autoconhecimento
Somos indivíduos?
É bem óbvio que não somos verdadeiros indivíduos. Cada um pode ter um nome diferente, diferentes tendências, sua casa própria, sua conta-corrente no banco, pertencer a uma determinada família, ter certos maneirismos, ser devoto de uma certa religião; entretanto nada disso constitui a individualidade. Nossa mente, na sua totalidade, é o resultado das influências do meio social, de uma determinada cultura ou civilização, de determinada religião; e, enquanto pertencer a qualquer dessas “particularidades”, a mente, é claro, não pode ser simples, pura, direta. Para o descobrimento do Real é indispensável uma mente clara e simples.
Nessas condições, há possibilidade de verificarmos juntos, vós e eu, se se pode libertar a mente de todo esse peso da influência, da tradição, da crença? Porque a mim me parece que esta é a única finalidade do viver; descobrir o que é a Realidade. Se desejamos fazer este descobrimento, devemos investigar o que é que nos faz conformar-nos, ajustar-nos. Estamos a ajustar-nos a todas as horas, não é verdade? Nossa vida e nossas tendências, nossa educação, nossa moral, todas as sanções da religião, estão orientadas para o conformismo. Nossa religião se baseia essencialmente no conformismo. E, por certo, a mente que se conforma, se ajusta, não é livre, não é capaz de investigação. Em vista disso, podemos nós, vós e eu, examinar no seu todo esse processo de conformismo, descobrir o que é que faz a mente sujeitar-se a um determinado padrão de sociedade, de cultura? Nós nos ajustamos, porque, essencialmente, temos medo. Não é verdade? Impelidos pelo medo, criamos a autoridade, a autoridade da religião, a autoridade de um guia, porque o nosso desejo é estar em segurança, protegidos; talvez não tanto assim do ponto de vista físico, mas, essencialmente, desejamos segurança interior, segurança psicológica e criamos assim, uma sociedade que nos garanta a segurança exterior.
Isso é um fato psicológico, e, como tal, não pode ser objeto de debate ou disputa. Isto é, desejo estar em segurança; psicologicamente, interiormente, desejo uma certeza — certeza de bom êxito, certeza de realizar algo, certeza de “chegar lá”, onde quer que esteja esse “lá”. E assim sendo, para que possa realizar, “chegar”, ser alguma coisa, necessito da autoridade.
Vede, por favor — se desejais colher algum fruto destas palestras — que seria aconselhável, enquanto ouvis, examinásseis com atenção a vossa mente. A fala, as palavras não são mais do que uma simples descrição de vosso próprio estado mental; e só escutar palavras nenhuma significação tem. Mas se, no processo de escutar, somos capazes de olhar para dentro de nós mesmos e observar as operações de nossa própria mente, terá então significado esse escutar “descritivo”. E espero se me permitis sugeri-lo — estejais procedendo assim, e não meramente a escutar as minhas palavras.
Cada um de nós tem o desejo de segurança — nas relações, no amor, nas crenças, nas nossas experiências; queremos estar seguros, certos, livres de toda dúvida. E, uma vez que este é o nosso mais íntimo desejo, psicologicamente falando, é bem óbvio que temos de estribar-nos na autoridade. Eis a verdadeira anatomia da autoridade, a sua verdadeira estrutura; aqui temos a razão por que a mente cria a autoridade. Podeis rejeitar a autoridade de uma certa sociedade, de um certo líder, ou de uma certa religião; mas, nesse caso, vós mesmos criareis outra autoridade. E então será vossa própria experiência, vosso próprio saber que se tornará vosso guia. Porque a mente quer sempre estar certa; não pode viver num estado de incerteza. Por estar sempre interessada na certeza, ela tem de criar autoridades.
E esta é a base em que está assentada a nossa sociedade, com sua cultura, seu saber, suas religiões. Ela se baseia essencialmente na autoridade, a autoridade da tradição, do sacerdote, da Igreja, ou a autoridade do especialista. Como a nossa intenção é viver em segurança, tornamo-nos escravos dos especialistas. Mas, sem dúvida, se queremos achar algo que seja real, e não apenas ficar a repetir as palavras “Deus”, “Verdade”, que nenhuma significação têm, quando repetidas; se queremos fazer algum descobrimento, a mente tem de achar-se numa insegurança absoluta, num estado de não dependência de qualquer autoridade. Isto é dificílimo para a maioria de nós, que fomos educados, desde pequenos, para crer, para viver sempre em alguma espécie de dependência; e, na falta do líder, do guia, do instrutor, do sacerdote, criamos nossa imagem própria do que pensamos ser verdadeiro e que nada mais é do que a reação de nosso próprio condicionamento.
Assim sendo, parece-me que, enquanto a mente estiver sendo moldada e controlada pela sociedade — não só o ambiente social, educativo e cultural, mas o conceito geral de autoridade, crença e conformismo — é bem óbvio que ela, a mente, não pode encontrar o que é verdadeiro, e, portanto, não poderá ser criadora; só saberá imitar, repetir. O problema, por conseguinte, não é — “Como ser criador?” — e sim, — “se podemos compreender de modo completo o “processo” do medo” — o medo da opinião dos outros, o medo à solidão, o medo de perdermos dinheiro, o medo de não alcançarmos a meta, de não sermos bem sucedidos neste mundo ou noutro mundo qualquer. Enquanto houver alguma forma de temor, este temor criara a autoridade, da qual a mente ficará dependendo; e, em tais condições, é bem de ver que a mente não será capaz de avançar, de investigar, de afastar todos os obstáculos, a fim de descobrir o que é “ser verdadeiramente criador”.
Não achais, pois, que é importante perguntemos a nós mesmos, cada um de nós, se realmente somos indivíduos, e não fiquemos meramente a dizer que o somos? Na realidade, não somos indivíduos. Podeis ter um corpo separado, um rosto diferente, nome e família diferentes; mas a vossa estrutura mental interna está essencialmente condicionada pela sociedade; por conseguinte, não sois indivíduos. Por certo, só a mente não acorrentada pelas imposições da sociedade, e todas as respectivas complicações, só essa mente pode ser livre para investigar o que é a Verdade e o que é Deus. Do contrário, nada mais fazemos senão provocar repetidas catástrofes e nunca haverá possibilidade de realizar-se aquela revolução que fará nascer um mundo totalmente diferente. Esta me parece a única coisa verdadeiramente importante — não a que sociedade, a que grupo, a que religião devemos ou não devemos pertencer (pois tudo isso já se tornou muito infantil), porém sim que cada um investigue, por si mesmo, se a mente pode libertar-se de todas as imposições do uso, da tradição, da crença, para investigar livremente o que é verdadeiro. Só então poderão existir entes humanos criadores.
Krishnamurti – Austrália e Holanda – 1955 (2ª Conferência em Amsterdã)
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