode vir apenas pela maior evolução do próprio homem. Somente uma mudança espiritual, uma evolução de seu ser, do mental superficial rumo à consciência espiritual mais funda, pode produzir uma diferença   real e efetiva. Descobrir o ser espiritual em si mesmo é o empenho principal do homem espiritual, e ajudar outros no sentido da mesma evolução é seu serviço real à espécie; até que isto seja feito, uma ajuda exterior pode socorrer e aliviar, mas nada ou muito pouco mais que isso é possível.

É verdade que a tendência espiritual tem sido olhar antes para além da vida do que para a vida. É verdade também que a mudança espiritual tem sido individual, e não coletiva; seu resultado foi bem sucedido no homem, mas foi mal sucedido ou apenas indiretamente operativo na massa humana. A evolução espiritual da Natureza ainda está em processo e incompleta — pode-se quase dizer, ainda apenas no começo — e sua preocupação principal tem sido afirmar e desenvolver uma base de consciência e conhecimento espiritual e criar mais e mais um fundamento ou formação para a visão daquilo que é eterno na verdade do espírito.

Sri Aurobindo - The Life Divine





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