autoconhecimento
Sr. Ninguém
POSTAGEM EDITADA E POSTA NO NOVO BLOG:Mr. Nobody é uma filme que traz questionamentos sobre a existência de realidades paralelas e como o tempo e espaço são ilusões da percepção.
Através da vida de
Nemo o filme nos ajuda a refletir sobre nossas escolhas e suas consequências, a existência de um "Observador"/"Deus", que é a nossa consciência.
O filme aborda o despertar da consciência de
Nemo para sua multidimensionalidade e existência fora do tempo e espaço, enquanto ao mesmo tempo nos mostra, de maneira abstrata, as simplicidades e complexidades dos comportamentos de nós humanos.
Trailer (legendado)
Formato: RMVBÁudio: InglêsLegenda: Português
Download do Filme Completo__________________________________
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AVISO DE SPOILER
Se você ainda não viu o filme, não leia.
"Sr. Ninguém" (Mr. Nobody, 2009) é um surpreendente filme onde o diretor belga Jaco Van Dormael bebe nas fontes mitológicas do Gnosticismo basilidiano: um protagonista prisioneiro na principal falha cósmica do universo físico (a flecha do tempo) vê sua existência como um gigantesco hipertexto com diversos futuros alternativos resultantes das decisões. O filme narra a luta de um homem contra o caos e o aleatório que interferem no livre-arbítrio das decisões.
O que há em comum entre a Teoria das Cordas da Cosmologia, o Efeito Borboleta da Teoria do Caos, Futuros distópicos, a possibilidade da quase imortalidade, Entropia e a flecha do tempo, a impermanência da memória, morte, amor, segunda chance, missões para Marte e mágoas de um divórcio? Para o diretor belga Jaco Van Dormael são partes de um mesmo continuum: um protagonista (Nemo – Jared Leto) prisioneiro em um cosmos condenado pela flecha do tempo e pela entropia (todos os eventos são irreversíveis, tendem para o futuro e para um estado de dissipação de energia e desordem).
Um psiquiatra tenta compreender o mistério da vida daquele homem e submete-o a uma “antiga técnica”, a hipnose, para fazê-lo retroceder em sua memórias e estabelecer uma sequência linear até o momento atual. Porém, o que ele consegue e nós espectadores testemunhamos, é um imenso painel com linhas de tempo alternativas, como fossem hipertextos, onde cada escolha altera o futuro, pulando sucessivamente entre futuros alternativos assim como um trem pegando diferentes desvios entre linhas paralelas (imagem simbólica recorrente no filme).
Basicamente há três futuros alternativos constituídos a partir de três escolhas amorosas na adolescência que resultam em três casamentos diferentes. Tudo isso marcado pela mágoa da escolha impossível submetido no momento do divórcio entre seus pais: numa estação de trem teria que escolher com qual ficar. Ou com sua mãe que partiria no trem ou ficar com seu pai, na plataforma da estação.
Mas Nemo tem uma qualidade especial que torna a consciência de que a vida é feita por escolhas muito mais aguda e sofrida: ele foi esquecido pelos anjos antes de nascer e, por isso, não o concederam a “dádiva” do esquecimento.
Nemo narra em off que antes de nascermos sabemos tudo o que ocorrerá. Porém, antes, os anjos do céu colocam o dedo em nossos lábios, significando que esqueceremos tudo. Mas esqueceram de fazer isso com Nemo, que vem para a Terra com uma capacidade de prever o futuro resultante de cada simples escolha.
Por isso Nemo navega pela sua vida como um internauta em um hipertexto. As escolhas, desde as mais simples, como qual doce pegar numa festa de aniversário, até as mais complexas como, por exemplo, escolher com qual menina namorar, torna-se para ele impossível, já que todas as alternativas se equivalem, pois todas tendem para um único destino: a entropia, a dissipação, a crescente desordem e a morte.
Um tema difícil, abstrato e metafísico para ser trato em uma narrativa visual. Mas Van Dormael aborda o tema de forma surpreendente ao convergir linguagens de diversos gêneros como o Documentário, Ficção Científica, Realismo Fantástico e Romance. Apesar da sucessão dos instantes dos futuros alternativos na vida de Nemo, Van Dormael preenche cada plano com uma riqueza de detalhes e recursos estilísticos (fotografia, cor, slow motion etc.), dando intensidade emocional a cada simples momento, marcando o brilho e a importância de cada instante, embora todas as escolhas, no final, se igualem.
Mitologias Gnósticas
Fica evidente nas duas horas e treze minutos de “Sr. Ningém” que o roteiro de Van Dormael bebeu em fontes gnósticas Basilidianas. Se não leu textos gnósticos, o que é mais provável, o diretor provavelmente se sintonizou na mitologia gnóstica persistente nos tempo atuais por meio do repertório arquetípico que define a sensibilidade contemporânea.
Em primeiro lugar, o filme é carregado de referências à física quântica, teoria do caos e termodinâmica. Todo esse mix científico para confirmar a suspeita gnóstica: sim, Deus joga com dados o jogo do Universo, o cosmos é caótico, tende para um progressivo estado de desordem devido a um problema básico: a flecha do tempo. Não somos senhores de nossos atos, tudo depende de fatores imprevistos (como a sequência da gota de chuva que cai no papel – alteração climática provocada por um simples gesto de um desempregado do outro lado do mundo - que borra o número do telefone que o impedirá de encontrar Anna, criando mais um futuro alternativo).
A consciência aguda de Nemo o faz tomar consciência dessa imperfeição cosmológica. Como obra de um Demiurgo e não de Deus, o cosmos físico sempre será uma cópia imperfeita dos níveis superiores da Plenitude. O tempo e o devir são as principais imperfeições que aprisionam o homem nesse cosmos.
Em segundo lugar, o tema do esquecimento. O filme apresenta Nemo com outras crianças, antes do nascimento, em um fundo infinito, branco. “Antes de nascermos sabemos tudo que vai acontecer”, diz Nemo em off, no início do processo de regressão hipnótico ao qual é submetido no futuro de 2092. Pouco antes de nascermos “os anjos dos céus” nos impõem o esquecimento para, então, sermos enviados para a Terra. Na vida, passamos a acreditar naquilo que é descrito na epígrafe com que abre o filme: a “ superstição da pomba”.
Acreditamos que os nossos atos influenciam os acontecimentos, ideia desmentida pela consciência aguda de Nemo de que, na verdade, somos joguetes de fatores aleatórios. O esquecimento não nos permite ver essa inconsistência da realidade física.
E terceiro, e mais decisivo elemento gnóstico do filme “Sr. Ninguém”: o caráter artificial da realidade. Nemo é o clássico protagonista dos filmes gnósticos, prisioneiro é um construção artificial de uma realidade (há momentos “Show de Truman” no filme como sequências em que ele descobre que tudo ao seu redor - objetos, prédios - não passa de cenografia). O esquecimento imposto pelos “anjos do céu” (na verdade os Arcontes da mitologia gnóstica) e a imperfeição temporal nos faz sermos apegados a uma realidade que acreditamos ter controle.
Por isso a clássica exortação gnóstica “Acorde!” (repetida em diversas formas, sempre de passagem, ao longo do filme) para a necessidade do homem despertar do sono do esquecimento.
Gnosticismo Basilidiano
A gnose de Nemo vem do estado de suspensão em que parece viver ao longo do filme (por isso, ele parece ser “Ninguém”). Basilides acreditava que a linguagem e o pensamento racional faziam o homem cair vítima de escolhas por pares opostos: belo/feio, Bem/Mal, Certo/Errado. O Uno e a Plenitude são cindidos em qualidades opostas. Confinados nessa lógica binária ou identitária não conseguimos apreender os paradoxos, simetrias caóticas, ironias e a imperfeição cósmica do tempo. Por isso acreditamos sempre fazer escolhas regidas pela nossa vontade, decisão ou livre-arbítrio. Por acreditarmos sermos senhores racionais de si mesmos (“Penso, Logo Existo”), somos condenados ao esquecimento e não percebemos a estrutura imperfeita que rege o cosmos físico.
A gnose de Nemo, no estado de suspensão, recusa fazer qualquer escolha: pretende vivenciar, simultaneamente, todas as alternativas. Procurar o Uno naquilo que foi cindido. Por isso, numa sequência próxima ao final, a resposta Basilidiana de Nemo à escolha impossível após a separação dos pais: com qual ficar? Nemo traça uma terceira alternativa, um “tertium quid”. Nega as alternativas dadas pelo jogo, transcende-as e cria sua própria alternativa.
O filme nos faz lembrar a solução da lógica circular do clássico paradoxo grego do cretense mentiroso: um cretense afirma que todo cretense é mentiroso. Como ter certeza da afirmação se sabemos que todo cretense mente. Por outro lado, se mente, então está dizendo a verdade! Como solucionar esse paradoxo? Como Nemo resolve a escolha de alternativas que se anulam? A única solução está fora da jogada, em um nível lógico acima, onde Nemo compreende, de uma só vez, todos os caminhos possíveis do hipertexto da existência, a compreensão intuitiva do todo: a gnose.
O Filme Gnóstico europeu e norte-americano
Desde a década de 90, acompanhamos o fenômeno do filme gnóstico para massas, em produções norte-americanas hollywoodianas, do qual filmes como “Show de Truman” e “Matrix” tornaram-se um paradigma do gnosticismo pop. Na Europa o filme gnóstico se restringe ao gnosticismo Cult em filme “de arte” (como “Zardoz” ou “O Homem que Caiu na Terra” dos anos 70).
Exemplos de filmes gnósticos europeus atuais como “O Homem que Incomoda” e “Lunar” (veja links abaixo) parecem apontar para uma produção cinematográfica que pretende também popularizar a mitologia gnóstica. O filme “Sr. Ninguém” (uma co-produção Canadá/Bélgica/França/Alemanha) nos faz lembrar de uma estética mais hollywoodiana ou comercial encontrada em filmes como “Show de Truman”, “Donnie Darko” e “O Fabuloso Destino de Amelie Poulin”.
Porém as semelhanças entre o filme gnóstico europeu e norte-americano param por aqui. Enquanto filmes norte-americano atuais como “A Origem” e “Alice in Wonderland” de Tim Burton (verdadeiras apologias ao gnosticismo cabalístico das neurociências e ciências cognitivas) parecem perder o componente crítico dos filmes gnósticos que marcaram os anos 90, ao contrário, no cenário europeu o filme gnóstico mantém a narrativa mitológica do Gnosticismo clássico: o homem, submetido ao esquecimento, prisioneiro em um cosmos físico imperfeito criado por um Demiurgo.
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